Os dias que antecedem a Semana Santa são uma espécie de Natal para empórios -em nenhuma outra época do ano, paulistanos compram tanto bacalhau quanto agora. "Vendemos 20% a mais do que no fim do ano", diz Eduardo Chiappetta, do centenário Empório Chiappetta, que tem o peixe como carro-chefe.
Quem já foi às compras neste ano encontrou preços tão salgados quanto o próprio bacalhau. O quilo do lombo do Gadus morhua, que é o corte mais nobre da espécie mais valorizada, chega a passar dos R$ 300 em alguns endereços.
Também chama a atenção a forma confusa como o bacalhau tem sido oferecido ao consumidor. Misturam-se nomes científicos, países de origem e nomes dos cortes, uma barafunda que acaba só atrapalhando na hora da compra.
Para começar, a classificação Bacalhau do Porto ficou no passado. "O bacalhau que vinha para o Brasil saía da cidade do Porto, em Portugal, e Porto passou a ser o nome usado para designar um bom bacalhau", diz Heloísa Bacellar, da plataforma Nacozinhadahelo.com.br e autora do livro "Bacalhau Receitas e Histórias das Águas Geladas às Caçarolas" (ed. DBA).
Hoje, o que determina a qualidade do peixe salgado é o nome científico da espécie. A legislação brasileira só considera duas: Gadus morhua, pescado no norte do Atlântico, mais especificamente na Noruega, e Gadus macrocephalus, do norte do Pacífico.
Ambos têm carne clara, cor de palha, e se separam em lascas definidas depois de cozidos. Mas só o Gadus morhua dá origem aos cortes altos que os chefs apelidaram de lombo.
A Noruega exporta outras três espécies de peixes salgados para o Brasil: saithe, zarbo e ling. São da mesma família do Gadus morhua e passam por processo idêntico de salga. Até 2019, podiam ser comercializadas como "tipo bacalhau", norma que já caducou -atualmente, a lei determina que o nome correto da espécie seja informado na embalagem.
Apesar de algumas diferenças -carne mais firme e não tão clara-, essas alternativas podem custar até 50% menos do que o Gadus morhua.
Bacellar sugere o saithe e o zarbo para preparos nos quais o peixe entra desfiado ou em pedacinhos, como bolinho ou bacalhau à Brás. "O ling separa em lascas macias e não faz feio nos pratos de forno, panela ou frigideira", afirma.
Seja qual for a espécie, quem compra peixe salgado precisa se planejar -o processo de dessalga não admite pressa.
Depois de lavado na água corrente, o peixe deve ser posto de molho em água gelada, com a pele para cima, para que o sal possa se depositar no fundo da vasilha. O tempo depende do tamanho da peça.
Não se recomenda remover pele e espinhas antes da dessalga, pois concentram o colágeno que deixa o peixe gostoso.
"Só removemos a pele na fase final do preparo das receitas, para manter o sabor do bacalhau", diz Patrícia Sampaio Bettencourt, chef do restaurante A Bela Sintra, em São Paulo.
Bacalhau que se compra dessalgado é prático, mas rende menos -ao ser hidratado, o peixe praticamente cresce até 40%. Ou seja, quem leva um quilo de bacalhau salgado para casa vai obter 1,4 quilo de peixe dessalgado. Importante levar isso em conta na comparação de preços.
O tamanho da peça é o que determina tempo da dessalga.
O Conselho Norueguês da Pesca recomenda que uma peça de bacalhau desfiado, por exemplo, leve seis horas de dessalga (com uma troca de água de três em três horas). Já o processo de um lombo demora 72 horas, trocando a água de oito em oito horas.
MUITO MAIS EM CONTA, PEIXES FRESCOS PODEM SER SALGADOS EM CASA
Enquanto o bacalhau reina no menu do domingo de Páscoa, peixes frescos seguem como os preferidos para o almoço da Sexta-Feira Santa. Como de praxe, os preços vão subindo gradativamente ao longo da semana e atingem o pico na quinta.
Segundo Thiago de Oliveira, chefe da seção de economia do Ceagesp, entreposto na região oeste que abastece boa parte das peixarias e feiras paulistanas, os preços já estão de 8% a 10% mais caros do que os praticados em fevereiro.
Os que mais sobem são os pescados considerados nobres -robalo, linguado, badejo e tilápia, peixe de água doce criado em cativeiro.
Sorte que o cardápio de pescados que estão na época vai além. "Sardinha, corvina, tainha, pescada-amarela e cavalinha estão chegando ao varejo custando de R$ 24 a R$ 40 o quilo", afirma Oliveira.
Segundo o chef Eudes Assis, do restaurante Taioba Gastronomia, em São Sebastião (SP), os pescadores têm voltado com os barcos cheios de xaréus, carapaus e xereletes.
"Também gosto muito do pargo, de carne bem branca, do olho-de-cão, que é uma espécie de pargo menorzinho, e da anchova, que já começou a aparecer na nossa orla."
Dá até para recorrer a esses peixes locais e disfarçá-los de bacalhau. Chef do Churrascada do Mar, em Pinheiros, Dário Costa tem no menu um prato batizado de nosso bacalhau.
A posta alta e dourada vai à mesa à moda portuguesa, com batatas, brócolis, ovos cozidos, cenouras e alho frito. Só que o peixe é paulista, o mais fresco do dia, que o chef seca e salga na própria cozinha.
"A abrotéa e o dourado são ótimos para salgar, porque dão postas altas e têm muito colágeno, como o bacalhau. Quanto mais alto e gordo, melhor."
O processo, ele afirma que é bem simples -em questão de três dias, o peixe já está pronto para ser dessalgado.
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