A autorização da bênção a casais do mesmo sexo, aprovada pelo papa Francisco em meados de dezembro do ano passado, continua reverberando no Vaticano. Em entrevista ao jornal italiano La Stampa, o pontífice disse não temer um cisma na Igreja Católica após a decisão provocar ira entre setores conservadores.
Francisco, 87, minimizou as críticas e disse que a possibilidade de um cisma é ventilada somente por pequenos grupos ideológicos. "Devemos deixá-los à vontade e seguir em frente... e olhar para o futuro", disse o papa, sem especificar a quais grupos se referia, na entrevista publicada nesta segunda-feira (29).
A autorização concedida pela igreja vem provocando fraturas na comunidade católica e motivando debates, com bispos em alguns países se recusando a permitir que seus sacerdotes implementem a bênção a casais LGBTQIA+. A resistência é maior em países da África, onde a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo pode levar à prisão ou até mesmo à pena de morte em algumas regiões.
Francisco disse estar confiante de que até os críticos mais ferrenhos acabem entendendo os propósitos da medida. Em seguida, emendou que os católicos no continente africano são "um caso à parte". "Para eles, a homossexualidade é algo 'ruim' do ponto de vista cultural. Eles não a toleram", afirmou. "Mas, em geral, confio que gradualmente todos chegarão a um acordo com o espírito da declaração."
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A declaração em questão, conhecida por seu título em latim Fiducia Supplicans (confiança suplicante), foi divulgada em 18 de dezembro. Desde então, o Vaticano tem se esforçado para enfatizar que as bênçãos não representam "absolvição" de atos homossexuais que a igreja considera pecados e que não devem ser vistas como algo equivalente ao sacramento do matrimônio, exclusivo para casais heterossexuais.
Mas mesmo um esclarecimento divulgado no começo do mês pelo escritório doutrinário do Vaticano não foi suficiente para arrefecer as críticas feitas pelos bispos na África. Líderes da igreja no continente emitiram uma carta dizendo que a decisão havia causado "inquietação na mente de muitos" e que não poderia ser aplicada devido ao contexto cultural na região.
Desde que foi eleito pelos cardeais há dez anos, Francisco tem tentado tornar a doutrina católica mais acolhedora para pessoas que se sentem excluídas, como membros da comunidade LGBTQIA+, mas sem mudar nenhuma parte do ensinamento da igreja sobre questões morais.
"[Os críticos] me perguntam como é possível [a bênção a casais do mesmo sexo]. Eu respondo: o Evangelho é para santificar a todos. É claro, desde que haja boa vontade. [...] Somos todos pecadores: então por que fazer uma lista de pecadores que podem entrar na igreja e outra lista de pecadores que não podem estar na igreja? Isso não é o Evangelho", disse o papa ao La Stampa.
A declaração que autoriza a bênção foi emitida pelo departamento doutrinário do Vaticano e aprovada pelo papa. Embora a abertura de Francisco à prática tenha sido bem recebida por muitos, conservadores disseram que isso poderia abalar os fundamentos da fé e até levar a um cisma na igreja.
A África não foi a única a receber mal a nova orientação doutrinária. Houve resistência também na América Latina e nos Estados Unidos. Em dezembro, após as primeiras críticas, o papa já havia alertado contra o que chamou de posições ideológicas inflexíveis e que, segundo ele, podem impedir a Igreja Católica de enxergar a realidade e avançar.
Questionado sobre a sua saúde, o papa disse que sente dores, mas que está melhor e se sente bem. A saúde de Francisco vem se deteriorando nos últimos anos, forçando-o a viajar em uma cadeira de rodas e fomentando especulações sobre uma possível renúncia sua à liderança da Igreja Católica. Em 2021, ele foi submetido a uma cirurgia no cólon e, no ano passado, foi hospitalizado duas vezes, numa delas para uma operação no abdômen.
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Em relação à guerra entre Israel e Hamas, o papa manifestou temor de um agravamento no conflito e disse que a "verdadeira paz" não se materializará até que uma solução de dois Estados seja implementada.
Francisco, que é argentino, ainda confirmou que está programado um encontro com o presidente de seu país natal, Javier Milei. A expectativa sobre uma visita do líder da Igreja Católica à Argentina é ampla, e já foram feitos inúmeros apelos. Durante a campanha, Milei fez uma série de ataques verbais ao papa e chegou a chamá-lo de "representante do mal na Terra", mas suavizou o tom à medida que se aproximavam as eleições que o elegeram. O encontro deve ocorrer em fevereiro no Vaticano, segundo o que Francisco disse na entrevista, por ocasião da canonização de Mama Antula, considerada a mãe espiritual da Argentina.
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