Em meio a um novo acirramento nos combates da Guerra da Ucrânia, o Ocidente demonstrou ter comprado a aposta feita no campo de batalha real e retórico por Vladimir Putin nas últimas semanas.
O chefe da diplomacia da União Europeia disse nesta quinta (13) que um ataque nuclear russo contra o vizinho resultaria na "aniquilação" do Exército de Putin, e o primeiro-ministro alemão elevou o usual tom comedido e afirmou que a guerra do russo é "uma cruzada contra a democracia liberal".
O espanhol Josep Borrell, alto representante da UE para assuntos estrangeiros e segurança, afirmou em Bruges (Bélgica) que "deve ficar claro que qualquer ataque nuclear contra a Ucrânia vai gerar uma resposta". "Não será uma resposta nuclear, mas uma tão poderosa do lado militar que o Exército russo seria aniquilado", afirmou.
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É a declaração mais clara sobre o tema dada por uma autoridade ocidental até aqui. Os americanos, donos da bola quando o assunto é a defesa militar dos aliados europeus na Otan, já haviam falado em "consequências catastróficas" em caso de uso da bomba atômica, mas não as desenhado em público.
Já o alemão Olaf Scholz se manifestou em um vídeo gravado para uma conferência de sociais-democratas em Berlim. "Não é só sobre a Ucrânia. Eles [Putin e seus apoiadores] consideram que a guerra contra a Ucrânia é parte de uma cruzada maior, uma cruzada contra a democracia liberal", afirmou.
Ao longo da guerra, Scholz, que sucedeu Angela Merkel no fim do ano passado e herdou um legado de proximidade entre Berlim e Moscou marcada por uma grande parceria energética, alternou falas conciliadoras e mais duras.
Na prática, cuidou de seu quintal ao buscar alternativas ao gás russo e triplicou o orçamento militar alemão neste ano, rompendo décadas de restrição no setor. Mas sempre foi econômico na ajuda a Kiev: demorou três meses para enviar meros três blindados de proteção antiaérea Gepard e outros quatro para entregar as primeiras unidades do sistema antiaéro basedo no míssil Iris-T.
Acerca do conteúdo, Scholz não está errado. Putin deixa claro desde 2004 que encara a relação com o Ocidente como uma disputa de civilizações e valores, e o percebido avanço de estruturas ocidentais na periferia ex-soviética, como uma ameaça existencial.
PUTIN MANTÉM AMEAÇA NUCLEAR
O russo reafirmou isso tudo quando discursou no evento em que anexou quatro territórios da Ucrânia, de quem já tinha tirado a Crimeia, sem conflito, em 2014. Antes, havia prometido defender as áreas, que não controla totalmente, com "todos os meios necessários".
Isso, somado a falas mais diretas dele e de aliados, é uma ameaça nuclear. Ainda que do ponto de vista militar seja algo duvidoso e politicamente, suicida, o emprego de uma bomba atômica tática, de baixa potência, é vista como uma possibilidade baixa, mas existente, entre analistas.
O tema tem se tornado recorrente, e a Otan realiza nesta quinta uma reunião de seus ministros da Defesa para debater o envio de mais sistemas antiaéreos. Desde a segunda-feira (10), após uma série de derrotas para Kiev e o ataque à ponte que liga a Crimeia à Rússia continental, Putin tem sinalizado uma mudança na condução da guerra –ou uma forma de ganhar tempo, assustando o Ocidente, enquanto mobiliza reforços.
Ataques com mísseis e drones kamikaze passaram a atingir de forma deliberada alvos de infraestrutura civil, embora isso tenha acontecido durante todo o conflito de uma forma ou de outra. Assim, os ocidentais querem enviar sistemas antiaéreos mais eficazes e mísseis de longo alcance para Kiev, o que os russos consideram uma linha vermelha em termos de envolvimento.
Mas tais linhas são bastante turvas, e o Ocidente vem elevando a barra e dobrando a aposta contra as ameaças de Putin pouco a pouco. Agora, debatem equipar a Ucrânia com sistemas americanos Patriot, israelenses Arrow-3 ou mais alemães Iris-T.
Como os próprios americanos já se queixaram, tais movimentações costumam demorar e ser insuficientes por parte dos europeus. O fato de Washington não ter populações e indústria dependentes do aquecimento e da energia do gás russo ajuda a explicar o cenário, mas a pressão cresce.
Do lado russo, a retórica seguiu a mesma. Comentando o pedido feito pelo presidente Volodimir Zelenski de ser admitido na Otan, uma possibilidade remota mesmo pensando em longo prazo, mas que foi usado como "casus belli" por Putin, um membro do Conselho de Segurança da Rússia disse que o resultado seria a Terceira Guerra Mundial.
"A natureza suicida de um passo desses é compreendida pelos membros da Otan também", afirmou Alexander Vediktov, segundo a agência Interfax. Outro que voltou a falar do risco de um conflito amplo foi o ditador belarusso Aleksandr Lukachenko, que negou ter intenção de atacar a Ucrânia apesar de ter formado uma tropa de fronteira conjunta com seu aliado Putin.
PUTIN FAZ AGENDA DUPLA
Já o seu chefe, Putin, apostou nesta quinta numa agenda dupla. No campo diplomático, participou de uma reunião de líderes da Conferência sobre Interação e Medidas de Construção de Confiança na Ásia, em Astana (Cazaquistão).
Encontrou-se com figuras como o emir do Qatar, Tamim bin Ahmad al-Thani, parte de seu balé energético com o mundo árabe –os sauditas lideraram o movimento para cortar a produção mundial de petróleo, ajudando o Kremlin a driblar a pressão ocidental para limitar suas exportações.
Mais importante, esteve com um aliado desconfiado, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan. Como ambos falaram só de economia publicamente, notadamente ampliar a rede existente de gasodutos russos que vão para o país, a expectativa é sobre o que não foi dito de forma aberta –alguma mediação acerca da crise da Ucrânia.
No solo, contudo, Putin segue apertando o torniquete após passar setembro na defensiva, perdendo territórios que ocupava a nordeste e vendo incursões bem-sucedidas de Kiev em Kherson (sul) e Donetsk (leste), 2 das 4 províncias anexadas. Segundo o Estado-Maior das Forças Armadas da Ucrânia, 40 cidades e vilarejos foram bombardeados entre quarta (12) e esta quinta.
Após uma retirada através de cerca de 20 km no norte de Kherson, os russos parecem ter estabelecido uma linha defensiva mais estruturada, segundo análise do Ministério da Defesa britânico. Pressionam na região de Mikolaiv. A ferocidade relatada dos combates fez o governo pró-russo local pedir ajuda a Moscou para retirar moradores da linha de frente.
Por outro lado, os ucranianos voltaram a provocar os russos com um bombardeio com artilharia que atingiu um prédio residencial de Belgorodo, região junto à fronteira do vizinho. O governo local não disse se houve vítimas. Já houve ataques com drones a centrais elétricas e outros incidentes, mas a escalada demonstra a intenção de Kiev de levar a guerra, ainda que simbolicamente, para dentro da Rússia.
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