Dez das construtoras que trabalharam para o programa Asfalto na Cidade estão temporariamente impedidas de participar de licitações do Governo Estadual. Elas foram suspensas de licitações até a conclusão do Processo Administrativo de Responsabilidade (PAR), aberto pela Auditoria Geral do Estado (AGE) para apurar possíveis irregularidades no programa. Juntas, as 10 empresas receberam mais de R$ 543 milhões, em valores da época, da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas (Sedop), o órgão responsável pela execução do Asfalto na Cidade, para serviços de pavimentação em vários municípios, entre 2012 e 2018. A portaria de suspensão das empresas foi publicada nos diários oficiais do Estado de 27 e 28 deste mês.
Segundo o Auditoria Geral do Estado (AGE), a suspensão é necessária “diante do fundado receio” de maiores prejuízos aos cofres públicos. Em uma investigação preliminar, realizada neste ano e que levou à abertura do PAR, constatou diversos indícios de irregularidades nos contratos dessas empresas, entre os quais a falta de documentos e a inexecução ou má qualidade dos serviços. Também há suspeitas de que alguns dos pagamentos que elas receberam não foram contabilizados no SIAFEM, o sistema de administração financeira de estados e municípios, que registra todos os gastos do Governo.
O Asfalto na Cidade é um dos maiores escândalos do Pará. Há suspeitas de superfaturamento, propina, caixa 2, obras de má qualidade, inacabadas ou até “fantasmas” e, sobretudo, uso eleitoreiro do programa, em favor do candidato do então governador Simão Jatene, ao Governo do Estado, nas eleições de outubro: o ex-deputado estadual e ex-presidente da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), Márcio Miranda. No ano passado, o Asfalto na Cidade consumiu R$ 369 milhões, ou mais do que tudo o que gastou nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, somados, na maior farra de asfalto registrada em um ano eleitoral. Oitenta e um por cento desses recursos foram torrados a partir de 5 de julho, já durante o período eleitoral. A montanha de dinheiro e as denúncias de irregularidades acabaram gerando a abertura de investigações em várias instituições. Uma dessas frentes investigativas foi aberta, no final de janeiro, pela AGE, que é o principal órgão de fiscalização do Governo.
Técnicos ouviram dezenas de depoimentos, realizaram inspeções em diversos municípios e registraram boletins de ocorrência em delegacias policiais. Ainda em janeiro, a AGE suspendeu o programa, devido às suspeitas de irregularidades. Mas, nas visitas aos municípios, os técnicos descobriram que, em várias cidades, as obras já haviam sido suspensas no ano passado, algumas vezes logo após o resultado das eleições, com a derrota de Miranda e a vitória de Helder Barbalho, do MDB.
Alguns prefeitos e secretários municipais ouvidos pelos técnicos também confirmaram o que já se desconfiava: em muitas cidades, os serviços foram realizados sem qualquer fiscalização da SEDOP, além de ficarem muito abaixo das quantidades previstas. Em São Domingos do Capim, o diretor de Obras da prefeitura informou que dos 4 km de pavimentação prometidos pelo então governador, a construtora Leal Junior executou apenas 650 metros. Segundo ele, as obras ficaram inacabadas porque a empresa “saiu do município quando o pessoal perdeu a eleição, antes mesmo de acabar o segundo turno”.
Em Tucuruí, no bairro Palmares, as obras também foram abandonadas, no final do ano passado, pela Leal Junior. A terraplenagem, que estava a cargo da Prefeitura, foi executada em praticamente todas as vias, mas o asfalto prometido pelo governo não saiu do papel. Em Água Azul do Norte, segundo o prefeito Renan Lopes Souto, a construtora JM paralisou as obras ainda no ano passado, após executar apenas 3 dos 5 km de pavimentação prometidos pelo governo. Em Parauapebas, diz o prefeito Darci Lermen, a previsão era de 10 km de asfalto, mas a JM paralisou as obras no ano passado, depois de executar apenas 3 km.
Farra do asfalto pode levar à inelegibilidade e até à prisão
As supostas irregularidades no Asfalto na Cidade começaram a ser investigadas ainda no ano passado, pela Justiça Eleitoral e Ministério Público Estadual (MPPA). Em janeiro deste ano, na Ação que tramita na Justiça Eleitoral, a procuradora regional eleitoral Nayana Fadul pediu a condenação à inelegibilidade, por oito anos, de Simão Jatene, Márcio Miranda, Pedro Abílio do Carmo (ex-secretário da SEDOP), e Izabela Jatene, filha do ex-governador e ex-titular da Secretaria Extraordinária de Municípios Sustentáveis (SEMSU). A acusação é de abuso de poder político e econômico nas eleições.
Nas investigações há fotos e vídeos mostrando a participação de Márcio Miranda em comitivas do Governo. Em alguns deles, Márcio e Izabela até “assinaram” convênios e ordens de serviço do Asfalto na Cidade, embora não possuíssem poderes para isso. Além disso, em uma busca nos diários oficiais e no portal da Transparência, o MP-PA não localizou qualquer convênio entre a SEMSU e municípios paraenses.
A possível utilização de recursos públicos em campanha política pode ser enquadrada ainda como improbidade administrativa, ilegalidade punível também nas esferas civil e criminal, com penas que podem levar à devolução de dinheiro ao erário e até à prisão. Daí a abertura de uma investigação pela AGE. E daí, também, o pedido do Ministério Público de Contas (MPC), a partir de uma denúncia da AGE, para que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) fiscalize o programa, devido aos “fortes indícios” de violação legal e de possível dano ao erário.
No último 3 de abril, a AGE encaminhou ao MP-PA e à Polícia Civil uma Representação solicitando que as irregularidades sejam investigadas e os responsáveis punidos. Segundo o órgão, há provas de um “esquema criminoso” que operou na SEDOP, nos últimos 8 anos, que pode até levar à prisão dos envolvidos.
Flagra
O leque de crimes abrangeria corrupção ativa e passiva, prevaricação, falsidade ideológica, uso de documento falso e organização criminosa. As prisões seriam necessárias para evitar a destruição de provas, já que os envolvidos continuariam a manter contato e as empresas Leal Junior, Rodoplan e JM estariam tentando concluir as obras que foram pagas antecipadamente e que deixaram inacabadas. Em 13 de abril, uma equipe de fiscalização da AGE flagrou a Leal Junior executando obras em Itupiranga, apesar de o programa estar suspenso.
Valores gastos
Confira os gastos do Asfalto na Cidade. Os valores, extraídos do SIAFEM, o sistema de administração financeira de estados e municípios, foram atualizados pelo DIÁRIO com base no IPCA-E de dezembro:
2012: R$ 73.851.353,51
2013: R$ 101.908.178,37
2014: R$ 88.360.022,73
2015: R$ 67.106.749,35
2016: R$ 75.344.358,88
2017: R$ 68.051.596,59
2018: R$ 369.118.021,97
Total de gastos do programa:
R$ 843.740.281,40
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