O que vem à sua mente quando pensa em aula e sala de aula? Um quadro, professor ou professora, colegas ao redor, textos para ler e anotações para fazer... Tudo com muitas regras e disciplina, certo?

Na "nova era" que se tornou 2020 desde março, quando a pandemia de Covid-19 se instalou de vez no Brasil e deu início ao seu crescimento explosivo, a lógica de "aula e sala de aula" se modificou com a rapidez dos clicks que a mantém hoje.

Se em algumas instituições públicas de Ensino, em especial Superior, as aulas foram interrompidas, em outras seguem de forma remota, adaptadas à nova necessidade de distanciamento. Tal panorama confirma que ensinar requer constante aprendizado e, para vários professores de Belém, isto se intensificou neste período.

Agora, em isolamento social necessário, eles lidam com desafios mais amplos que vão além de preparar aulas e ministrá-las, mas também alcançam outras esferas, bem mais tecnológicas. Uma destas pessoas é a jornalista e professora Erika Siqueira, da Faculdade Estácio do Pará.

Mesmo com grande experiência na docência, a pandemia apresentou novos desafios a Erika Siqueira.
📷 Mesmo com grande experiência na docência, a pandemia apresentou novos desafios a Erika Siqueira. |Arquivo pessoal

"Já ministro aula há 12 anos e nunca havia ministrado aula remota. Sempre utilizei processos tecnológicos nos fóruns de debate, grupos de WhatsApp, depósito de material no nosso sistema interno ofertado aos alunos, mas, aulas remotas, nunca havia utilizado. É a primeira vez que estou utilizando esse recurso 100%. Já havia me interessado pelo novo formato, até pela necessidade de uso de ferramentas para trabalhar com o novo perfil de estudante, que já é nativo digital e exige uma aula diferenciada para se tornar atrativa", explica.

Neste novo contexto, as modificações não alcançam somente o Ensino Superior, mas também outros níveis educacionais. Para Raíssa Mendes, professora de educação infantil, as mudanças, de tão rápidas, foram surpreendentes.

"Nunca trabalhei dessa forma e nem tinha interesse. Na verdade, fui pega de surpresa pela situação e estou me adaptando para conseguir ministrar minhas aulas, pois, se tratando da educação infantil, o contato real com as crianças é fundamental. Está sendo um processo de adaptação para todos nós e estamos seguindo com nosso trabalho", afirma a educadora.

A "surpresa" de Raíssa, que também é estudante em Letras, se transformou em oportunidade de crescimento profissional.
📷 A "surpresa" de Raíssa, que também é estudante em Letras, se transformou em oportunidade de crescimento profissional. |Arquivo pessoal

Apesar de sabermos que é difícil exigir os mesmos resultados e práticas de antes, percebemos que a pandemia do novo coronavírus acentuou também a tênue linha entre dificuldades e oportunidades, como destaca Janaína Gato, professora de Inglês há 6 anos e que também conta com experiência internacional na University of California, nos Estados Unidos. Para ela, a necessidade acabou provocando interessantes mudanças: "pude aprender sobre  quais plataformas digitais usar, dinâmica de aula, gerenciamento de tempo e recursos extras que incluiria para deixar o aluno sempre motivado".

A estrutura na mudança, no entanto, não foi imediata. "Depois  do primeiro caso registrado no Pará, entendemos que precisávamos (ela e os alunos) nos cuidar e nos proteger. Portanto, sugeri a todos que fizéssemos as aulas pela internet. Dessa forma, os alunos continuariam seu ritmo de aprendizagem e não seriam prejudicados, afinal cada semana sem a prática do idioma acaba afetando todo o processo", enfatiza.

Tal processo de aprendizado mútuo, tanto dos docentes como dos estudantes, sabemos, não é tão simples e, muito menos, acessível a todos, o que evidencia mais ainda a desigualdade no país: esta não é somente financeira e social, mas também tecnológica. Se você é docente ou discente, sabe que há também as dificuldades técnicas, inclusive no uso das máquinas, o que ocorre muitas vezes com pessoas mais velhas.

📷 A experiência internacional de Janaína Gato a ajudou a compreender e aproveitar melhor os novos desafios impostos aos docentes. |Arquivo pessoal

"Depois da primeira semana de aulas, alguns dos alunos não conseguiram se adaptar por não gostarem de usar o celular para ter as aulas, alguns não tinham notebook, apresentavam muita dificuldade para manuseá-lo, ou até mesmo por não estarem conseguindo se concentrar ou administrar seu tempo durante esta época de isolamento social. Coincidência ou não, 90% dos alunos que pausaram o curso são idosos", explica Janaína.

As dificuldades não ficam somente entre os alunos, como relata Raíssa Mendes: "Foi muito difícil para mim por não ter os recursos adequados para trabalhar da forma como a situação exigia e eu gostaria, então a coordenação da escola começou a buscar outros meios para que pudéssemos produzir conteúdo digital de uma forma mais acessível, tanto para a equipe de professoras, quanto para os alunos".

📷 Segundo Elton Coutinho, o maior desafio atual é manter o ensino acessível. |Arquivo pessoal

No amplo e complexo panorama em que estamos, o professor de Inglês Elton Coutinho, também destaca que teve que se "reinventar" de acordo com a nova realidade, desafio que já existia para os educadores, é verdade, mas foi potencializado nestes "tempos de pandemia".

"Trabalhar em casa se tornou uma obrigação e não uma opção, e isso requer adaptação, organização e tempo. Todas essas mudanças, mesmo que repentinas, nos trazem uma renovação pessoal. Como educador, o processo criativo tem sido o mais satisfatório. Poder testar novos métodos e criar novas tecnológicas para o ensino de qualidade é uma tremenda evolução no Brasil e no mundo", destaca o professor, que possui experiência há mais de 6 anos em cursos na Grande Belém e em aulas particulares com foco no aprendizado personalizado.

MUDANÇAS

É, caro leitor, sabemos que as mudanças são inúmeras e, por vezes, o que se vê na prática é melhor compreendido se conhecermos a teoria e a (re)pensarmos. Segundo Erika Siqueira, que é especialista em Comunicação Institucional na Amazônia e Mestre em Ciência da Comunicação, o contexto é mais amplo, complexo e, para entendê-lo, é necessário dialogar com um grande pesquisador da área.

"Vou utilizar um autor que respeito muito, o sociólogo espanhol Manuel Castells, para transcrever a minha opinião sobre a maior dificuldade desses tempos digitais. A sociedade da informação, globalizada, que já configura essa nova sociedade de produção e consumo, gerando uma nova economia, lança mão da necessidade do uso em larga escala das tecnologias apresentadas como inevitáveis na contemporaneidade. Essas transformações tecnológicas e sociais, o uso das plataformas digitais de forma exponencial serão irreversíveis. A pandemia veio acelerar ainda mais esse processo", sintetiza a pesquisadora.

Contudo, para este ciclo funcionar é necessário ainda uma série de outros fatores, como uma alfabetização digital ou mesmo uma educação midiática, que ajuda(ria) os sujeitos a compreenderem diferentes processos e práticas. Em uma perspectiva analítica - quiçá utópica, é verdade -, desde a infância as crianças poderiam aprender a utilizar ferramentas comunicacionais e educacionais e, assim, se atentar melhor para o papel de algumas mídias e conteúdos. Isto poderia, por exemplo, ajudar a diminuir a quantidade de notícias falsas (as chamadas fake news) e de pessoas que acreditam nas mesmas, como ocorre atualmente.

"Infelizmente, em países como o Brasil, não recebemos uma alfabetização digital. Apresentamos desigualdades sociais gritantes e temo por não conseguirmos fazer essa transição para um novo mundo virtual sem atendermos a uma nova demanda pelas subjetividades que temos. Estamos passando por enfrentamentos sanitários, sociais, econômicos, políticos gravíssimos e precisamos ter a consciência que não vamos conseguir atender as subjetividades da sociedade como um todo, imediatamente. Já estão surgindo novos modelos de trabalho, novos valores de mercado e vamos precisar nos adaptar a esse novo mundo pós pandemia. E isso demanda tempo, investimentos, políticas públicas e boa vontade", afirma Erika.

📷 Para Erika, a alfabetização digital facilitaria alguns processos, como a compreensão e uso de tecnologias no período contemporâneo. |Arquivo pessoal

Mesmo com todos os desafios, os professores seguem ensinando, dando bons exemplos e aprendendo. "Essa experiência está me ensinando a sair da minha zona de conforto para explorar novos métodos. Trabalhar com criança exige muita criatividade para prender a atenção de cada um, agora imaginem através de um vídeo? Se de forma presencial temos que nos desdobrar para proporcionar uma aula mais lúdica possível, afastado deles mais ainda. Acredito que ainda vou aprender muito mais sobre como ser uma professora mais flexível e dinâmica", prevê Raissa.

É ainda a educadora que destaca com sensibilidade o papel da família. "Sempre falamos que para construir uma carreira promissora do aluno é necessária a parceria entre escola e família. Diante de tudo que está acontecendo, nos levando a ter que ministrar aulas pelas plataformas digitais, mais do que nunca a família deve ter uma postura mais ativa na vida escolar da criança. A família é o primeiro meio social que a criança tem contato, espero que o lar esteja sendo um ambiente acolhedor e que não somente os meus alunos, mas todas as crianças que estão estudando em casa estejam recebendo o auxílio necessário. Nós, professores, estamos trabalhando muito para contornar essa crise, mas precisamos da colaboração da família."

Tal colaboração familiar é essencial também em outros níveis educacionais, é claro, principalmente se notarmos que as aulas remotas seguirão deste modo ainda este semestre, com as aulas presenciais de fato retornando a partir de agosto. Mesmo assim, afirma Elton, "a educação não pode parar. Precisamos continuar estudando e nos mantendo atualizados para que possamos viver melhor. Um desafio pessoal com certeza é a adaptação do novo local de trabalho e a organização que é crucial pra o desempenho de qualquer trabalho de sucesso".

Neste processo de "atualização", Janaína destaca o "quão poderosa pode ser nossa  capacidade de se adaptar, de olhar para os problemas e ver soluções, de ter a criatividade como aliada fiel e, que quando você está focado no seu propósito - seja ele aprender a falar um novo idioma, ou mudar a vida das pessoas através da educação - não há nada capaz de te fazer desistir". Com este vigor e ânimo, a jovem atualmente tem seu próprio curso personalizado de aulas particulares e publica dicas diárias de inglês em seu perfil no Instagram, mostrando que a educação e a inovação são capazes de mudanças grandes e impensáveis em um primeiro momento quando nos deparamos com alguma dificuldade.

Deste modo, talvez seja possível assim acreditar em dias melhores, com mais saúde e educação, partindo da atuação de quem ensina, mais que conteúdos, a superar os desafios. Como afirmou Erika Siqueira, "a educação muda o mundo. A ciência e as pessoas precisam de mais respeito nesse país. Acredito que essa pandemia está nos ensinando muito. Está nos proporcionando uma oportunidade inacreditável de manifestar mais solidariedade e empatia, de cuidar de quem amamos, do planeta, diminuir a poluição ambiental e de aprender a sentir falta das coisas simples. Aprender, à luz de Heidegger, a compreensão do ser humano pelas experiências que estamos vivenciando como ser-no-mundo. Porque a vida é curta e a saúde é a nossa maior riqueza", finaliza.

Das salas de aula para as telas de computadores e smartphones: a pandemia criou novos desafios para educadores, de diversas áreas do conhecimento. Foto: DOL

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