Em dezembro do ano passado, o auditor fiscal Nilo Noronha, então secretário da Fazenda do governo de Simão Jatene, recebia um salário líquido de R$ 18.517,18 por mês, ou R$ 240.723,34 por ano, já com o 13º. Isso significa que ele teria de trabalhar mais de 90 anos, sem gastar um centavo, para acumular o patrimônio de cerca de R$ 22 milhões, segundo denúncia feita à Auditoria Geral do Estado (AGE), que divulgou esta semana a abertura de uma investigação para apurar o caso. O ex-secretário ficou célebre pela história do “dinheirinho”, com a filha do ex-governador.
Pior: há indícios de que esses R$ 22 milhões, se comprovados, seriam apenas a ponta de um iceberg. Na relação entregue à AGE, ainda faltariam empresas registradas em nomes de terceiros, além de imóveis, pelo menos um deles adquirido por R$ 5,5 milhões. O caso pode ser até de crime federal, já que ele teria avaliado seus bens em menos de R$ 3 milhões, nas declarações de imposto de renda.
A lista de bens de Nilo Noronha foi publicada pela AGE, no Diário Oficial do último dia 19. Principal órgão de fiscalização do Governo, ela abriu uma auditoria especial para investigar possíveis irregularidades cometidas por ele, ao longo destes 26 anos em que trabalha na Secretaria Estadual da Fazenda (Sefa). Mas a ênfase, é claro, será nos três anos em que ele comandou aquela secretaria, que é responsável por toda a fiscalização tributária do Governo, o que envolve bilhões.
Entre 2015 e 2018, Nilo foi, como se diz, o homem que possuía a “chave do cofre”, com participação decisiva, inclusive, para a concessão de benefícios fiscais. As investigações sobre a sua fortuna começaram depois que a AGE recebeu em envelope anônimo, com documentos indicativos de uma “aparente evolução patrimonial injustificada”. Após uma apuração preliminar, veio a abertura da auditoria especial, devido os indícios de irregularidades constatados. Um desses indícios seria justamente o fato de que a suposta fortuna do ex-secretário seria incompatível com os seus ganhos na Sefa e com as suas declarações de imposto de renda. Nilo começou a trabalhar na Sefa em 17/11/1993, aos 30 anos, como fiscal de tributos. Já era casado e pai de dois filhos pequenos. Só a partir de outubro de 2002, ou seja, no primeiro Governo de Jatene, é que passou a ocupar cargos comissionados, que garantem melhor remuneração.
Cargos
Entre 2002 e 2006, e depois entre 2011 e o ano passado, foi delegado regional da Fazenda, diretor de Fiscalização, secretário adjunto, subsecretário de Administração Tributária e, finalmente, secretário de Estado. O problema é que mesmo no auge da carreira, seu salário líquido nunca chegou nem a R$ 20 mil. Em dezembro do ano passado, diz o portal da Transparência, a remuneração base de Nilo foi de R$ 60.495,48. Mas o redutor constitucional garfou R$ 31.417,00; o imposto de renda e a Previdência levaram R$ 8.203,69, e outros descontos mais R$ 3.374,29. Assim, apesar de penduricalhos adicionais, ele recebeu R$ 18.517,18 limpos.
No último mês de agosto, Nilo Noronha teve uma remuneração base de R$ 40.061,09, como auditor fiscal de Receitas Estaduais – C. Mas recebeu líquidos R$ 19.507,38. Ou um “dinheirinho” que teria de guardar todos os meses, sem gastar nada, durante mais de 86 anos, para acumular um patrimônio de R$ 22 milhões. “De 2002 pra cá, a média salarial dele foi de R$ 17 mil líquidos”, disse ao DIÁRIO uma fonte da AGE, que pediu para não se identificar. “Antes, o salário dele era bem menor. Só melhorou mesmo depois que passou a ocupar cargos de confiança”.
Patrimônio
Ainda segundo a fonte, o envelope deixado na portaria da AGE contém cópias de certidões de registro de imóveis, extratos bancários, declarações de imposto de renda, registros de compra de gado e até de cavalos de raça. Pelo menos um desses documentos (uma certidão cartorária) mostra a aquisição de um imóvel que não apareceria nem nas declarações de imposto de renda do ex-secretário, nem no processo de divórcio que ajuizou neste ano.
O terreno, de 5 hectares, com galpão e escritório, no município de Santa Izabel do Pará, foi adquirido por R$ 5,5 milhões, pela Agropecuária Estrela de David Ltda. Segundo o site da Receita Federal, a empresa, que tem um capital social de R$ 100 mil, está em nome de Nilo e do filho dele, Nilo Junior. Ela foi aberta em 2004 e o ex-secretário é sócio dela desde pelo menos abril de 2008.
A Agropecuária Estrela de David Ltda tem como nome de fantasia “Fazenda Estrela de David”. É esse o imóvel mais valioso da lista de bens de Nilo Noronha, divulgada pela AGE. A fazenda, que fica no município de Castanhal, valeria R$ 8,5 milhões. Mas há na lista, também, R$ 843 mil em cabeças de gado (seriam 643 reses), casas no luxuoso condomínio Green Ville e na Senador Lemos, em Belém (essa última avaliada em R$ 3 milhões); apartamentos nos edifícios Uranus Garden, Biarritz e Ibiza, entre outros.
A estimativa dessa listagem de R$ 22 milhões, diz uma fonte ouvida pelo DIÁRIO, é quase idêntica a que foi apresentada pelo próprio Nilo Noronha, para a partilha de seu patrimônio, no processo de divórcio que tramita na 3ª Vara da Família de Belém. No entanto, esse valor estaria muito diferente do que ele teria declarado à Receita Federal, neste ano: menos de R$ 3 milhões. O mais estranho, segundo a fonte, é que essa declaração dele à Receita só teria atingido esses R$ 3 milhões porque vários dos bens que eram declarados como transferidos para a ex-mulher e os filhos retornaram à propriedade dele, em 2018. No ano anterior (2017), o patrimônio informado à Receita não teria chegado a R$ 450 mil.
Há pelo menos oito firmas, que incluíam até posto de gasolina, que comercializavam de veículos a roupas e alimentos, e que podem ser localizadas no Google. Delas, permanecem ativas, segundo a Receita, apenas 3: além da Agropecuária Estrela de David, a Central Rural Comércio de Produtos Agropecuários, que funciona em Castanhal e está em nome do filho do ex-secretário; e a Laura M.B. de Noronha, uma franquia de uma marca de roupas e acessórios femininos, em um shopping center de Belém, que está em nome da ex-mulher dele.
O caso do “dinheirinho”
Nilo Noronha é o mesmo que foi flagrado pela polícia em um diálogo pra lá de comprometedor com Izabela Jatene, filha do então governador Simão Jatene. Na conversa telefônica, ela pedia a Nilo, então subsecretário da Sefa, a lista das 300 maiores empresas estaduais, para “começar a buscar esse dinheirinho deles”. O fato ocorreu em 2011 e o telefonema foi grampeado por acaso: a polícia investigava o sequestro de um empresário e um dos integrantes da quadrilha era gerente da fazenda de Nilo, em Castanhal. E como todos os telefones para os quais os sequestradores ligavam acabavam também grampeados, o aparelho de Nilo acabou também caindo na rede.
A divulgação do caso pelo DIÁRIO em 2014 provocou enorme escândalo e até hoje rende: um promotor de Justiça tentou arquivá-lo, mas, agora em setembro, o deputado federal Edmilson Rodrigues (PSOL) encaminhou uma Representação ao MP-PA contra o arquivamento. Segundo ele, nas mais de 700 páginas da investigação existem “indícios caracterizadores de conduta, em tese, ímproba”, o que já é suficiente para uma ação civil pública.
Telefonema
O telefonema de Izabela para Nilo também revelou alguma intimidade entre eles, que até riram e brincaram sobre a gripe do marido dela, Ricardo. E mostrou, ainda, a prontidão dele em atender ao pedido de Izabela, como se fosse a coisa mais natural do mundo. No entanto, até hoje não se sabe exatamente para que, afinal, ela queria aquele “dinheirinho”, embora, para muitos, a frase seja autoexplicativa. Na época do escândalo, Izabela jurou que era para o Propaz, que então coordenava. E o fato é que, em maio de 2015, quando Nilo ascendeu ao cargo de secretário da Fazenda, os bastidores políticos ferveram com a certeza de que teria sido ela a conseguir aquela nomeação, junto ao pai governador.
Gravação - Relembre o principal trecho
Nilo: Oi, Izabela
Izabela: Oi, Nilo. Tudo bom, meu irmão? Pode falar rapidinho?
Nilo: Posso. (...)
Izabela: (...) Nilo, tu consegue pra mim a lista das trezentas maiores empresas do Estado?
Nilo: Consigo.
Izabela: Consegue? Tu manda pro meu e-mail?
Nilo: Mando sim.
Izabela: Vamos começar a buscar esse dinheirinho deles, certo...
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