Um escândalo cabeludo ronda o Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA): a tentativa de arquivar as investigações e os processos contra o Procurador Geral de Justiça (PGJ), Gilberto Martins, às vésperas de deixar o cargo, e de familiares dele, entre os quais o cunhado e ex-secretário municipal de Saúde de Belém, Sérgio Amorim. O caso mais rumoroso é uma acusação contra o próprio Gilberto, a esposa dele, Ana Rosa, o ex-prefeito Duciomar Costa e o ex-vereador Pio Netto: durante meses, Ana Rosa recebeu salários da Câmara Municipal de Belém, apesar de residir com o marido em Portugal. Se o caso for arquivado na próxima quarta-feira, 31, durante uma Sessão Extraordinária do Conselho Superior do MP-PA, que, aliás, é presidido por ele mesmo, Gilberto, o atual PGJ ficará livre de processo, e isso às vésperas de deixar o cargo e encerrar seu mandato no dia 12 de abril. Quem assumirá como PGJ é o promotor de Justiça César Mattar.
O comportamento de Gilberto no apagar das luzes de sua administração tem gerado preocupação nos bastidores do MP-PA, já que ameaça a própria imagem da instituição. Além da tentativa de arquivar “investigações incômodas”, haveria o aparente uso político-partidário do cargo que ocupa. Enquanto Gilberto despeja ações judiciais contra o atual Governo do Estado, ele pouco ou nada fez durante toda a administração do ex-governador Simão Jatene, do PSDB, contra a qual há acusações de desvios milionários de recursos públicos. Só um desses desvios, o que envolve o antigo programa Asfalto na Cidade, teria causado um rombo superior a R$ 1 bilhão aos cofres públicos, em valores atualizados. Além desses, vários outros casos, como os que envolveram o Pró-Paz, que à época era comandado por Izabela, filha do então governador Simão Jatene, ficaram sem investigação ou, para espanto de muitos, terminaram com pedidos de arquivamento, como aliás foi o destino da investigação feita para aputar um telefonema dado por Izabela ao então secretário de Fazenda Nilo Noronha, pedindo a lista dos 100 maiores contribuintes de ICMS do Estado para pedir “um dinheirinho” dos mesmos, sob alegação de apoiar ações do mesmo Pró-Paz. Outro caso que ainda não se sabe o desfecho é o da compra de respiradores pela Prefeitura de Belém, feita pelo cunhado de Gilberto, Sérgio Amorim, durante a pandemia, e que, segundo as denúncias, teriam sido os mais caros do Brasil.
Gilberto foi nomeado PGJ por Jatene, que também o reconduziu ao cargo pouco antes de deixar o governo. Na primeira nomeação dele, o então governador até desrespeitou a ordem da lista tríplice votada pela instituição. Já naquela época, o mais votado foi César Mattar.
Tão ou mais impressionantes são os dois pesos e duas medidas do ainda PGJ. Nos casos em que o atual Governo é acusado, os processos terminam em denúncia de superfaturamento. Quando as denúncias são contra o cunhado Sérgio Amorim, que foi titular da Sesma no Governo Zenaldo, todo e qualquer sobre preço é considerado normal e fruto da grande demanda causada pela pandemia.
No caso que envolve ele e sua mulher Ana Rosa, uma das alegações que utiliza para se defender da suspeita de peculato, é que devolveu todo o dinheiro que a sua mulher recebeu da Câmara Municipal de Belém, quando se encontrava morando em Portugal. A devolução, aliás, só ocorreu anos depois, após denúncia do ex-procurador geral de Justiça Marco Antônio das Neves, e não se sabe se houve a necessária correção monetária.
Contradição
Enquanto acusa outros governantes de compras de insumos com preços acima do mercado durante a pandemia, Gilberto e promotores ligados a ele utilizam essa mesmíssima explicação de preços elevados em razão da alta procura durante a pandemia, para isentar das acusações de superfaturamento o ex-secretário municipal de Saúde, Sérgio Amorim, cunhado dele. É o caso da compra de 200 mil comprimidos de azitromicina, em julho do ano passado, sem licitação, pela Secretaria Municipal de Saúde de Belém (Sesma), na época ainda comandada por Amorim.
Cada comprimido de azitromicina custou R$ 6,51, ou mais de R$ 1,3 milhão, no total. A alta de preços até que poderia realmente justificar esse valor, não fosse por um “detalhe”: a Prefeitura de Paragominas, aqui mesmo no Pará, pagou R$ 3,20 por comprimido de azitromicina, ou menos da metade. E isso apesar de ter adquirido apenas 40 mil comprimidos (e menores quantidades elevam os preços), gastando, no total, R$ 128 mil. Quer dizer: Amorim pagou R$ 660 mil a mais, pelo medicamento. Mesmo assim, a promotora Mariela Corrêa Hage arquivou o caso. E o fez com data retroativa ao dia em que Amorim deixou o cargo: pouco depois da Operação Quimera, em outubro do ano passado, imerso em suspeitas de envolvimento em uma “associação criminosa”, que teria causado um prejuízo superior a R$ 1 milhão aos cofres da Prefeitura de Belém.
Em 2017, o então secretário de Saúde do município de Rio Verde, no estado de Goiás, e o empresário Cleidson Godoy, representante da Pró-Remédios Distribuidora de Produtos Farmacêuticos (de quem Amorim comprou a azitromicina) foram condenados à prisão por peculato, corrupção e organização criminosa, devido a um esquema de entrega de produtos em quantidade inferior à adquirida. A empresa foi proibida, pela Justiça, de participar de licitações e de assinar contratos com o Poder Público, no estado de Goiás. Mas a promotora Mariela, que, aparentemente, nem mesmo investigou a empresa fornecedora da azitromicina para a Sesma, chefiada por Sérgio Amorim, entendeu que não havia provas de improbidade administrativa contra o cunhado do PGJ. Mariela foi nomeada para responder pela 1ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa por escolha de Gilberto.
Três casos de interesse de Gilberto Martins estão na pauta
O arquivamento da azitromicina é um dos três casos de interesse do ainda PGJ que estarão em pauta na reunião extraordinária do Conselho Superior do MP-PA, no próximo dia 31. O recurso contra o arquivamento está nas mãos da procuradora de Justiça Maria do Socorro Martins Carvalho Mendo e ainda não se sabe do posicionamento dela. Mas os outros dois casos têm como relator o procurador Francisco Barbosa de Oliveira, que foi Procurador Geral de Justiça no primeiro governo de Jatene, entre 2003 e 2006. O primeiro é a investigação contra Gilberto e a mulher dele, por “possíveis irregularidades” no fato de ela ter recebido salários da Câmara de Belém enquanto morava em Portugal, país Europeu do outro lado do Oceano Atlântico. O segundo se encontra, sabe-se lá por que, sob sigilo. Mas o DIÁRIO apurou que envolveria uma denúncia da advogada Raquel Araújo da Silva contra Gilberto, por improbidade administrativa.
Segundo a advogada, Gilberto teria contratado 12 novos assessores, em período proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LFR): em abril de 2019, quando o MP-PA havia ultrapassado o “limite prudencial” de gastos com pessoal, que é de 95% do total dessa despesa. Quando isso ocorre, a LFR proíbe admissões ou contratações, excetuando a reposição de servidores da Educação, Saúde e Segurança que morreram ou se aposentaram. O “estouro” do limite estaria documentado na página 44 do Plano Plurianual (PPA) do MP-PA, para o período 2020/2023. Já a nomeação dos assessores, através do Ato 152/2019, estaria publicada na página 102 do Diário Oficial do Estado de 28/05/2019, no qual também constariam várias nomeações para cargos comissionados. Ela sustenta que essas nomeações são nulas e causaramprejuízo ao erário.
Outro problema é que Gilberto também estaria beneficiando um pequeno grupo de promotores com o pagamento permanente e direcionado de diárias de viagem e de “acumulações”, fazendo com que alguns deles recebam mais de R$ 40 mil por mês, ou acima dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja remuneração é o limite constitucional para qualquer cargo público. As diárias, que têm caráter eventual, já que cobrem as despesas de deslocamento a serviço, estariam sendo pagas “de maneira habitual, por anos a fio”. Já as “acumulações”, que ocorrem quando um promotor responde por várias promotorias, estariam se prolongando por meses e gerando despesas desnecessárias, além de beneficiarem uns poucos, em favorecimentos ilegais.
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