No lugar de paetês, plásticos ou penas artificiais, o que compõe a fantasia dos brincantes que se dirigem a Curuçá não poderia ser mais natural. Ainda na concentração do bloco Pretinhos do Mangue, que toma as ruas do município no domingo e na terça-feira de Carnaval, o principal adereço da folia é encontrado em abundância, sendo necessário apenas descer a ladeira até o mangue. A tradição, que faz a programação do município já ser conhecida como o carnaval ecológico do Pará, completa 31 anos em 2020 e continua chamando a atenção para a necessidade de preservação do meio ambiente.
Quando tudo teve início, ainda em 1989, o número de brincantes que estrearam o ‘abadá’ formado pelo barro do mangue não passava de duas pessoas. Sem fantasia para curtir o Carnaval no município, dois amigos decidiram ir até um mangue de Curuçá para catar alguns caranguejos para compor um tira-gosto.
De lá, acabaram saindo com o corpo coberto de barro e com galhos na cabeça. “Há 31 anos atrás, o Pretinhos do Mangue surgiu como uma brincadeira de dois amigos. Ao ir no mangue eles sentiram que o caranguejo estava em falta, principalmente no mangue próximo à casa deles”, conta o coordenador do bloco, Edmilson Campos dos Santos. “Eles passaram barro no corpo e colocaram galhos do mangue na cabeça para chamar a atenção para a necessidade de preservar o mangue”.
À medida em que os amigos saíram em caminhada pelas ruas do município, os demais moradores passaram a observar, inicialmente, sem entender. Já no ano seguinte, mais duas pessoas se uniram ao grupo que, a partir de então, só fez crescer. Em 2020, a expectativa da organização do bloco já chega à participação de 20 mil brincantes. “A cada ano o bloco foi aumentando e as pessoas começaram a chamar de ‘Pretinhos do Mangue’, ‘Bloco da Lama’, ‘Bloco do Caranguejo’, ‘Meninos do Mangue’...”, lembra. “Em 2000 resolvemos batizar o bloco de ‘Pretinhos do Mangue’, que era o nome que a comunidade mais usava devido a cor do barro. Foi quando surgiu a ideia, também, de criar o nosso mascote, que é o caranguejo”.
Em meio à organização da comunidade, o bloco do interior paraense começou a chamar a atenção do resto do país e a atrair turistas não apenas de outros estados brasileiros, mas também estrangeiros. Mais do que uma opção diferente para curtir a tradicional festa do Carnaval, o bloco também diz muito sobre a cultura alimentar, o modo de vida e sobre a própria economia do município de Curuçá.
MANGUE
“No bairro Alto tem um grupo de marisqueiras que sempre participa do Pretinhos do Mangue. Quando seca a maré, tem uma parte do mangue que fica com água e areia”, conta. “Dali as marisqueiras tiram o sururu, o mexilhão, o sarnambi (pequeno marisco) e algumas também pegam o camarão. Essa área é chamada de Mãe Grande porque quando bate a fome e a necessidade, o mangue oferece toda essa alimentação e também um ganho de vida”.
Além das marisqueiras, o coordenador do bloco Pretinhos do Mangue também destaca o cuidado dos pescadores de Curuçá com o mangue. Daí a relação tão próxima do município com esse ecossistema tão rico e que é o principal personagem do Carnaval. “Essa é uma preocupação da gente e, com isso, o Pretinhos do Mangue acabou se tornando uma referência no Pará e no Brasil, as pessoas procuram pelo abadá diferente”, considera.
“É um carnaval em que a família brinca à vontade e todos os anos procuramos levar a mensagem ambiental para a avenida. Aproveitando esse momento de folia e festa, buscamos falar da importância do nosso ecossistema, do meio ambiente e, principalmente, do nosso mangue”.
É esse clima de confraternização e festa que atrai o soldador Wagner Monteiro Modesto, 33 anos, a voltar a Curuçá todos os anos para curtir o Carnaval. Criado no município desde o nascimento até os 18 anos, Wagner acompanhou de perto o crescimento do Pretinhos do Mangue e, mesmo morando em Belém, faz questão de passar o Carnaval em Curuçá todos os anos. “A melhor parte do Carnaval de Curuçá é essa, poder brincar o Carnaval e andar nas ruas do município feliz, seguro, vivendo realmente essa emoção que o Carnaval proporciona para o folião”, acredita. “O Porto Pretinhos do Mangue (que dá acesso ao mangue onde os foliões se sujam de barro) fica bem ao lado da casa da minha avó. Quando chega no domingo é uma coisa sem comparação, deixa a gente arrepiado ver aquele porto lotado de gente”.
Wagner conta que faz questão de levar, a cada ano, novas pessoas para o Carnaval de Curuçá. “O povo de Curuçá é carismático, sabe receber os turistas que chegam, então todas as pessoas que eu levo voltam de lá com aquele sentimento de ‘quero mais’”, afirma. “Já houve ano em que dormiram mais de 40 pessoas na casa da minha mãe para poder curtir o nosso Carnaval, que é ecológico e diferente de todo o Brasil”.
Seja sempre o primeiro a ficar bem informado, entre no nosso canal de notícias no WhatsApp e Telegram. Para mais informações sobre os canais do WhatsApp e seguir outros canais do DOL. Acesse: dol.com.br/n/828815.
Comentar