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PATRIMÔNIO

Casarões e Igrejas: Memória preservada em Vigia de Nazaré 

O município guarda uma cultura rica marcada não apenas pelo carnaval e pelo Círio de Nossa Senhora de Nazaré, como também por seus casarões e igrejas centenárias

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Imagem ilustrativa da notícia Casarões e Igrejas: Memória preservada em Vigia de Nazaré  camera Igreja de Pedras | Mauro Ângelo

Quando a então coroa portuguesa tomou conhecimento da passagem do francês Daniel de la Touche por terras ao Norte do Brasil, em meados do século XVII, não hesitou em enviar uma expedição que pudesse expulsar os franceses e assegurar o domínio de Portugal.

Ainda que no nordeste paraense já estivessem presentes os índios Tupinambás, que viviam na aldeia nomeada Uruitá, a chegada da expedição de conquista do Grão-Pará, comandada pelo navegador português Francisco Caldeira Castelo Branco, marca a fundação, em 6 de janeiro de 1616, do hoje município de Vigia de Nazaré. Seis dias depois, Castelo Branco viria a fundar a capital do Pará, Belém.

Com 404 anos de história a contar da colonização, o município guarda uma cultura rica marcada não apenas pelo carnaval e pelo Círio de Nossa Senhora de Nazaré, mas que também está resguardada na sua arquitetura marcada por casarões e igrejas centenárias.

Dentre as edificações mais representativas da época da colonização e que ainda podem ser apreciadas está a Igreja da Madre de Deus, a Igreja Matriz de Vigia, que homenageia Nossa Senhora de Nazaré. A igreja marca o início e o encerramento das festividades em homenagem à Virgem de Nazaré e guarda por trás de suas portas de madeira uma enorme riqueza em peças do estilo barroco.

O patrimônio tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) foi deixado ao município de Vigia pelos padres jesuítas, ordem religiosa ligada à Igreja Católica e que tinha como missão a catequização dos nativos através do ensino, tendo exercido participação importante no Brasil colonial.

Antes da igreja, porém, os jesuítas que se instalaram na aldeia que viria a ser Vigia construíram uma casa que posteriormente foi transformada em colégio, edificação que já não está mais de pé. O escritor, pesquisador e memorialista vigiense Raul Lobo explica que o nome dado à Igreja da Madre de Deus faz referência justamente ao colégio. “A primeira construção dos jesuítas em Vigia foi a casa, que depois foi transformada em colégio. Era o colégio Madre de Deus. Depois é que fizeram a igreja da Madre de Deus. Essa era uma prática dos jesuítas, onde faziam o colégio, faziam a igreja bem ao lado para que pudessem exercer as práticas religiosas”, explica. “Então a nossa Igreja Matriz era a igreja do colégio e ela tem apenas um púlpito, de onde o padre dava as informações da prática religiosa que eles estavam estudando”.

A construção da igreja foi concluída em 1732, ainda no século XVIII. Porém, Raul Lobo destaca que existem registros antigos que apontam que a permissão da coroa portuguesa para que a igreja fosse construída na colônia data de anos antes, de 1702. “Inicialmente, o chão da igreja era formado por tábuas de acapu. Posteriormente é que foi trocado por ladrilhos hidráulicos vindos de Portugal e que permanecem até hoje”, conta Raul, ao destacar que existem 4 diferentes tipos de ladrilhos no piso da igreja e que podem ser apreciados ainda hoje.

“No presbitério ainda temos muitas peças em madeira. No sacrário (em madeira) temos a figura do anjo, que representa a ligação entre os homens na Terra e Deus, e das folhas de acanto. A imagem de Cristo também em madeira, no altar, data da época da construção da Igreja”.

ARTE

Na sacristia da Igreja Matriz de Vigia a arte empregada proporciona ainda maior beleza. No teto do local destinado à salvaguarda das vestimentas sacerdotais e de objetos utilizados nas celebrações, pinturas prestam homenagens à Nossa Senhora. Raul aponta que, entre flores e arabescos, estão escritas frases em latim que fazem referência à Virgem Maria. “Resplandecente como o sol; És bela como a lua; És como a estrela do mar e do dia”, traduz Raul, que aponta que a Igreja foi sagrada a Nossa Senhora de Nazaré anos depois de sua construção.

“Quando os jesuítas foram expulsos por Marquês de Pombal, já em 1759, a coroa portuguesa entrou em conflito com a sociedade, então, para reaver esse acordo amistoso, eles elegeram a igreja em paróquia em 1761 e, quando transformaram em paróquia, sagraram em homenagem a Nossa Senhora de Nazaré porque já existia o culto nazareno em Vigia”.

Igreja Matriz de Vigia
📷 Igreja Matriz de Vigia |Mauro Ângelo

Devoção foi registrada oficialmente em 1697

Logo após garantir o domínio português sobre o território que abrigava a então aldeia Uruitá, Francisco Caldeira Castelo Branco seguiu viagem rumo a Belém e deixou em Vigia o fidalgo português Dom Jorge Gomes d’Alamo, responsável pela colonização da área. Segundo a história, no momento em que saiu de Portugal para se estabelecer na região do nordeste paraense a pedido da coroa portuguesa, o colonizador levou com ele a devoção por Nossa Senhora de Nazaré.

“Ele era um português rico e devoto de Nossa Senhora de Nazaré e que veio na caravela do nosso fundador, Francisco Caldeira Castelo Branco. As expedições traziam várias pessoas e em determinados pontos iam deixando-as para colonizar aquele povoado, os índios”, diz Raul. “Quem ficou em Vigia foi Dom Jorge Gomes d’Alamo”.

O pesquisador explica que durante algumas décadas não se tinha registros oficiais sobre a realização de uma procissão em homenagem à Nossa Senhora de Nazaré em Vigia. A primeira referência oficial data de 1697. “Neste ano veio o padre José Ferreira, em missão, visitar as aldeias e ele fez um registro afirmando que o que tinha de bom em Vigia era a imagem milagrosa de Nossa Senhora de Nazaré, que por aqui vinham muitos romeiros de longe para participar das celebrações daquele tempo”, conta Raul.

CÍRIO

“Então, a partir daquele registro em 1697 é que se oficializa o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, mas se ele chegou e já encontrou essa devoção é porque já existia tempos antes. Como não se tinha documento que comprovasse isso, a partir do registro dele se oficializou a data”.

De frente para o rio Guajará-Mirim outra construção religiosa se impõe no cenário da Vigia de Nazaré, a Igreja de Pedras, oficialmente denominada Capela do Senhor dos Passos. Mais do que a presença dos jesuítas, porém, a edificação marca um importante episódio da história do Brasil colonial, a expulsão dessa ordem religiosa de todo o reino português, incluindo suas colônias, como era o caso da área que hoje compreende Vigia de Nazaré.

Edificado por pedras sobrepostas e sem reboco, o templo não teve tempo de ser concluído. As obras iniciaram em 1739, porém, com a expulsão dos jesuítas – responsáveis pela construção - em 1759, a edificação foi abandonada da forma que estava, só com as paredes que comporiam a área do altar e sem telhados.

Raul explica que a construção permaneceu assim até meados de 1950, quando foram iniciadas as obras que finalizaram o templo, inserindo a estrutura da cobertura, portas e janelas. No interior da capela, é possível ver um marco da interrupção da construção dos jesuítas, uma pia de mármore inacabada. Até hoje, o tanque que seria instalado na parte de fora da igreja para abastecer a pia permanece no local, mesmo sem ter sido instalado.

Sede da Câmara
📷 Sede da Câmara |Mauro Ângelo

Episódio da Cabanagem

Já elevada à condição de vila, Vigia vivenciou outro episódio importante na história do Pará, o movimento da Cabanagem, cujo cenário ficou marcado pela presença de um casarão chamado de Trem de Guerra. O prédio que hoje abriga a Câmara Municipal de Vigia remete a um dos episódios da revolta popular de cunho social que se espalhou por regiões do território paraense entre 1835 e 1840.

Raul aponta que em 1835, o casarão chamado de Trem de Guerra era a residência do então juiz de paz João Ataíde. O espaço só teria sido atingido pela Cabanagem, porém, na segunda investidura dos revoltosos na então vila. “O primeiro momento da Cabanagem em Vigia, em maio de 1835, fracassou porque os cabanos tomaram a câmara municipal, que ficava no Paço Municipal, e foram festejar. Foi o tempo que a Guarda Municipal teve para chegar e prender quem pudesse”, explica.

“Os que conseguiram fugir se organizaram em Porto Salvo, que naquela época chamava-se fazenda de Mamaiacu, onde se reuniram e conseguiram formar um grupo de 500 pessoas, que dividiram em três colunas”.

INVASÃO

No plano dos cabanos para um segundo ataque, um dos grupos de revoltosos, denominados de colunas, iria invadir a cidade pela estrada. A outra coluna iria invadir pelo mangal, pelo chamado Porto do Colégio, e a outra invadiria pelo mar de batelão (tipo de embarcação). “A primeira a invadir a cidade foi pela estrada. Quando a Guarda Municipal teve notícias de que os cabanos estavam invadindo, foram todos para lá e a outra coluna que vinha pelo Porto do Colégio invadiu. Quando eles correram para lá, a outra coluna invadiu pelo mar”.

Vereadores e militares vigienses se refugiaram no Trem de Guerra. “As autoridades estavam todas no Trem de Guerra e os cabanos tomaram conta da cidade. Em um dado momento os cabanos negociaram para que as autoridades saíssem do Trem de Guerra dizendo que não iria acontecer nada se eles se rendessem”, lembra. “As autoridades se reuniram e viram que não tinham saída e houve uma negociação amistosa com os cabanos. Porém, quando as autoridades saíram do Trem de Guerra, alguém gritou ‘fogo’ e os cabanos acabaram matando todos, todo mundo que estava dentro do Trem de Guerra”.

Este ataque ocorreu em julho de 1835, resultando na vitória dos cabanos. Depois disso eles foram embora de Vigia. “Os cabanos eram pessoas pobres e humildes que moravam em cabanas e por isso eram chamados assim. Eram pessoas que produziam e sustentavam a economia da vila, mas que não tinham proveitos. A produção deles era confiscada. Tinham o que os portugueses davam para eles, mas não o que de fato aquilo valia”.

História impressa em casarões

Se episódios da história da fundação de Vigia podem ser contados por prédios públicos e por suas igrejas, muito da memória também está impressa em casarões de propriedade particular. Ainda hoje, em uma rápida circulada por Vigia, é possível ver casas em estilo português e que trazem nas grades de suas fachadas as datas de suas edificações, muitas remetendo ao século XIX.

Vizinha à Igreja Matriz de Vigia, o casarão formado por paredes compostas de barro é a moradia da dona de casa Nilza Palheta Pinho, 80. Ela lembra que a construção foi comprada por seu avô quando ela tinha três anos de idade. Desde então, a construção permanece com a família, tendo Nilza completado já 50 anos de residência no local. “Morávamos no interior e o meu avô veio a Vigia porque a minha avó queria uma casa aqui, mas disse que ela teria que ficar próximo de uma igreja”, lembra. “Ele veio e encontrou duas casas, essa aqui e outra. Mas ela ficou com medo da outra casa por causa das argolas que tinham no porão e que diziam que no passado tinham usado para prender os escravos. Com isso ele acabou comprando essa casa aqui”.

Nilza Palheta
📷 Nilza Palheta |Mauro Ângelo

CASA

Nilza diz que inicialmente a família não residiu na casa e a utilizava em períodos de festas. Antes que ela mesma viesse a morar na residência, anos mais tarde, Nilza chegou a se mudar, ainda adolescente, para Belém. Retornando para Vigia, Nilza pode criar e educar os seis filhos na casa onde mora até hoje. “Essa casa era muito bonita. O alicerce é todo de pedra e as paredes são esteio de Acapu preenchida com barro. O chão era todo de terra batida, depois que nós fomos ajeitando”. Assim como a casa adquirida pelo avô, a que acabou não escolhida pela avó de Nilza também permanece em pé. No gradil que protege a porta central do imóvel é possível identificar a data de construção do casarão, 1875.

Confira algumas das construções que ainda estão presentes no cenário de Vigia

Igreja da Madre de Deus (Igreja Matriz)

A construção é uma das primeiras comandadas pelos jesuítas em Vigia de Nazaré. A Igreja em estilo barroco é rica em detalhes em madeira e guarda belas imagens de roca, imagem caracterizada pela possibilidade de ser vestida com diferentes roupas. O pesquisador e escritor Raul Lobo aponta que, à época, as imagens de roca não tinham denominações fechadas. Com tantas denominações existentes para Nossa Senhora, elas poderiam ser caracterizadas e depois descaracterizadas de acordo com a liturgia. A Imagem de Nossa Senhora de Nazaré, que sai na procissão do Círio de Vigia, é deste estilo e está resguardada na Igreja Matriz.

Igreja da Madre de Deus (Igreja Matriz)
📷 Igreja da Madre de Deus (Igreja Matriz) |Reprodução
Casarões e Igrejas: Memória preservada em Vigia de Nazaré 
📷 |Reprodução

Outra característica da Igreja tombada pelo Iphan é a presença de 22 colunas laterais em estilo toscano, uma das poucas existentes no Brasil com esta característica. Outra curiosidade da Igreja é que seus corredores laterais costumavam servir de abrigo para os romeiros que se dirigiam à então vila para acompanhar a procissão de Nossa Senhora de Nazaré. Em uma de suas torres, quatro sinos ainda fazem os anúncios fúnebres e solenes no município.

Igreja de Pedra

Inacabada, esta foi a última construção dos jesuítas em Vigia. Erguida em pedra sobrepostas e sem reboco, teve a participação de negros e indígenas. A expulsão da ordem dos jesuítas pela coroa portuguesa, porém, impediu a finalização da obra. Em 1931, parte das paredes laterais chegou a ser demolida para a utilização das pedras na construção da antiga usina de energia e no cais de arrimo do município. Em 1950, devotos arrecadaram recursos para a recuperação da capela, que acrescentou um coro e fechou o arco cruzeiro.

Sociedade Literária 05 de Agosto

Antiga residência do professor Francisco Quintino de Araújo Nunes, natural de Vigia, o imóvel abrigou em suas dependências a Sociedade Literária Beneficente 5 de Agosto, fundada em 1871. A sociedade, que teve Francisco Quintino como o primeiro presidente, congregava os intelectuais vigienses. Posteriormente, o prédio foi vendido e mais tarde desmembrado em dois imóveis.

Poço dos Jesuítas

Com o crescimento populacional da então Vila de Nossa Senhora de Nazareth da Vigia, no século XVIII, e o estabelecimento de várias ordens religiosas, algumas estruturas de serventia comunitária foram criadas pelos colonizadores, a exemplo dos poços para usufruto público que disponibilizavam água na área urbana da vila. A história aponta que existiram pelo menos oito poços que acabaram desativados com o tempo. Um deles, porém, foi preservado e pode ser visitado. Sua obra é atribuída aos jesuítas.

Poço dos Jesuítas
📷 Poço dos Jesuítas |Reprodução

Atual Câmara Municipal

No dia 23 de julho de 1835 foi travada, em torno do prédio do Trem de Guerra, uma grande batalha entre cabanos e autoridades vigienses. O prédio original foi demolido em setembro de 1990 e reconstruído, mantendo algumas de suas características arquitetônicas. Atualmente abriga a Câmara Municipal de Vigia.

Atual Prefeitura

O prédio foi sede da Intendência Municipal de 1890 a 1930, quando foi transformado em Prefeitura. Passou a guardar a sede da Prefeitura e da Câmara de Vereadores até 1970. Já em 1977 o antigo prédio do Paço Municipal foi demolido, sendo reconstruído com as linhas arquitetônicas do anterior.

Fonte: Placas informativas dos pontos turísticos.

VIGIA

Até que detivesse a denominação de Vigia de Nazaré, o município passou por muitas modificações e nomes. O primeiro foi Uruitá, quando o território era uma aldeia dos índios Tupinambá. Segundo Raul, há registros que apontam que após a colonização, um dos primeiros nomes da localidade teria sido Vila de Dom Jorge Gomes d’Alamo, em homenagem ao colonizador. Quando a região foi elevada à condição de Vila, passou a se chamar Vila de Nossa Senhora de Nazareth de Vigia, em referência ao Círio. Quando tornou-se cidade, preferiram deixar apenas Vigia, nome que perdurou até 2000. Após a realização de um plebiscito, o município foi renomeado de Vigia de Nazaré.

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