O ranking de bilionários da Forbes é o mais famoso atestado de fortuna do mundo. A insistência de um homem para entrar nele, porém, levou a revista a fazer o oposto: comprovar sua "pobreza". Pobreza relativa aos bilionários de verdade, claro.
Desde 2020, um executivo chamado Calvin Lo vinha procurando repórteres da revista para alardear sua suposta riqueza, de acordo com a Forbes. Por meio de representantes, ele era apresentado a jornalistas como "o bilionário filantropo mais discreto" e o "investidor bilionário mais privado e esquivo do mundo" (apesar de uma pesquisa no Google pelo seu nome retornar dezenas de resultados, inclusive um intitulado "o bilionário mais discreto de Hong Kong").
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Ele dizia também ter um diploma de Harvard, uma coleção de champanhes de US$ 250 milhões, casas em três continentes, uma frota de carros raros de luxo, um hotel cinco estrelas em Taipei e até um investimento na equipe de Fórmula 1 Williams recentemente, ele vinha especulando investir em uma equipe própria, notícia que apareceu inclusive em sites brasileiros.
Acostumada a esse tipo de assédio de pessoas tentando entrar na lista, a Forbes não embarcou na história.
Outras publicações de prestígio, porém, caracterizaram Calvin Lo como bilionário. No site da empresa de relações públicas contratada por ele, são listadas reportagens do Financial Times -fora do ar, ao tentar ser acessada pela reportagem nesta sexta (28)-, da BBC e da Reuters, entre outros veículos.
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Em press releases (textos escritos por assessores para divulgar um cliente a jornalistas), Calvin Lo não é só descrito como um bilionário, como sua empresa é apontada como "a maior corretora de seguros de vida do mundo".
"O trabalho foi muito, muito além das minhas expectativas", diz o executivo sobre a empresa de relações públicas PR Superstar, com sede no Reino Unido, no site do negócio. A reportagem questionou a empresa se há algum tipo de checagem das afirmações feitas por clientes, mas não obteve resposta.
Em setembro do ano passado, um editor da Forbes se encontrou com Calvin Lo no escritório da R.E. Lee International, corretora de seguros de vida da qual ele é CEO, em Hong Kong. O objetivo do encontro, segundo o executivo, era discutir um dilema: fornecer ou não à revista documentos para comprovar seu patrimônio e entrar para o ranking.
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O suposto bilionário estaria dividido entre manter um perfil discreto, ou ostentar sua riqueza -o que, como ele próprio teria dito no encontro, ajudaria a divulgar seu negócio de seguros, voltado a uma clientela ultrarrica.
Tudo balela, na visão da Forbes, que a partir de então começou uma investigação que durou quase um ano envolvendo seis países e ao menos 40 entrevistas. O resultado foi uma reportagem publicada na quarta (26) assinada por três repórteres e com a colaboração de outros seis.
De acordo com a revista, não há nenhuma prova de que Calvin Lo tenha estudado em Harvard. Ele não tem um hotel em Taipei, tampouco uma participação na Williams. A suposta "maior corretora de seguros de vida do mundo" é estimada em US$ 60 milhões. As casas que ele diz ter na verdade estão no nome de seus pais ou de outras pessoas.
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Um diretor especializado em bebidas da casa de leilões Christie's consultado pela Forbes afirma ser praticamente impossível alguém ter uma coleção de champanhes de mais de US$ 100 milhões. Até uma foto de Calvin Lo com um carro raro de luxo (um Pagani Huayra BC) foi desmascarada pela revista, que rastreou a imagem original e seu fotógrafo, o qual afirmou que "obviamente" houve uma alteração para incluir o suposto bilionário.
Dois repórteres da revista foram a um dos escritórios de advocacia que assinavam documentos atestando a fortuna. Longe do que se espera de um negócio que lida com bilionários, ele fica no térreo de um prédio residencial de Bangkok (Tailândia) e anuncia serviços como auxílio para retirada de visto e reconhecimento de firma em cartório.
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A Forbes ainda afirma que a fundação filantrópica e o fundo de investimentos que o executivo diz ter não existem. Procurada, a R. E. Lee Capital, por sua vez, gestora de ativos do qual Calvin afirma ser fundador, disse à revista que ele não possui nenhum envolvimento com o negócio, e sua relação se limita a ele ser filho de sua diretora, Regina Lee.
A mãe de Calvin, de acordo com a Forbes, vem há anos sustentando o estilo de vida luxuoso do filho. Em 2004, ele teria ganhado US$ 308 mil para comprar um Lamborghini; em 2005, foram US$ 1,2 milhão para decorar um apartamento em Singapura.
Na documentação de divórcio de Calvin, o juiz responsável pelo caso chegou a mencionar a dinâmica dessa relação. "Ele estava sendo preparado por sua mãe para se tornar um corretor de investimentos bem-sucedido com um estilo de vida que claramente ele não poderia bancar com seu salário", disse.
Considerando conjuntamente o executivo e seus pais, a Forbes estima que a família tenha uma fortuna de menos de US$ 200 milhões.
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Questionados pela revista, os advogados de Calvin Lo e sua mãe responderam que "todas as insinuações de que nosso cliente foi desonesto, inverdadeiro ou antiético de alguma forma são categoricamente negadas por ele".
Ao ser informado pela revista que ele não entrou para o ranking de bilionários de 2023, e receber questionamentos sobre a alteração da foto com o carro de luxo, a Forbes diz ter recebido um email em abril de um representante de Calvin Lo dizendo que ele estava "profundamente preocupado com o desrespeito da Forbes pelas conquistas financeiras do Sr. Lo".
Ainda segundo a revista, o email chamava as perguntas dos jornalistas de "frívolas" e dizia que elas colocavam em dúvida a validade da lista de bilionários e da publicação, e encerrava dizendo que Calvin Lo teria um jantar marcado com o presidente do fundo Integrated Whale, dono da Forbes a revista diz que não houve um encontro do tipo em abril, mas que meses depois Lo de fato falou com o fundo.
Ao ser informado sobre o resultado da investigação conduzida pela revista, o suposto bilionário não só disse ter perdido o interesse em ser incluído no ranking, como disse não querer mais aparecer na Forbes.
"Mas nós finalmente contamos sua história -ainda que não seja a que ele sugeriu", encerra a reportagem.
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