O Parlamento de Portugal aprovou, na tarde da última sexta-feira (29), a versão final da lei que descriminaliza a eutanásia. Com a decisão, o país torna-se o quarto na Europa, e o sétimo no mundo, a legalizar a morte medicamente assistida.
Para entrar em vigor, a lei depende agora da sanção do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. O fato de o chefe de Estado ser católico praticante e de ter defendido medidas pró-vida em ocasiões anteriores levanta especulações sobre um possível veto presidencial.
Em fevereiro de 2020, os deputados portugueses já haviam dado sinal verde à eutanásia, com a aprovação de cinco projetos de lei sobre o assunto. A votação de agora consolidou o texto definitivo.
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A lei aprovada é bastante restritiva. Apenas maiores de 18 anos, portugueses ou estrangeiros com residência legal em Portugal, podem recorrer à morte assistida.
O procedimento só fica autorizado para pacientes "em situação de sofrimento intolerável", com lesão definitiva grave ou doença incurável e fatal. Doenças mentais não são elegíveis para eutanásia em Portugal.
Os pedidos precisam ser avaliados por pelo menos dois médicos, incluindo um especialista na doença que justifique o pedido de eutanásia. Caso a decisão seja favorável, o caso avança para uma comissão de verificação e bioética.
Os pacientes também são obrigados a reiterar, mais de uma vez, o desejo pela morte assistida.
O processo de morte assistida é imediatamente interrompido caso o paciente entre em coma antes de sua conclusão, só podendo ser retomado caso haja volta do estado de consciência.
Uma das responsáveis pela redação do texto final da lei da eutanásia, a deputada e jurista Isabel Moreira (Partido Socialista) afirma que as muitas exigências e etapas do processo de morte assistida são propositais.
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"É um procedimento complexo, seguro para que não possa ser feito levianamente, porque senão haveria uma violação da constituição. Há todo um cuidado na lei para que a pessoa tome a decisão em uma situação muito específica", disse.
Para garantir a fiscalização do cumprimento das regras, a lei determina a criação da Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Antecipação da Morte, que inclui profissionais da área médica, jurídica e de bioética.
Assim como no caso da legalização do aborto, profissionais de saúde têm o direito de se declararem objetores de consciência e não participarem dos procedimentos de eutanásia.
PARLAMENTARES CONTRA
Após a votação, vários parlamentares se manifestaram contra a eutanásia.
O deputado António Filipe (Partido Comunista Português) alertou para possíveis consequências sociais da morte assistida, afirmando que há temor da "banalização do recurso à eutanásia".
Líder do partido conservador de direita CDS-PP, o deputado Telmo Correia criticou o que considera um abandono dos que sofrem, e afirmou que "a eutanásia é uma derrota para todos".
Principal partido da oposição, o PSD (Partido Social-Democrata), de centro-direita, deu liberdade de voto a seus deputados. Embora o líder da legenda, Rui Rio, tenha votado a favor do projeto, a maior parte da bancada foi contra.
Em 2018, em uma legislatura com menos deputados de esquerda, um projeto de lei sobre eutanásia fora reprovado com apenas cinco votos de diferença.
Com a renovação do Parlamento e a definição de que seria inevitável travar a aprovação da morte assistida com a atual composição das bancadas, começou a haver pressão para a realização de um referendo. A possibilidade acabou sendo rejeitada pelos deputados.
"Nós entendemos que essas matérias não devem ser objetos de referendo, são matérias muito complexas de direitos fundamentais. É um tema de política criminal muito complexo, que envolve contração de princípios e direitos fundamentais, não é uma matéria simples de resposta sim ou não. Não nos parece que a dignidade e a autonomia das pessoas deva ser referendada", avalia a deputada socialista Isabel Moreira.
Segundo ela, o tema da eutanásia é bem menos polêmico para a sociedade portuguesa do que fora o do aborto. A interrupção voluntária da gravidez foi descriminalizada em Portugal em 2007, após um referendo.
"A sociedade portuguesa está bastante pacificada com a questão da morte medicamente assistida. Estudos de opinião que nós temos disponíveis mostram que a grande maioria da população portuguesa é favorável", completa.
Embora menos ruidosas do que na altura da legalização do aborto, as manifestações contrárias à eutanásia seguem acontecendo.
Nesta semana, um grupo de 21 prefeitos portugueses lançou um manifesto contra a lei. Entre os signatários, de diversos espectros políticos, estão alguns considerados de grande peso político, como Rui Moreira (Porto) e Carlos Carreiras (Cascais).A eutanásia também não teve apoio da Ordem dos Médicos (entidade que regula os profissionais no país), que se manifestou contra a morte assistida, que violaria a ética médica e o código deontológico da profissão.
Quando os projetos originais foram apresentados, o CNECV (Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida) também deu parecer negativo, "por entender que não constituem uma resposta eticamente aceitável para a salvaguarda dos direitos de todos e das decisões de cada um em final da vida, não considerando nem valorizando os diferentes princípios, direitos e interesses em presença, que devem ser protegidos e reafirmados", justifica o órgão.
PRÓXIMOS PASSOS
O placar confortável da aprovação -com 136 votos a favor, 78 contra e 4 abstenções- é tido como um incentivo à sanção presidencial.
Mesmo em um eventual cenário de objeções por parte do Palácio de Belém, o Parlamento pode votar para derrubar um veto presidencial. Para isso, são precisos dois terços dos 230 deputados.
Também existe a possibilidade de que Marcelo Rebelo de Sousa envie a lei para avaliação do Tribunal Constitucional, colegiado superior que tem poder de declarar o projeto inconstitucional, o que inviabilizaria sua implementação.
Embora os juízes do TC sejam considerados com uma inclinação mais à esquerda, uma eventual avaliação da lei da eutanásia é tida como imprevisível por especialistas.
Países onde a eutanásia é permitida:
Holanda
Bélgica
Luxemburgo
Austrália
Canadá
Estados Unidos (a decisão é por estado; seis já liberam)
Outros tipos de morte com assistência
Suíça e Suécia
Autorizam apenas suicídio assistido (paciente é acompanhado por um profissional de saúde, mas quem toma a ação que leva à morte -como tomar um fármaco ou desligar um aparelho- é o próprio doente)
Alemanha, Áustria, Dinamarca, França, Hungria, Noruega e República Tcheca liberam a eutanásia passiva: pacientes podem escolher encerrar tratamentos e auxílios para prolongar a vida em casos de doenças incuráveis.
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