O forte terremoto que atingiu a fronteira da Turquia com a Síria nesta segunda-feira (6) agrava o cenário de dificuldades enfrentado por milhões de sírios que ainda residem em seu país e de muitos que emigraram, em grande parte para o território turco.
O tremor se insere em um contexto de 12 anos de guerra civil contra o regime ditatorial de Bashar al-Assad —um conflito que, segundo divulgou a ONU em junho passado, já matou mais de 306,8 mil civis— e, ainda, em um dos piores invernos já registrados na história do país.
A atual temporada de inverno ocorre em um momento de escassez de combustível e eletricidade. De cerca de 14,6 milhões de pessoas que precisam de ajuda humanitária, pelo menos 6 milhões estavam sujeitas aos efeitos do clima, ainda de acordo com números de equipes da ONU.
Os mais afetados são os que já foram deslocados pelo conflito, que vivem em acampamentos temporários. Há riscos de incêndios devido ao uso de lenha para se aquecer; a iluminação nas escolas se tornou um desafio, impactando o acesso à educação; e o risco de infecções respiratórias aumentou, ao mesmo tempo em que estradas bloqueadas em algumas partes do país impedem o acesso a serviços de saúde.
"As temperaturas caem abaixo de zero com frequência nas partes mais montanhosas do país, e as planícies, por sua vez, são propensas a inundações", disse o braço local da ONU em comunicado recente.
"A capacidade de sobrevivência dos sírios foi ainda mais prejudicada pela contínua deterioração da situação socioeconômica, marcada pela desvalorização da libra síria e pela crise energética."
A guerra civil síria é um dos conflitos que mais deslocam pessoas no mundo. São mais de 5,4 milhões de refugiados de uma população de 21 milhões, segundo o Acnur, a agência da ONU para refugiados. E, desses, 64% buscaram refúgio na Turquia. Há ainda ao menos 6,8 milhões de deslocados internos.
A região do terremoto, entre as províncias turcas de Gaziantep e Kahramanmaras, abriga um dos campos de refugiados do país, o de Kahramanmaras, espécie de "cidade de contêiner" que reaproveita estruturas do tipo para abrigar refugiados. O local pode receber até 25 mil pessoas. Em dezembro, a agência Bloomberg informou que ao menos 500 mil refugiados sírios viveriam em Gaziantep.
O romeno Dan Stoenescu, chefe da missão da União Europeia (UE) na Síria, chamou a atenção para esse aspecto da tragédia. "Milhões de refugiados sírios e deslocados internos vivem em campos e cidades perto do epicentro do terremoto", escreveu ele no Twitter pela manhã.
Não há informações sobre quantos dos mortos podem ser refugiados ou deslocados internos da guerra civil, mas observadores alertam para o fato de que essas pessoas, além de potenciais vítimas do tremor, estão sujeitas a ter condições de vida ainda mais deterioradas após a destruição dos centros urbanos.
"Em meio a um inverno rigoroso combinado com o colapso econômico, é difícil imaginar uma região mais vulnerável para lidar com um desastre natural como esse", escreveu Charles Lister, diretor para Síria no Instituto do Oriente Médio, centro de pesquisa baseado em Washington.
"Antes do terremoto, os campos de deslocados internos do noroeste da Síria já estavam muito além de sua capacidade, e a escala de destruição causada durante o terremoto fará com que eles aumentem."
A situação precária também levou a Síria a reconhecer um surto de cólera em setembro passado, que rapidamente se espalhou pelo país, atingindo principalmente os campos de deslocados. Segundo o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), mais de 70,2 mil casos e 98 mortes foram relatados. A agência atribui o surto à destruição em larga escala de infraestrutura de água e saneamento, além da falta de eletricidade e dos movimentos populacionais frequentes.
Cerca de 95% das famílias sírias vivem na pobreza, e 55% sofrem de insegurança alimentar. E o preço médio da cesta básica em outubro ficou em 357 mil libras sírias (R$ 734), 91% acima do valor registrado um ano antes, de acordo com dados do Unicef publicados nesta segunda.
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