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DESCASO

Pacientes sofrem com o caos nas emergências de Belém

O DIÁRIO percorreu algumas UPAs e o PSM do Guamá, em Belém, e se deparou com um cenário de caos. Pacientes sem atendimento, falta de médicos, unidade fechada e denúncia de que uma mulher morreu após ser liberada

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Imagem ilustrativa da notícia Pacientes sofrem com o caos nas emergências de Belém camera Muita gente também procurou a UPA da Marambaia. | Mauro Ângelo

As Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) parecem funcionar apenas no nome. Na prática, quem mais precisa desses postos tem sentido na pele a falta de estrutura. Por todo o domingo, dezenas de pessoas com suspeita de Covid-19 e outras doenças tentavam auxílio médico, mas ou não conseguiam atendimento, demoravam horas por uma consulta ou eram encaminhados para outras unidades por falta de profissionais.

O retrato calamitoso pôde ser visto na UPA de Icoaraci. Por volta das 14 horas de ontem, muitos carros chegavam na unidade, mas os condutores eram advertidos, desde a portaria, de que ali não havia atendimento. Um funcionário conversou com a reportagem e confirmou que desde sábado não havia médico. “Estamos orientando todos eles que procurem a UPA da Marambaia”, disse.

Como resultado, a Unidade do referido bairro estava lotada. Do lado de fora, muita gente apreensiva, haja vista que apenas os pacientes com sintomas podiam entrar no prédio. É o caso do serralheiro Adenilson Miranda, que foi acompanhar o pai que estava com os sintomas de Covid-19. Após cerca de quatro horas, ele recebeu a notícia de que o pai não tinha a doença, mas ainda não havia sido liberado.

Adenilson Miranda
📷 Adenilson Miranda |Mauro Ângelo

O trabalhador da construção civil Gabriel Siqueira temia pela situação da mãe. Segundo ele, uma espécie de triagem estava sendo feita na porta da Unidade. A mãe dele, por sorte, ele diz, foi atendida. “Quem está com sintoma grave entra, mas quem tem sintoma leve volta”, enfatiza. “Só tem um médico aí, então, as pessoas estão aqui muitas horas à espera de um atendimento”, lamenta.

Gabriel Siqueira
📷 Gabriel Siqueira |Mauro Ângelo

O mais grave, segundo o acompanhante, é o descaso da direção da unidade com os pacientes que chegam. “Quando você vai em Icoaraci, eles mandam para a Sacramenta, que está fechada. De lá eles mandam para cá. Isso não está certo. Estão brincando com as pessoas, agindo de má-fé”, reclama. Alguns quilômetros dali, na UPA da avenida Doutor Freitas, mais descaso e reclamação.

Do lado de fora, várias pessoas entregavam que o prédio estava trancado, contrapondo um funcionário, que disse estar acontecendo uma limpeza no prédio. A família do paciente Denis Bragança fez sérias críticas ao sistema de saúde.

“Já morreu gente aí. Alguns minutos atrás, um homem estava aqui do lado de fora passando mal, com sintomas do coronavírus, ele não foi atendido e ainda foi mandado embora”, critica o pai de Denis, Ronaldo Bragança. Ele e a família contam que falta tudo na UPA, desde médicos até equipamentos hospitalares e remédios.

“Veja. Não tem remédio, compramos até máscara para aerossol. Isso é um descaso muito grande. Tem gente chegando aqui a todo momento, pessoas passando mal e eles dizem que estão limpando o prédio? Em pleno surto dessa doença? Não dá para acreditar”, desabafa. Assim como nas demais, era comum ver carros chegando e saindo, sem atendimento.

Denúncia

O caso mais grave visto durante a tarde no sistema municipal de saúde aconteceu no PSM do Guamá. A aposentada Maria do Carmo Souza, 82 anos, deu entrada na unidade neste domingo e faleceu horas depois, com sintomas da Covid-19. Segundo a família, eles procuraram o hospital após ela ser liberada da UPA da Terra Firme, com a alegação de que poderia ir para casa.

“Na manhã seguinte (ontem), ela piorou e corremos com ela até aqui. Não demorou muito ela faleceu. Estou arrasada. Nossa família tá em desespero e isso porque ainda nem temos o diagnóstico da doença. Não entendo como podem liberar uma pessoa que está muito doente”, questiona a neta, Shirlene Paixão, que veio de Barcarena para auxiliar nos cuidados da avó.

Resposta

A Secretaria Municipal de Saúde diz que o sistema de saúde da capital está funcionando no limite da sua capacidade e que há uma grande demanda de usuários com sintomas suspeitos para Covid-19 e viroses nos serviços de urgência e emergência do município.

Diz que a UPA da Sacramenta foi fechada para a limpeza e desinfecção como medida preventiva, uma vez que a unidade está recebendo uma grande demanda de diversas patologias. Já na UPA de Icoaraci, não houve médico para assumir os plantões.

Em relação aos equipamentos de proteção individual, a Sesma diz que está disponibilizando os já existentes no seu estoque. Concomitantemente, realiza compra emergencial dos itens de EPI.

Para o atendimento de pacientes com Covid-19, a Sesma informa que os serviços seguem os protocolos do Ministério da Saúde, que preconiza que pacientes com quadros leves devem ser cuidados em casa, cumprindo o isolamento domiciliar.

Sobre o maqueiro, funcionário da UPA da Sacramenta, a Sesma afirma que ele evoluiu a óbito com suspeita de Covid-19 ontem (19), tendo recebido o atendimento na própria UPA desde o último dia 16 e assistência posterior no Hospital Dom Zico. Ele teve material coletado e o resultado do exame deve sair em torno de sete dias.

Justiça dá novo prazo para a Prefeitura de Belém fornecer equipamentos de EPIs

A desembargadora Maria Filomena de Almeida Buarque, da 1ª Turma de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), concedeu o prazo de mais cinco dias para que o Município de Belém possa cumprir a obrigação imposta de fornecer os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) necessários ao desempenho das funções dos servidores lotados nas unidades de saúde municipais. A decisão foi tomada no Plantão Judicial Cível do 2º Grau de ontem (19), e acatou em parte o recurso ingressado pelo Município de Belém, após decisão de juízo de 1º Grau, no último dia 16, em Ação Civil Pública ajuizada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Saúde no Estado

do Pará (Sindsaúde).

Município alegou ter fornecido os equipamentos necessários à realização da atividade com o mínimo de segurança. Em recurso, sustentou que é impossível o cumprimento material da decisão proferida, em função da falta de vários insumos no mercado, em que pese o agravante esteja de esforçando para a aquisição.

MEDIDA

Na decisão, a desembargadora relatora Filomena Buarque afirmou que, em decorrência da determinação ter sido prolatada no dia 16, para obrigar o fornecimento pelo Município de Belém em 48 horas, esta medida não pode aguardar o expediente normal, sem colocar em risco o grave prejuízo ou de difícil reparação. “O Município de Belém defende a desnecessidade da medida liminar por ter comprovado a entrega recente de insumos às unidades que integram o Sistema de Saúde Municipal, no período compreendido entre 27 de fevereiro a 27 de março de 2020. Entretanto, na data referida sequer havia óbitos registrados nos Estado”, escreve.

A magistrada afirma que fica evidenciado o crescimento do número de contágio em mais de 3.000% (18 para então 641 casos) no Estado, o que eleva também o aumento da demanda nos serviços de saúde e, em consequência, o uso de EPIs. “Passado mais de 15 dias, não há como se ter certeza dos níveis do estoque necessário de equipamentos em cada unidade de saúde para o cumprimento da Nota Técnica/Anvisa Nº 04/2020, atualizada em 31/03/2020, porque o Município não trouxe esta prova aos autos, o que leva a certeza de que a Municipalidade está descumprindo o disposto no art. 373, inciso II, do NCPC”, aponta.

ESTOQUE

Com base nesse raciocínio, a desembargadora constata que o Município de Belém não apresenta prova que o estoque de EPIs atende às unidades municipais, considerando o vertiginoso crescimento de confirmados e suspeitos da Covid-19. “O que não se pode admitir, em hipótese alguma, é a exposição da vida dos profissionais de saúde a essa doença desconhecida do mundo. Ao contrário, temos que preservá-los, afinal de contas, eles são os verdadeiros heróis, eles é que estão na linha de frente em busca de salvar vidas, neste momento tão difícil que todos nós estamos passando”, diz em decisão.

A relatora pontua, no entanto, que o prazo assinalado pelo juízo de 1º Grau de 48h para o fornecimento dos EPIs aos profissionais de saúde do município “mostra-se um pouco desarrazoado e desproporcional, motivo porque há necessidade de ampliar o lapso para o fiel cumprimento desta decisão por mais 5 (cinco) dias úteis, sem prejuízo do atendimento dos usuários pelos profissionais de saúde”, decide a desembargadora.

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