A magia da Umbanda Amazônica se tornou tema de tese de doutorado na Universidade Federal do Pará, pelo Programa de Pós-graduação em Artes (PPGArtes), do Instituto de Ciências de Artes da UFPA. Com o título ‘Puta, Pistoleira, Dona de Cabaré: a espetacularidade do corpo-cavalo-travestido de Dona Rosinha Malandra no Templo de Rainha Bárbara Soeira e Toy Azaka’, a artista paraense Aninha Moraes conseguiu levar a história de Rosa Luyara, mãe de santo travesti de um terreiro de Umbanda do distrito de Icoaraci, para o universo acadêmico.
Construída a partir de uma linguagem onírica, a tese de Aninha aproxima o mundo acadêmico da pluralidade espiritual da periferia paraense. A pesquisadora paraense une, através da relação siamesa entre a entidade Rosinha Malandra e de sua filha, Rosa Luyara, artes, gênero e espiritualidade. A pesquisa da atriz, que durou mais de quatro anos, foi defendida no dia 19 de janeiro.
O ‘corpo cavalo’ - expressão utilizada para chamar uma pessoa que está incorporada mediunicamente por uma entidade - escolhido para o trabalho de pesquisa, foi justamente o de uma travesti da periferia paraense. Rosa Luyara atribui a Umbanda e, sobretudo, a Rosinha Malandra, sua evolução na vida, as fontes que a ajudam a vencer os obstáculos e preconceitos do local onde vive.
“Acredito que temas como esse não tem muito espaço na academia, mas precisam, principalmente agora que a questão de gênero está vindo à tona. O objetivo é fazer um cruzamento sobre arte, religião e gênero, mostrando a importância política dessa tese pra esse momento que vivemos”, disse à reportagem a artista. Aninha Moraes, que despertou o interesse pelos terreiros durante seu mestrado e acabou por se encontrar na religião durante seu processo de pesquisa, conta que a Umbanda transformou a maneira como ela olha para o mundo.
QUEM É ROSINHA MALANDRA NA UMBANDA?
A entidade Rosinha Malandra integra o que na Umbanda é chamada de linha de esquerda, onde estão os chamados Exús e Pombas Gira, seres considerados próximos das paixões do mundo físico. É o ‘povo da rua’, como os próprios integrantes da religião definem. Na mitologia da religião afro-brasileira, Rosinha foi mulher de Zé Pilintra – entidade que também integra a linha da esquerda na Umbanda – no Rio de Janeiro. Apaixonados, foram viver uma vida de malandros nos morros cariocas.
Apesar do perfil marginal - e talvez justamente por isso -, a Umbanda ocupa um importante papel social na periferia paraense e a tese de Aninha Moraes destrincha essas relações a partir deste característica da periferia. A própria história de Rosa Luyara, protagonista de sua pesquisa, mostra como a espiritualidade marginal tem o papel de aumentar a autoestima de uma sociedade marcada por ser sempre desfavorecida.
“Durante todos esses anos, foram mais de quatro, foi muito interessante perceber a relação delas duas. Uma empodera a outra. A mãe de santo engrandece a entidade e a Rosinha empodera o cavalo. Hoje ela é uma mulher bem definida, que tem seu trabalho como enfermeira, mas imagine, ela começou a receber entidade com 14 anos, muito jovem. No início, era um garoto que estava começando a se travestir, com toda dificuldade que uma pessoa trans enfrenta na sociedade, e hoje conseguiu se transformar numa grande mulher com a ajuda de Rosinha Malandra”, diz Aninha.
ROSA LUYARA: MÃE DE SANTO NA LINHA DE FRENTE CONTRA A COVID-19
Rosa Luyara dedica quase toda sua vida ao trabalho espiritual da Umbanda em Icoaraci. Desde a adolescência recebe a entidade Rosinha Malandra e transita pelos mundos da espiritualidade amazônica. Em seu terreiro, Rosa recebe e ajuda a todos os tipos de pessoas, muitos, inclusive, que enfrentam dificuldades devido a orientação sexual.
Na mitologia da Umbanda, Rosinha Malandra é uma mulher forte e decidida, movida pela paixão por seu homem e pela sede de viver a vida até o último segundo, apesar de todas as dores de uma vida no morro. Rosa Luyara, como a própria pesquisadora define, possui uma relação siamesa com sua entidade. Com força e dedicação, conseguiu quebrar paradigmas e atualmente trabalha como auxiliar de Estratégia de Saúde da Família do Tapanã. “Uma dá força para outra”, Aninha Moraes diz. A pesquisadora, que hoje é uma das filhas de Rosinha, é considerada como uma cientista que leva a mensagem de Luyara ao mundo acadêmico, assim como Luyara levou o de Rosinha para Icoaraci.
“O papel da Umbanda no mundo acadêmico é mostrar que existem muito mais conhecimentos para além da academia, da ciência sistematizada. O papel da Umbanda é mostrar que tem coisas que não se explicam, que se sentem. Esse é o papel da Umbanda no universo acadêmico brasileiro e mundial. A travesti ser a guardiã de um terreiro mostra pra sociedade machista de base patriarcal que essa mulher tem um poder magnífico de transformar pessoas, ambientes e a própria sociedade”, diz a atriz.
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