As promoções lançadas pelos aplicativos de entrega de comida chegam a oferecer opções de almoço a partir de R$10 ou pratos com desconto de até 70%, ambos com entrega grátis. Anunciadas em lugar de destaque nas páginas de aplicativos, as ofertas chamam a atenção dos consumidores. Porém, as promoções com preços muito abaixo do praticado têm levado lanchonetes e restaurantes a amargar prejuízos.

Quando decidiu integrar a lista de restaurantes inscritos em uma plataforma de entrega por aplicativo, o sócio-proprietário do Frangão da Duque, João Carlos, 48, tinha a expectativa de que a tecnologia aliada à propaganda ajudasse a alavancar o negócio. De início, a adesão gerou um bom aumento nas vendas, porém, com o tempo, a empresa passou a perceber o efeito das taxas que incidem sobre a disponibilização do serviço.

“Se, por exemplo, você vende uma refeição a R$12 e adere à promoção de tudo por R$1, o iFood só repõe R$8 e ainda tem a taxa de 12% sobre o total da entrega. Se o pagamento é feito on-line, pelo próprio aplicativo deles, ainda tem uma taxa de 15%”, afirma. “Essa promoção de R$1 é complicada também por outra questão. Em 60 minutos eu cheguei a receber 60 entregas de R$1. Além de não ter retorno financeiro você ainda corre o risco de perder o cliente porque não tem como dar vazão a um volume desse”, exemplifica.

O baixo retorno financeiro gerado por tais promoções abaixo do valor de mercado também tem gerado preocupação em Jack Cavalcante, 49, proprietária da Arrozteria Expresso, apesar de ela não pensar em deixar o aplicativo. No plano escolhido para participar, o que inclui o serviço de entrega por responsabilidade do aplicativo, Jack paga uma taxa de 27% sobre o valor de cada pedido recebido ao iFood, além de uma mensalidade de R$130. “Com essas taxas, é praticamente como se eles fossem meus sócios”, compara. “A taxa é realmente muito alta”.

Com relação às promoções, Jack ainda levanta outra situação. Todas as promoções são acordadas entre o aplicativo de entrega e o restaurante, porém, os efeitos da não aceitação das propostas de desconto acabam fazendo com que os empreendimentos sejam invisibilizados dentro da plataforma. “Se você não aderir à promoção, não é visto. O seu restaurante não fica entre os primeiros que aparecem no aplicativo e as pessoas acabam não chegando até ele”, explica.

SISTEMA

Partir para um sistema próprio de entrega foi a estratégia adotada pelo proprietário da Beach Burger, Marcos Silva, 39. Logo que criou a hamburgueria, conta que aderiu à plataforma com o anseio de que o aplicativo possibilitasse o crescimento do negócio. Após três meses, porém, ele percebeu que o prejuízo causado poderia até lhe levar a perder o empreendimento. “Se eu não tivesse um capital de giro, teria fechado a hamburgueria”, afirma. “A taxa é muito alta”, diz.

Marcos Silva desistiu da plataforma e criou um sistema próprio de entrega
📷 Marcos Silva desistiu da plataforma e criou um sistema próprio de entrega |Mauro Ângelo

Além da taxa cobrada em cima de cada pedido atendido, Marcos aponta que tinha que pagar outra taxa geral, que incidia sobre o total das vendas obtidas no mês. Além de mais uma taxa sobre as vendas pagas pelos clientes de forma on-line, pelo próprio aplicativo do iFood. “Com tanta taxa assim eles acabavam ficando com quase 50% do valor do lanche”, estima.

Outra medida decisiva para que Marcos abandonasse a plataforma foi a não possibilidade do restaurante manter contato direto com o cliente. Segundo ele, por regra do aplicativo, o restaurante não poderia informar um número de telefone em anúncio, panfleto ou em suas páginas nas redes sociais, já que a indicação deveria ser de que os pedidos seriam feitos pelo iFood.

“Depois de três meses eu percebi o que era de verdade e saí. Eu criei um número de WhatsApp empresarial e comecei a divulgar para que eu mesmo fizesse as entregas”, conta. “Com isso já estou há um ano com a hamburgueria e até consegui começar a minha faculdade de administração. Se eu tivesse continuado, com certeza estaria com prejuízo”.

Proprietário do Dom Valentim Café, Clodoaldo Cordeiro conta que também resistiu em aderir às plataformas de delivery por aplicativo. A conjuntura do mercado, porém, fez com que ele tivesse que acabar cedendo, aderindo ao aplicativo Uber Eats. “Atualmente, não temos muita alternativa porque os clientes cada vez mais procuram a segurança e a comodidade de receber os pedidos em casa. Então o mercado tende para esses serviços”, avalia. “Eu persisti por muito tempo, mas não tive alternativa”.

Logo que iniciou a atuar também por meio do aplicativo de entregas, Clodoaldo conta que as vendas pela plataforma representavam 15% do faturamento total do café. Hoje, esse percentual já chega a 40%. Diante dessa realidade, ele aponta que é difícil se manter de fora desses sistemas, mas reclama das taxas. “As taxas são elevadíssimas”.

Sem adesão

Arlem Porto, gerente do Cantina Paraoara, ao consultar as taxas do app resolveu não aderir
📷 Arlem Porto, gerente do Cantina Paraoara, ao consultar as taxas do app resolveu não aderir |Mauro Ângelo

A possibilidade de ter prejuízo, ao invés de impulsionamento do negócio, fez o Cantina Paraoara não aderir a nenhum aplicativo de entrega. Gerente do restaurante, Arlem Porto conta que o serviço chegou a ser oferecido, porém, ao consultar as taxas praticadas, eles optaram por não aderir ao plano. “Não colocamos exatamente por conta das taxas muito altas. Eles entraram em contato e fomos verificar a proposta, mas pensamos duas vezes”, conta. “Com as taxas e promoções que eles oferecem, para que não tivéssemos prejuízo, teríamos que aumentar o valor do produto e não queríamos ter que fazer isso”.

Outra preocupação considerada pelo restaurante está relacionada à responsabilidade com relação aos entregadores que efetivamente fariam a ponte entre o restaurante e o cliente. “Tem toda uma logística envolvida que nos gerou certa preocupação, a responsabilidade que tem que ter com o entregador que vai até o cliente. A princípio nós também teríamos que aumentar a nossa mão de obra porque alguém teria que ficar responsável por receber esses pedidos”, considera. “Nesse momento a gente avaliou que não seria interessante e resolvemos não aderir”.

Respostas

- O iFood afirmou que “em média, os parceiros apresentam 50% de crescimento nos primeiros seis meses da plataforma”. Sobre as reclamações ouvidas pelo DIÁRIO, a nota aponta que “os restaurantes determinam a estratégia de preços do seu cardápio e a participação em promoções opcionais e acordadas entre as duas partes” que “os preços do cardápio são configurados pelos próprios estabelecimentos e também há possibilidade de escolher entre os planos existentes para a prestação do serviço e há negociações customizadas entre as partes”.

O iFood afirma que “se compromete a analisar caso a caso para tomar as medidas cabíveis, dando as devolutivas por meio de seus canais oficiais”. Com relação à ordem de disponibilização dos restaurantes, a nota diz que o app busca personalizar cada vez mais a experiência do consumidor utilizando Inteligência Artificial. “Por isso, há variação nas listas de restaurantes dos usuários, que leva em consideração a localização do consumidor e das preferências de cada um por um determinado tipo de culinária”.

Já no que se refere as reclamações dos usuários quanto à disponibilização do contato direto entre o cliente e o restaurante, a nota afirma que “os dados e a privacidade dos usuários são prioridade para o iFood e, por isso, há um time multidisciplinar dedicado ao tema para garantir que a empresa siga atuando de acordo com políticas de privacidade de dados alinhadas com normas nacionais e internacionais”.

- Já o Uber Eats diz que conta com suporte 24 h, 7 dias por semana, para usuários, entregadores parceiros e restaurantes. “Nosso grande diferencial é a nossa logística e nossa grande base de usuários”, diz, acrescentando que “ buscamos criar cada vez mais confiança com os parceiros, concentrando-nos em como podemos agregar valor aos negócios deles. O restaurante que contrata o Uber Eats não precisa mais se preocupar com o controle dos horários dos motoboys, com o acompanhamento das rotas, por exemplo”.

Como funcionam os principais apps de entrega de comida?

📷 iFood é uma das plataformas de entregas |Mauro Ângelo

- Food

Para os restaurantes - Plano Básico

*O próprio restaurante faz a entrega

*Taxa de 12% sobre o valor de cada pedido, incluindo taxa de entrega

*Pedidos com pagamento pelo app sofrem desconto de 3,5% referente à taxa de transação cobrada pelos cartões. Os valores dos pedidos com pagamento pelo app são repassados ao restaurante via transferência bancária em até 30 dias.

*Mensalidade de R$100

Plano ‘Entrega’

*O IFood faz a entrega

*Taxa de 27% sobre o valor de cada pedido

*Mensalidade de R$130

Para o consumidor

*É preciso informar o CEP

*Escolher o restaurante dentre os disponíveis no aplicativo

*Selecionar os itens desejados

*Fazer cadastro ou efetuar login

*Ver forma de pagamento

*Aguardar a entrega do pedido.

Fonte: IFood.

- Uber Eats

Para os restaurantes

*O preço do Uber Eats tem dois componentes: A taxa de ativação única cobre um kit de boas-vindas, tablet, software de restaurante e sessão de fotos profissionais. Já a taxa de serviço é uma porcentagem de cada pedido do restaurante feito pelo Uber Eats. Mais informações sobre os valores das taxas só são disponibilizadas mediante pré-cadastro do restaurante e contato com a plataforma.

*A plataforma disponibiliza o serviço de entrega por carro, moto, scooter, bicicleta ou a pé através de entregadores autônomos cadastrados no aplicativo. Porém, há a opção de o restaurante manter uma equipe própria de entregas.

Para o consumidor

*Ao abrir o App é possível navegar pelo menu ou pesquisar por restaurante ou por culinária. Ao encontrar o item de interesse, deve-se adicioná-lo ao carrinho

*Ao finalizar o pedido, o consumidor é informado sobre o endereço, o horário estimado da entrega e o preço com a taxa de entrega incluída. Se os dados estiverem corretos, deve-se finalizar o pedido e o valor será debitado do cartão adicionado à conta

*É só aguardar a entrega do pedido pelo entregador.

Fonte: Uber Eats

- Rappi

Para o restaurante

*O restaurante pode manter a estrutura de delivery já existente

*O próprio restaurante ajusta o tempo de entrega, a disponibilidade dos produtos

*Não há mensalidade

*10% de comissão

Para o consumidor

*Após realização de cadastro, deve-se escolher o serviço (que no caso deste aplicativo vai além da entrega de comida), adicionar o produto desejado ao carrinho, definir o local de entrega e fazer o pagamento a partir das opções disponíveis

*Um dos entregadores cadastrados aceita o pedido, se desloca até o local de recolha e, depois, ao de entrega.

Fonte: Rappi Brasil.

Abrasel defende busca por um consenso

A adoção de taxas muito elevadas e de pouca transparência no contato entre o produtor do alimento e o consumidor tem sido acompanhada, a nível nacional, pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), que defende a busca por um consenso que possa resultar em um cenário benéfico para todos os envolvidos.

Presidente da Abrasel no Pará, Rosane Oliveira entende que a utilização de aplicativos de entregas é uma realidade crescente e que garante certa liberdade ao consumidor. Por isso, ela aponta a necessidade de haver uma negociação justa a respeito das taxas cobradas. “No início esse serviço começou com um percentual muito elevado, em um cenário em que não existia nível de concorrência. Com isso, o empreendedor que tinha interesse em entrar na plataforma acabava se sujeitando a percentuais quase que impraticáveis”, contextualiza. “Hoje, com a entrada de novas plataformas, foi observada a necessidade de se começar a ajustar algumas taxas”.

A presidente aponta que alguns municípios vêm estudando a possibilidade de criação de leis que regulamentem algumas questões junto aos aplicativos de delivery. “É importante que haja uma partilha de conversas para que seja compensatório para ambas as partes, para que não haja ônus para o estabelecimento”, considera.

Entre as medidas defendidas pela Abrasel está o maior controle das licenças obrigatórias para que bares, lanchonetes e restaurantes atuem na área. “A Abrasel defende que as plataformas sejam obrigadas a cobrar dos fornecedores cadastrados tudo o que um espaço físico é obrigado a ter, como alvarás, licenças do Governo e da vigilância sanitária”, aponta Rosane. “Tudo isso é importante para que não haja concorrência desleal em cima do preço e da demanda”.

INFORMAÇÕES

Com relação à necessidade de maior transparência das informações de contato entre o fornecedor do produto (restaurantes, bares e lanchonetes) e o consumidor final por parte dos aplicativos de entrega, Rosane explica que os efeitos passam pela possibilidade de constante melhoria nos serviços prestados.

“Essa restrição do contato entre o consumidor e o fornecedor impossibilita que o restaurante possa ter acesso a informações que são muito importantes até para a melhora na sua qualificação”, aponta. “São informações que possibilitam o restaurante saber como o produto chegou após sair do local onde foi produzido”.

Atualmente, a forma mais utilizada de retorno de tais informações é a pontuação do restaurante através do número de estrelas dadas pelo consumidor. Porém, a presidente da Abrasel defende que tal modelo não atende a todas as necessidades de informações por parte dos fornecedores do produto.

Promoções lançadas por aplicativos com preços muito abaixo do praticado têm levado lanchonetes e restaurantes a amargar prejuízos, segundo proprietários, que reclamam ainda do valor das taxas cobradas pelos Apps Foto: Mauro Ângelo

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