Instigado pelas pressões do presidente da República, o governo de Portugal quebrou o silêncio negou qualquer intenção de avançar com um "processo ou programa de ações específicas" relacionados à reparação das ex-colônias, indo, assim, contra a posição de Marcelo Rebelo de Sousa. Mas afirmou que dará continuidade à atuação dos governos anteriores em matéria de cooperação com esses Estados.
Ainda assim, a questão pode não ficar encerrada, visto que o governo do Brasil pede "ações concretas" e partidos de esquerda querem levar o debate para discussão no Parlamento.
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Em nota enviada divulgada neste sábado (27), o Executivo da Aliança Democrática, do novo premiê Luís Montenegro, declara que "se pauta pela mesma linha dos governos anteriores" no que diz respeito às reparações aos países colonizados e que não há nenhum projeto relacionado à reparação.
A nota do governo afirma ainda que sua linha de atuação será sempre de "aprofundamento das relações mútuas, respeito pela verdade histórica e cooperação cada vez mais intensa e estreita, assente na reconciliação de povos irmãos".
O comunicado foi divulgado horas depois de o presidente ter voltado a defender que Portugal tem a "obrigação de pilotar, de liderar este processo", sob pena de perder a "capacidade de diálogo" com as ex-colônias.
"Não podemos meter isto debaixo do tapete ou dentro da gaveta. Temos a obrigação de pilotar, de liderar este processo. Senão vai-nos acontecer o que aconteceu a outros países que, tendo sido potências coloniais, perderam a capacidade de diálogo e entendimento com as ex-colônias e estão a ser convidados a sair, a bem ou a mal, dos países onde ainda têm alguma presença", afirmou Rebelo, na inauguração do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade, em Peniche.
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Na última quarta-feira (24), ele defendeu que Portugal assuma "total responsabilidade" pelos crimes coloniais e pague os custos desses atos.
Neste sábado, Rebelo reiterou que é preciso saber que patrimônio foi trazido das ex-colônias e esclareceu que a reparação não tem de passar necessariamente por pagamento de indenizações. O presidente deu como exemplos reparações feitas no passado, como o perdão da dívida aos países colonizados e o estatuto de mobilidade aos cidadãos dos países de língua portuguesa.
O governo Montenegro agora se posiciona contra essa intenção, o que, a julgar pelo histórico de posições dos partidos que formam a aliança governista, não era difícil de adivinhar. Quando, há quatro anos, o Parlamento discutiu uma proposta de para restituir os bens patrimoniais roubados, os sociais-democratas votaram contra.
À época, Paulo Rios de Oliveira, então coordenador do Partido Social-Democrata (PSD), o mesmo de Montenegro, posicionou-se sobre o tema. "Quantos acertos do curso da história ao longo dos séculos terão que ser feitos para todos os países que se sentirem roubados ou espoliados serem ressarcidos?", questionou, argumentando que esse processo poderia se tornar uma "espiral que não tem fim".
Pedidos do Brasil e propostas da esquerda
O partido de ultradireita Chega prometeu apresentar uma moção de censura caso o governo avançasse com algum projeto de indenização dos países colonizados. O comunicado deste sábado esfria essa parte do tema, mas o governo Montenegro terá ainda de lidar com os pedidos das ex-colônias para que Portugal dê seguimento às declarações do presidente.
A ministra da Igualdade Racial do Brasil, Anielle Franco, pediu "ações concretas" e disse estar "em contato com o governo português para dialogar sobre como pensar essas ações e [decidir] quais passos serão tomados".
Também no Parlamento, é provável que o tema volte a ser discutido ao ser pautado por partidos da oposição ao governo. Ao jornal Público, o esquerdista Livre disse que considera "apresentar propostas concretas, acompanhando o debate feito e envolvendo a academia com respeito pela história rigorosamente conhecida". E o Bloco de Esquerda, que tem propostas sobre o assunto no seu programa eleitoral, aponta que esse documento é o que "norteia a atividade do grupo parlamentar".
As propostas do Livre incluem o levantamento da origem e do histórico de circulação de bens das ex-colônias, bem como de tudo que está em posse de museus e outras instituições de Portugal para analisar sua possível restituição. O partido defende ainda uma revisão dos "currículos escolares para que não reproduzam uma versão acrítica da história de Portugal, baseada numa mitologia colonial" e a contextualização da história nos museus para que haja uma "visão crítica sobre o passado escravagista, colonial e de violências perpetradas sobre outros povos".
Já o Bloco de Esquerda propõe criar um levantamento das obras de arte não europeias em museus para "abrir o caminho para a devolução daquelas que tenham sido roubadas ou adquiridas em contextos abusivos".
O Público questionou o governo Montenegro sobre se considerava avançar com a reparação e continuar a o levantamento dos bens patrimoniais proveniente das ex-colônias, iniciado pelo governo anterior, do Partido Socialista, mas não obteve resposta. Também a Presidência não respondeu se tem em vista medidas concretas de reparação e se está articulando sua ação junto ao governo do premiê.
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