O ano de 2001 chocou especialistas em educação. Um pequeno país na Escandinávia aparecia como o melhor do mundo em leitura e top 5 em matemática e ciências, com políticas contrárias ao que o senso comum sugeria.
A Finlândia tinha uma das menores jornadas escolares entre as nações desenvolvidas e se preocupava pouco com avaliações de estudantes.Dezessete anos depois, o país segue entre os melhores no Pisa, a avaliação internacional que trouxe fama ao país. Mas suas notas estão em queda. Em matemática, agora ocupa a 13ª posição; em ciência, 5º; em leitura, 4º.
O Brasil ocupa a 65ª colocação, entre 72 países.
O que levou a Finlândia ao topo, e agora seus desafios atuais, são discutidos no livro "Lições Finlandesas 2.0" (SESI-SP Editora), do educador Pasi Sahlberg.
A versão em português da obra será lançada nesta segunda (23), em São Paulo.
Sahlberg, 58, foi professor de educação básica na Finlândia, ocupou cargo no Ministério da Educação do país e hoje é professor visitante na Escola de Educação da Universidade Harvard (EUA).
O SUCESSO FINLANDÊS
O educador diz no livro que há uma conjunção de fatores que levaram a Finlândia ao topo.
Um deles foi o investimento público grande na educação básica (o Brasil investe mais no superior), com gestão descentralizada e estabilidade na política pública, mesmo quando há mudança da linha política no governo.Desde 1970, quando começou esse conceito de educação pública na Finlândia, já se passaram mais de 20 governos.
O país também foi atrás de políticas de outros países para inspirar o seu. Ele cita como exemplos modelos curriculares do Reino Unido, Califórnia e Ontário (Canadá); aprendizagem cooperativa nos EUA e Israel; e trabalho cooperativos de equipes escolares no Canadá e Países Baixos.
O terceiro ponto é a profissão do magistério. Boa remuneração aos professores, mas combinada com rigor para seleção dos novos docentes.
QUEDA E USO DE CELULAR
Sahlberg afirma que um dos motivos que levaram a Finlândia a cair nas avaliações foi justamente seu sucesso no Pisa. O país passou a ter receio de alterar e aprimorar seu sistema educacional, tão elogiado.Em entrevista à reportagem por email, Sahlberg diz também que o uso pesado de smartphones, redes sociais e de outras tecnologias tem "retirado o tempo de leitura dos jovens, de lição de casa, e afeta habilidades como concentração e persistência para aprender".
Em termos de políticas públicas, o educador afirma não ter havido nenhuma grande mudança que possa ter impactado negativamente o desempenho dos estudantes.
"Temo que seguiremos vendo mais desafios para aprendizado da leitura, matemática e ciências, a não ser que pais e escolas, juntos, consigam encontrar formas de colocar limites aos estudantes, em termos de tempo gasto em redes sociais e tecnologia, assim como os próprios pais usam seus aparelhos em casa", disse.
SUGESTÕES PARA O BRASIL
O finlandês afirma que simplesmente copiar modelos de outros países tende a não funcionar. O ideal, afirma, é se inspirar em outros sistemas e construir o seu próprio.
Ele diz que a Finlândia tem ideias "grandes e de baixo custo" que podem ajudar o Brasil.
Uma delas é o princípios de "discriminação positiva, o que significa atender melhor escolas e estudantes que precisam de mais recursos".Segundo, todas as escolas e professores devem trabalhar em espírito colaborativo e de responsabilidades compartilhadas, não em competição de um contra o outro.
Terceiro, garantir que todas as crianças no ensino infantil e fundamental tenham pausas diárias durante a jornada escolar, para que possam brincar e ter atividades físicas. "Eles ficarão engajados, saudáveis e felizes na escola."
Esses três princípios, diz ele, podem ser encontrados em todas as escolas da Finlândia.
AUTONOMIA
No livro, o educador afirma que os professores no seu país controlam a grade curricular, as avaliações estudantis, a melhora da escola e o envolvimento da comunidade.
"Espera-se que os professores na Finlândia exercitem todo o seu conhecimento profissional e seu bom julgamento de forma independente e coletiva em suas escolas."
Em entrevista à reportagem, Sahlberg pondera que esse grau de autonomia aos professores não necessariamente funciona em qualquer país.
"Esse sistema no Brasil iria requerer ainda mais supervisão externa, guias e apoio do que na Finlândia, onde todos os professores têm formação acadêmica de alto nível."
Além disso, ele afirma que essa autonomia não significa que o professor possa fazer o que quiser na escola.
"Na Finlândia e em outros sistemas educacionais, liberdade profissional aos professores é chamada de autonomia coletiva, que significa que professores têm mais autonomia em relação a autoridades e à burocracia, mas ao mesmo tempo eles têm menos autonomia entre eles." Ou seja, as decisões são tomadas dentro de grupos de professores e nas escolas, não individualmente.
BASE CURRICULAR
Uma das apostas no Brasil para melhorar a qualidade de ensino é documento que serve de base para todos os currículos do país, das redes pública e particular, a chamada Base Nacional Comum Curricular.
Segundo o finlandês, a política pode funcionar se houver flexibilidade para que professores possam adaptar o modelo às suas realidades."Com os consideráveis desafios em relação ao ensino no Brasil, um certo nível de unidade curricular é necessária."
(Folhapress)
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