O convite à experimentação gastronômica inicia ainda na estrada, na saída da ponte Sebastião de Oliveira. Acomodados em paneiros e em diferentes tamanhos, os camarões rosados são os responsáveis por “dar as boas-vindas” aos visitantes que chegam até Mosqueiro. Distante apenas 70 km do centro de Belém, a ilha atrai não apenas pela beleza natural, mas também pelas tradições culinárias que atravessam gerações e que estão presentes desde o nome dado ao distrito.
Para que os camarões pescados ali mesmo nos rios que banham a ilha estejam à disposição dos visitantes, a rotina inicia ainda com o amanhecer do dia. Por volta de 5h o vendedor Nel Pereira Pinheiro, 40 anos, se dirige ao porto do distrito para comprar os camarões que, depois de preparados, serão colocados à venda na PA-391, a estrada de Mosqueiro.
Nos finais de semana, quando o movimento na ilha costuma ser mais intenso, Nel chega a vender de 100 a 200 litros de camarão. “Tem muito cliente que, quando vem para cá, já liga para reservar”, conta. “Quem começou a trabalhar com a venda do camarão foi o meu avô, que pescava e vendia. Depois veio meu pai e agora eu”.
Na família de Rosa Maria, 49 anos, a venda dos crustáceos também é uma tradição. Quando seu pai mudou do município de Barcarena para o distrito de Mosqueiro, há 34 anos, foi a venda do camarão que garantiu o sustento da família. Hoje, o ponto é identificado pelo nome da filha, ‘Barraca da Rosinha’. “O que as pessoas mais gostam é do camarão no bafo feito na hora”, conta.
Ali mesmo no acostamento da estrada, Rosa e o irmão Luiz Furtado, 41 anos, preparam a iguaria feita de tira-gosto por muitos visitantes da ilha. Para deixar o camarão no ponto de ser consumido, os irmãos não fazem segredo. “Lava bem lavado, coloca sal a gosto, o suco do limão e coloca na panela que vai pro carvão. O próprio camarão vai soltar a água que vai cozinhar ele”, ensina Luiz. “É o famoso camarão no bafo”.
TRADIÇÃO
Com o tira-gosto garantido, o prato principal do almoço pode ser escolhido ainda fresco em mais uma ponte do distrito, a ponte do Cajueiro. Enfileirados sobre o balcão ou pendurados, o pescado oferecido varia para atender a todos os gostos: pescada amarela e branca, filhote, tambaqui, pratiqueira, dourada, gurijuba e por aí vai. Mantendo uma tradição de mais de 25 anos, a feira garante o abastecimento de cerca de 20 toneladas de pescado por final de semana na ilha.
“Falou em peixe em Mosqueiro, falou na ponte do Cajueiro”, relaciona o vendedor Anderson Damasceno, 31. “O pescado chega pra gente dos rios daqui da ilha de Mosqueiro, mas também de Vigia e Salinas. As embarcações que vem dessas regiões passam e já param aqui para deixar o peixe”.
Com mais de 40 anos de experiência no ramo do pescado, o vendedor Manoel Mota da Costa, 60 anos, conhece bem o gosto dos fregueses que chegam a Mosqueiro e vão em busca do pescado fresco para preparar em casa. “O que mais sai é a dourada, a pescada e o filhote. São bons para preparar cozido, frito, assado, de todo jeito”, garante. “É muito pescado aqui, principalmente na safra, que é de maio em diante”.
Para quem prefere chegar à ilha e encontrar o peixe já preparado e pronto para comer, também não faltam opções. Ao longo dos 17 km de praias de água doce, são muitas as barracas e restaurantes que oferecem uma grande variedade de preparo de peixes e frutos do mar. Na Praia do Paraíso, uma das mais visitadas nos finais de semana da ilha, o almoço é embalado pelo barulho relaxante das ondas que quebram na orla recém reformada.
Para a gerente da Barraca do Gringo, na praia do Paraíso, Suzete Teixeira, 60 anos, é justamente a combinação da natureza exuberante com a culinária tradicional que leva centenas de famílias a se deslocar até Mosqueiro aos finais de semana. “Tem famílias que vem aos domingos apenas para almoçar e depois voltam para Belém”, conta. “Também chegam muitos turistas que se encantam com a natureza e com a variedade de preparos de peixe, camarão, caranguejo”.
VARIEDADE
No cardápio não falta variedade. Ainda assim, Suzete conta que existem os pratos preferidos da freguesia, os campeões de procura. “O filhote no molho de camarão, a caldeirada de filhote e o pirarucu no leite de coco são muito pedidos”, enumera. “Mas o que chama muito mesmo é o caranguejo tok tok no tucupi. Esse já é uma tradição daqui”.
Se o assunto é tradição, Mosqueiro também convida a conhecer um petisco que já faz parte da história da ilha há 60 anos. No ponto de venda localizado na avenida Beira Mar, já na praia do Ariramba, os clientes que chegam em busca do pastelzinho de variados sabores têm a oportunidade de não apenas provar o lanche, como também de acompanhar todo o processo de preparo ao vivo.
“No início eram apenas dois sabores, carne e camarão”, conta Jaqueline Dias, 31 anos, da terceira geração da família a tocar o ‘Pastelzinho do Oliveira’. “Quem começou foi a avó e a mãe da minha mãe. Depois o avô, que era o Oliveira, começou a gerenciar tudo”.
Hoje a pastelaria é comandada pela filha de seu Oliveira, Ana Katarina Brito Castro de Oliveira e pela esposa Eva Vilma Dias Oliveira. Aos dois sabores que deram início ao negócio 60 anos atrás, outros três foram acrescidos, o de charque, o de frango e o de queijo. “O de camarão é o mais vendido. Tem clientes que vêm aqui em busca dele. O que dizem muito é que tem gosto de infância”, conta Jaqueline.
O sabor de infância é justamente o sentido pelo engenheiro agrônomo Rodolfo Santos, 35 anos. Ele conta que a família sempre teve casa em Mosqueiro e a ida ao Pastel do Oliveira era item obrigatório da viagem. “Eu assisti o final da copa de 94 aqui nesse balcão comendo pastel”, recorda. “Hoje não temos mais a casa, mas se viermos em Mosqueiro, temos que passar no Pastel do Oliveira. Se não, é o como se não tivéssemos vindo”.
Jaqueline conta que histórias como as de Rodolfo, recheadas de memória afetiva, são ouvidas o tempo todo no balcão de atendimento da pastelaria. “Tem um casal de clientes que o primeiro encontro deles foi aqui no Pastel do Oliveira. Por causa disso, no dia do casamento deles eles pediram que as entradas da festa fossem os pasteizinhos”.
Mosqueiro
l O próprio nome dado ao distrito remete a tradições culinárias. Segundo a história, o nome Mosqueiro faz referência a uma antiga prática de conservação do pescado usada pelos indígenas tupinambás que habitavam a ilha no passado. À técnica é dado o nome de ‘moqueio’.
“Todas as vezes que eu venho, sempre passo na tapiocaria”
Em outro ponto da ilha de Mosqueiro, na praça da Vila, as memórias também são estimuladas pelo paladar. Nos diversos boxes que compõem a Tapiocaria de Mosqueiro, os sabores vão além das cerca de 40 opções de tapioca listadas nos cardápios.
“Deixa um gosto bucólico, nostálgico, romântico”, descreve a psicóloga e escritora Ana Meireles, que costuma frequentar Mosqueiro e a tradicional tapiocaria com frequência. “Quando a gente chega vamos direto para a casa do meu irmão, que mora aqui, mas eu gosto muito de vir aqui, olhar a cidade, comer a tapioca. Eu gosto muito do conjunto todo que nos leva a fugir da rotina”.
Irmã de Ana, a servidora pública Rita Meireles, 52 anos, mora no Rio de Janeiro. Sempre que vem a Belém visitar a família, não deixa de lado a tradição de ir até Mosqueiro e, claro, à ‘tapioquinha’ da Vila. “Para mim fica a lembrança de infância. Todas as vezes que eu venho, sempre passo na tapiocaria”, conta. “Não só a tapioca, mas Mosqueiro como um todo evoca à imagem afetiva da família, eu sempre lembro muito do meu pai que já partiu”.
No caso da família da autônoma Rose Santos, 55 anos, a tapioca é sinônimo de sustento há pelo menos 35 anos. Ela conta que começou a trabalhar com a venda do prato por necessidade e segue até hoje mantendo viva a tradição. “Eu comecei a ter os meus filhos e não tinha um emprego, então a tapioca foi a opção. Criei os meus três filhos e construí a minha casa toda com a venda de tapioca”.
Quando iniciou a venda, Rose lembra que o sabor oferecido era apenas a da tradicional tapioca molhada no leite de coco e servida na folha da bananeira. “A gente vendia naqueles tabuleiros antigos aqui na calçada. Vendíamos apenas pela manhã mesmo”, lembra. “Depois que começamos a vender também para o café da tarde”.
Além do horário, outras mudanças foram somadas com o passar do tempo. Hoje, as vendedoras de tapioca dispõem de boxes organizados para preparar e servir os pratos. Entre as opções, foi acrescida uma infinidade de sabores, como tapioca com queijo, ovo frito, salame, sabor pizza, leite condensado e outras. Apesar da variedade, Rose conta que a tradição continua prevalecendo. “Uma colega começou a fazer novos sabores e nós fomos progredindo. Mas os clientes gostam muito da tapioca molhada. É a que mais sai e a gente ainda serve na folha de bananeira porque a tradição não pode se perder”.
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