Uma França altamente polarizada elege neste domingo (7) a nova composição da Assembleia Nacional, após uma campanha tão curta quanto violenta.
Nas quatro semanas entre a dissolução do Parlamento pelo presidente Emmanuel Macron e o segundo turno realizado agora, foram 51 os candidatos ou militantes agredidos em todo o país, segundo o ministro do Interior, Gérald Darmanin.
O ministro afirmou que os ataques atingiram todos os lados do espectro político. Um dos episódios mais emblemáticos foi a agressão sofrida pela equipe da porta-voz do governo, Prisca Thevenot, quando ela fazia campanha para reeleição em Hauts-de-Seine, nos arredores de Paris.
O ex-premiê Gabriel Attal, representante do bloco governista, Jordan Bardella, líder da Reunião Nacional (RN) e Salomé Nicolas-Chavence, candidata do bloco de esquerda no distrito de Thevenot, pediram calma e apoiaram a porta-voz. Darmanin anunciou a mobilização de 30 mil policiais para este domingo.
A violência nas ruas se reflete na retórica inflamada de algumas manifestações. Exemplo disso é um videoclipe produzido por 20 rappers contrários à ultradireita que mistura críticas, insultos misóginos, teorias da conspiração e ameaças explícitas a Bardella --a produção somou mais de 2,3 milhões de visualizações em quatro dias.
O primeiro turno do pleito, que teve participação de 60% dos eleitores registrados (20 pontos percentuais a mais do que na votação anterior), colocou a RN na dianteira tanto em termos de votos totais como de representantes eleitos. O partido de ultradireita conquistou 29,25% dos votos válidos e 37 cadeiras --incluindo a da líder da sigla, Marine Le Pen.
O grande perdedor até aqui foi o Juntos, aliança governista de centro que, com 20% dos votos, só elegeu dois parlamentares no primeiro turno. Espremido pela ultradireita e por um bloco de esquerda que inclui a radical França Insubmissa (LFI), liderado por Jean-Luc Mélenchon, Macron perdeu sua estratégia inicial de absorver moderados dos dois lados do espectro político.
A vitória desses extremos --que o presidente chegou a dizer que levariam a uma "guerra civil" na França--na primeira fase da votação consagrou a polarização latente na atmosfera do país desde o início de junho, quando a ultradireita venceu com folga as eleições para o Parlamento Europeu. Esse tinha sido o gatilho, aliás, para que Macron demitisse o Congresso e antecipasse o pleito legislativo.
Essa sensação de que o que está em jogo são duas propostas de nação completamente diferentes parece ser uma das poucas concordâncias entre eleitores que falaram com a Folha na semana que antecedeu o segundo turno.
A advogada Claudia de Barros, 60, que tem dupla nacionalidade brasileira e francesa e mora há 28 anos no país, compara o cenário àquele do pleito brasileiro de 2022 entre Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL). "Eu nunca vi isso aqui. As pessoas evitam falar sobre o assunto para não ter confusão", afirma ela, que diz votar na esquerda.
O programa da RN é enfático em questões migratórias. O partido diz que pretende deportar "imigrantes delinquentes", acabar com o direito à cidadania apenas pelo nascimento -o chamado "jus soli", que no caso da França permite a filhos de pais estrangeiros conquistarem a cidadania aos 18 anos se tiverem morado ao menos 5 anos em solo francês-- e restringir o acesso de pessoas com dupla nacionalidade a certos cargos públicos, algo já previsto em alguns casos.
Um empresário de Bordeaux que não quis se identificar avalia que a sociedade francesa passa por uma situação de declínio econômico, cultural e social. Por isso, necessita de mudanças radicais --motivo pelo qual votará na direita.
A NFP, bloco canhoto que inclui o LFI, socialistas, comunistas e ecologistas, formou-se logo nos primeiros dias após a dissolução da Assembleia Nacional e tem como meta declarada barrar o avanço da ultradireita. Ele propõe, entre outros, o congelamento de preços e a revogação da reforma das aposentadorias aprovada no ano passado sob protestos maciços.
Aurelie Burtman, 33, que trabalha com direito tributário e se considera esquerdista, preocupa-se com um discurso de parte da LFI que considera antissemita e, por isso, se diz decepcionada com a inclusão do partido no bloco de esquerda. Ela, no entanto, reconhece na RN um perigo maior e votará na NFP.
"Vejo [a RN] como um perigo enorme para a França, para a democracia. Eles surfam no medo que as pessoas têm da migração, da violência e do islamismo, mas acho que o antissemitismo está no DNA político deles. Por isso não confio de jeito nenhum no seu discurso de moderação", diz ela, que é franco-israelense e vota em Seine-Saint-Denis, a leste de Paris.
No mesmo departamento vota Samy Lounes, 29, que discorda da percepção de que a LFI é antissemita e atribui essa característica à RN, "o inferno na terra", segundo ele. "São o oposto da direção em que caminha a história, o pior que pode acontecer à França", afirma.
Questionado sobre a estratégia de candidatos da esquerda moderada e do centro de desistir para que seus pares mais radicais, mais votados no primeiro turno, tenham mais chances de conter nomes da ultradireita, ele diz que isso é algo normal. "Mesmo que o governo anterior tenha promulgado leis que vão contra o que eu desejo, eu diferencio a extrema direita e Macron."
Mas ele não arrisca dizer se enxerga a NFP compondo um governo com a aliança governista de centro --no semipresidencialismo francês, a maioria parlamentar forma o gabinete de governo e indica o premiê. Bardella, da RN, já disse que descarta governar sem maioria absoluta.
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O cenário de incerteza se mistura à provável paralisia institucional com a qual um eventual governo sem maioria precisará lidar, qualquer que seja a sua inclinação ideológica, até o fim do mandato de Macron, em 2027.
São 501 cadeiras em disputa neste segundo turno, de um total de 577. Uma nova dissolução do Parlamento e outra eleição só podem ocorrer daqui a um ano.
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