A extensa programação que culmina na grande procissão do Círio de Nazaré e as transformações culturais e econômicas que a festividade promove na cidade atraiu a vinda de cerca 83 mil pessoas a Belém, somente no ano passado, segundo estimativa divulgada à época pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Em 2020, porém, a capital paraense irá vivenciar um mês de outubro diferente dos conhecidos pelo menos nos últimos 227 anos. Sem Círio presencial em decorrência da pandemia do novo coronavírus, o turismo deve ser um dos setores mais afetados pela não saída das procissões às ruas.
A vice-diretora da Faculdade de Turismo da Universidade Federal do Pará (UFPA), professora Silvia Cruz, não tem dúvidas de que o Círio de Nazaré representa a melhor época para o turismo no Pará. Portanto, é perceptível que a não realização das procissões presenciais deverá impactar o setor nas diferentes esferas em que a festividade exerce influência. “Essa não realização presencial tem um impacto gigantesco no turismo tanto de forma direta, quanto indireta”, considera. “O Círio é um evento, para o turismo religioso, que é considerado o maior da América Latina e que mobiliza a questão econômica de forma direta, já que contribui para geração de emprego e renda na hotelaria, nos serviços de receptivo, nas agências de turismo, no transporte aéreo”.
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Além das atividades diretas do turismo, a professora destaca ainda o poder de mobilização indireta apresentado pelas procissões e rituais que integram a programação oficial da Festividade de Nazaré, que vão desde o trabalho do decorador que adorna as embarcações para a procissão fluvial, até as cooperativas de reciclagem. “Você vê que quando passa a procissão, principalmente a do Círio, fica um volume de recipientes de água no caminho. São toneladas de resíduos que geram renda para aquelas pessoas que vivem da reciclagem”, destaca. “E esse é apenas um exemplo, mas que vai desde o vendedor da fitinha, até os hotéis, os patrocinadores da festa. É uma multiplicidade de atividades que estão sendo impactadas pela não realização do Círio presencial. É um impacto muito grande na cidade”.
A professora reforça que toda a festividade que culmina na realização do Círio de Nazaré era encarada por muitos guias de turismo como a possibilidade de garantir um salário a mais no ano, já que em sua maioria são trabalhadores autônomos. “Para os guias de turismo, o Círio representa o 13º salário e esse ano eles não terão, infelizmente. Imagina o impacto disso na economia pessoal e da cidade também?”, questiona.
Além da repercussão econômica, Silvia Cruz destaca que também há uma interferência no âmbito social e cultural. Para a professora, os impactos sentidos pela não realização das procissões presenciais do Círio deverão ser enfrentados para além de 2020. “É um impacto que vai da economia ao social e ao cultural”, considera. “A gente está, realmente, em um contexto muito atípico e essa recuperação no turismo vai ser lenta porque ele é um produto intangível dentro do prisma da economia. É um produto que não se tem estoque. Se não vender hoje, você já perdeu. Então, hotéis que já estariam com ocupação próxima a 100% para a data, hoje não estão nem com 20% de ocupação. Na minha avaliação, a gente vai ter uma recuperação do turismo no final de 2021 para 2022”.
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Círio 2020
Em 2020 o Círio de Nazaré chega à 228ª edição. Em decorrência da pandemia do novo coronavírus, o Círio 2020 ocorrerá em formato de transmissão virtual. Não serão realizadas as procissões presenciais. As romarias serão substituídas por missas com público limitado, cerimônias pela internet e visitações da imagem peregrina de Nossa Senhora de Nazaré.
U$ 31,2 milhões é a estimativa de gasto médio promovido pelos turistas que visitaram o Estado em decorrência do Círio 2019, de acordo com o Dieese.
Levantamento do setor aponta interesse quase inexistente de turistas
Em uma pesquisa informal realizada pela Associação Brasileira de Agências de Viagens no Pará (Abav-PA) foi possível identificar que a demanda pelos serviços relacionados ao Círio já estão muito abaixo do registrado no mesmo período do ano passado. Vice-presidente de marketing da Abav-PA e diretor da Brazil Amazon Turismo, Alex Flávio Oliveira da Silva, aponta que a procura está bem próxima de zero. “A gente teve uma pesquisa informal para ver quem já tinha alguma confirmação de reserva e os números são perto de zero. Quem tinha alguma coisa era apenas uma agência porque ela trabalha com passeios para o Círio fluvial, então ela tinha alguns pedidos antes do anúncio oficial de não realização da procissãol”.
Agora, com a confirmação de que, em decorrência da pandemia do coronavírus, não poderão ser realizadas as procissões presenciais que integram a Festividade de Nazaré, Alex acredita que quase não haverá a vinda de turistas de outros Estados para o Pará no período do Círio. “O que pode ter são algumas pessoas vindas do interior, que já têm casa ou família em Belém, mas essas pessoas não usam as redes de agências de viagem. Não vão contratar guia de turismo, transporte turístico”, considera.
O representante da Abav-PA aponta que, em situações normais, o cenário observado no mês de agosto seria bastante diferente do registrado neste ano de 2020. Ainda antes do anúncio oficial de não realização das procissões, ele conta que já não haviam demandas para a época. “É de costume as pessoas procurarem um pouco em cima da hora, mas para agosto, em termos de procura, não é comum termos um número próximo a zero. No ano passado, no primeiro semestre nós já tínhamos alguns pacotes fechados para o Círio, tanto que a rede hoteleira divulgava logo no início do ano os preços para o Círio”, considera. “O anúncio oficial ocorreu no dia 6 de agosto e, mesmo antes, já não tinha procura. Já era o impacto da pandemia mesmo”.
Alex considera que, com a suspensão de grandes eventos ao redor do mundo, as pessoas já se mantinham mais cautelosas em relação à contratação de pacotes relacionados ao Círio, justamente pela grande possibilidade de a festividade não poder ocorrer nos moldes em que era realizada todos os anos. “As pessoas não quiseram arriscar e preferiram esperar o anúncio oficial que informou o que já era esperado. Então, antes do anúncio, em decorrência da pandemia, já estava um fluxo de menos da metade. Agora, com o anúncio, não vejo perspectiva nenhuma”, avalia. “O fluxo de pessoas deve reduzir a bem menos da metade. Se tiver alguma procura, poderá ser de pessoas que têm alguma promessa a cumprir, por exemplo, e de pessoas vindas do interior do Estado”, reforça.
A queda para o setor de turismo, segundo Alex, deve ser sentida com mais intensidade neste segundo semestre do ano. Não apenas em decorrência do Círio, mas também porque o período, historicamente, é o de maior demanda para o setor no Pará. “O primeiro semestre sempre foi muito devagar no Estado. A gente depende exclusivamente dos eventos, muitos eventos de negócio”, explica. “Historicamente o segundo semestre é muito forte para a gente. Não só o mês do Círio, mas o segundo semestre todo. Porém, esse movimento ainda não está sendo observado. Estamos em agosto e a procura está bem reduzida”.
RODOVIÁRIA
Principal porta de entrada de pessoas vindas do interior do Estado, o Terminal Rodoviário de Belém também estima uma grande redução no fluxo de passageiros no período do Círio. Responsável pela administração do terminal, a Sociedade Nacional de Apoio Rodoviário e Turístico (Sinart Norte) informou, através de nota, que “a expectativa é que o Terminal Rodoviário de Belém tenha uma queda em torno de 60% a 70% nas vendas de passagens, com o cancelamento presencial do Círio, mais um grande prejuízo neste ano, uma vez que as viagens municipais e intermunicipais foram suspensas durante o ‘lockdown’ e no início de julho, mês de maiores vendas de passagens do terminal”.
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