Para muitos fiéis, a produção de diferentes mantos para cobrir imagens de Nossa Senhora de Nazaré é uma tradição cultivada há anos. Com a proximidade do Círio e a expectativa pela volta da programação completa e de forma presencial, os ateliês de quem trabalha com a confecção dos mantos já estão recheados de pedrarias, pérolas, fitas e tudo mais o que for necessário para homenagear, com enorme beleza, a Virgem de Nazaré.
O cuidado com que cada pedraria é alinhavada na base de tecido decorre de uma relação de proximidade com Nossa Senhora, cultivada desde a infância, por intermédio da avó e da bisavó. Sempre que recebe uma nova encomenda de manto para cobrir uma imagem de Nossa Senhora de Nazaré, o estilista Delleam Cardoso dá início a uma nova jornada rumo à conclusão de um item que é um dos símbolos de devoção dos paraenses por sua padroeira.
Fé e criação: artesão agradece Nazinha confeccionando mantos
“Quando eu termino um manto, primeiro fica a sensação de trabalho concluído. Depois eu fico muito emocionado quando vejo as pessoas pegando no manto. Tem pessoas que só de pegar no manto já se emocionam, já ficam realizadas”.
A história do estilista com a produção de mantos para imagens sacras iniciou há cerca de 24 anos, quando ele foi convidado para trabalhar, inicialmente, com a produção de fantasias de carnaval. Na casa do amigo onde a produção das roupas era desenvolvida, ele sempre observava uma senhora que se dedicava a bordar mantos para Nossa Senhora, trabalho que lhe chamou a atenção.
“Na casa desse amigo, no Satélite, a gente fazia as fantasias e era muita gente trabalhando, e a mãe dele, a D. Carmem, ficava sentada numa cadeira de balanço bordando mantos. Eu ficava olhando muito aquilo e quando acabou o carnaval, eu comecei a me interessar em fazer os mantos”, lembra.
“Comecei fazendo o manto para a santa de casa, depois começaram as encomendas e sigo até hoje. Eu faço mantos para as imagens usadas em procissões de outras cidades, como Círio de Estandarte, no Maranhão. Esse ano estou fazendo a do Círio do Acará, também já fiz para Castanhal”.
Além deles, há 20 anos Delleam é responsável pela confecção do manto que recobre a imagem de Nossa Senhora de Nazaré que fica no Polo Joalheiro, o Espaço São José Liberto, e que muda a cada ano. É ele quem também produz, há 18 anos, a vestimenta da imagem de Nossa Senhora das Dores que é utilizada durante a programação oficial da Procissão do Encontro, em Belém. Tradição e talento que ele já vem passando, aos poucos, para os filhos.
“É uma honra para mim ter os meus filhos agora indo comigo. O que eu peço sempre para eles é que isso nunca acabe, que depois que eu morra, eles tomem conta de tudo”.
Para que tantas encomendas sejam atendidas a tempo, o estilista conta que todos em casa ajudam um pouco. A partir do tema apresentado por quem faz a encomenda, Delleam busca a inspiração necessária para desenhar o manto inicialmente no papel. Depois, ele passa o desenho para o tecido e inicia o minucioso processo de bordado. Feito todo o desenho e os principais detalhes, os filhos e a mãe ajudam, posteriormente, a preencher a peça.
“Um manto geralmente leva de 2 a 4 meses para ficar pronto porque são mantos grandes. Tem mantos que chegam a pesar 2,5 kg por conta das pedrarias”.
Com o trabalho finalizado, é difícil não se encantar pelo brilho e as cores que formam cada desenho. Além dos modelos guardados com todo o cuidado, Delleam também mantém um manto na imagem que ocupa um altar em sua casa. Nascido no dia de Nossa Senhora de Nazaré, celebrado em 08 de setembro, ele conta que a sua relação com Nossa Senhora independe de religião.
“Eu não sou católico, sou afro-religioso, mas tenho uma relação de muitos anos com Nossa Senhora. A minha bisavó e a minha avó também eram afro-religiosas, mas levavam a gente todo ano para o Círio, para a igreja, então eu fiquei com essa relação com Nossa Senhora, de fazer os mantos”, lembra.
“Há 15 anos eu vou para a corda com amigos meus, com meus filhos, na Trasladação. E no Círio eu faço o que a minha avó fazia com a gente, eu vou ver a Santa passar ali na Praça do Relógio, depois na Presidente Vargas e voltamos para casa. Quando me perguntam porque eu vou na corda, sendo de outra religião, eu sempre falo que ninguém sabe a energia que tem na corda, até sair nela. Só indo na corda mesmo para saber o que é”.
Trabalho que acompanha histórias dos devotos
Também é difícil explicar o sentimento de gratidão proporcionado por uma graça alcançada. No caso do estilista Luiz Langer, o que deu início à sua trajetória como estilista de mantos para imagens Sacras foi uma promessa, um pedido que ele considerava impossível, mas que, diante da sua fé, se concretizou. “Em 2004, fiz uma promessa a Nossa Senhora de Nazaré e, se conseguisse alcançar, faria um manto, mas era algo muito difícil, impossível... No dia seguinte à oração feita, Deus me concedeu a graça”, lembra.
“Então, fiz um manto. Sem saber costurar e bordar, mas tentei e fiz algo simples. Caminhei, agradecido, no Círio 2004, o Círio mais longo de nossa história. De 2004 até o dia de hoje, eu nunca mais parei de bordar”.
Ao longo desses 16 anos, o trabalho desenvolvido por Luiz e sua equipe – composta também por quatro bordadeiras e um pintor - cresce a cada dia. Hoje, eles recebem convites e encomendas de mantos feitos por paróquias, Santuários, empresas e instituições. “Ao longo do ano, diversos são os eventos religiosos, como os sacramentos do Batismo e do Matrimônio, onde nossos clientes solicitam mantos para presentear seus amigos e familiares, além de bodas, aniversários”, conta.
Além das encomendas feitas para presentear entes queridos, é durante as procissões que o trabalho desenvolvido pelo estilista se destaca. Luiz conta que as encomendas iniciam ainda no começo do ano. “No primeiro semestre recebemos os convites e iniciamos o processo de confecção e no segundo semestre iniciam as procissões religiosas em diversos locais e cidades do nosso estado e fora dele”.
Dentre as cidades para as quais Luiz Langer confecciona os mantos para as procissões de diferentes paróquias estão Vitória do Xingu (Paróquia N Sra Senhora Auxiliadora), Ourém (Paróquia N Sra. da Conceição), Cametá (Paróquia São João Batista), Marituba (Paróquia de N Sra. de Nazaré), Muaná (Paróquia São Francisco de Paula), Afuá (Paróquia N Sra. da Conceição), entre vários outros municípios paraenses. No restante do país, ele é o estilista responsável pelos mantos oficiais dos Círios de Nossa Senhora de Nazaré do Amapá, Amazonas, Natal, Rio de Janeiro, São Paulo e Florianópolis.
“Toda a Inspiração vem das imagens e símbolos sacros. Nossa Igreja é rica em detalhes e símbolos religiosos que nos permitem a criatividade e a estilização do desenho, após ser bordado é fonte de evangelização”, considera. “A Inspiração sempre está em oração. Por participar da Pastoral Litúrgica da Basílica Santuário, a Liturgia é a base de conhecimento profundo para que os nossos mantos tenham sempre o objetivo de evangelização. Mas destaca-se sempre os temas de cada localidade”.
Já para a estilista Marilza Ferreira Ramos, 78 anos, a missão de confeccionar o manto de Nossa Senhora chegou através de um convite inesperado, mas logo abraçado como uma missão. Ela lembra que, inicialmente, foi procurada pela Diretoria da Festa de Nazaré para confeccionar um manto para a imagem de Nossa Senhora de Nazaré do arcebispo metropolitano de Belém, Dom Alberto Taveira, em 2016. Já no ano seguinte veio a encomenda para confeccionar o manto oficial do Círio de Nazaré de 2017. “Quando vieram me falar para eu fazer o manto eu disse uma passagem do Evangelho: ‘Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Sua palavra’”.
A estilista lembra que trabalhava com a confecção de vestidos de noiva. Na época, chegava a produzir 6 a 7 vestidos por semana e, já naquele período, a sua mãe comentava o que mais tarde viria a se tornar uma realidade. “A minha mãe, nessa época, via os vestidos e dizia que eu só não fazia o manto de Nossa Senhora”, recorda, sorrindo. “Toda vez que ela via uma noiva no meu ateliê, ela falava isso. Então, quando eu recebi a encomenda do manto da Diretoria da Festa eu fiquei bem feliz porque sabia que tudo ia dar certo”.
Para a produção do manto utilizado pela Imagem Peregrina durante as festividades oficiais do Círio, Marilza lembra que todo um conjunto de profissionais é acionado. O manto de 2017 foi desenhado pela ilustradora e professora Aline Folha e confeccionado por ela, Marilza. “Fiquei muito tranquila porque não trabalhamos sozinhas. Eu sempre fui devota de Nossa Senhora, então, eu fiquei tranquila porque sabia que daria certo”.
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