O ex-Procurador Geral de Justiça (PGJ), Gilberto Valente, que chefia o Ministério Público do Pará (MP-PA), teria mantido encontros secretos com o marqueteiro Orly Bezerra, que comandou as principais campanhas eleitorais de governadores e prefeitos tucanos do Pará, e hoje é acusado de comandar uma rede de fake news contra o Governo do Estado. A informação explosiva vem sendo ocultada por veículos de comunicação ligados aos tucanos. E pode estar sendo alvo até de uma operação “abafa” pelo próprio MP-PA, que só deixará de ser comandado por Gilberto amanhã, com a posse do novo PGJ, César Mattar.
A história desses encontros começou a ser revelada por acaso. No último 31 de março, o coronel Osmar Vieira da Costa Junior, chefe da Casa Militar do Governo, registrou um boletim de ocorrência, na Seccional de São Brás, para que fosse investigada possível difamação contra ele. No documento, ele relata uma comunicação surpreendente que recebera, em 25 de março, do Serviço de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública (Segup): um funcionário do MP-PA teria ido, na noite anterior, 24, a um apartamento na Doca de Souza Franco, para vazar informações “sigilosas e inverídicas”, relacionadas a um secretário de Estado, para “um blogueiro de nome Orli”.
Ora, naquela noite do dia 24, uma emissora de televisão noticiara que Costa Junior havia sido denunciado à Justiça, pelo MP-PA, por supostas irregularidades na compra de garrafas pet, para acondicionar álcool em gel, durante a pandemia. O coronel ligou os pontos e decidiu fazer o boletim de ocorrência, talvez até à espera de novos bombardeios. O delegado que registrou a denúncia, Marco Antonio Duarte da Fonseca, pediu, então, à síndica do prédio, as imagens das câmeras de segurança. Mas, em 6 de abril, ela respondeu que não poderia entregá-las, porque poderia gerar constrangimento aos condôminos. No entanto, o mais surpreendente ocorreu no dia seguinte: às 11h29m, um homem, que se identificou como Gilberto Martins, telefonou para o celular pessoal do delegado e disse para que ele fosse “imediatamente” ao seu encontro.
No documento que enviou à direção da Segup, naquele mesmo dia 7, o delegado Fonseca relata que se sentiu “intimidado” com o teor da conversa que manteve com Gilberto e que em momento algum a investigação havia sido direcionada àquela autoridade. Segundo o delegado, Gilberto perguntou-lhe “qual o motivo de eu ter solicitado imagens do condomínio, se ele estaria sendo investigado, que sabia que estaria sendo perseguido pelo Chefe da Casa Militar do Estado, coronel Costa Junior, que sabia que um agente da Polícia Federal já teria ido no condomínio perguntar pelas imagens, que teria realmente ido nesse dia para visitar outro membro do Ministério Público do Estado”. A visita teria ocorrido à noite, como ele mesmo contou em um ofício enviado ao delegado, naquele mesmo dia, no qual observa que possui foro privilegiado e diz que a requisição de imagens do condomínio visariam a atingir a sua imagem.
A partir daí, uma sucessão de fatos ainda mais estranhos viria a ocorrer. Ainda no dia 7, o MP-PA ajuizou um pedido de prisão preventiva do coronel Costa Junior, que estaria tentando “intimidar” o então PGJ. Segundo o pedido, o boletim de ocorrência, de 31 de março, revelaria que o coronel usou dos poderes de seu cargo para receber “informações privilegiadas” da Segup, sobre o funcionário do MP que estaria vazando informações a Orly. É que esse funcionário, “embora não esteja expresso na ocorrência”, seria Gilberto, que esteve naquele prédio, no mesmo dia e horário, diz o MP. Além disso, o coronel só teria registrado esse boletim porque, segundo o MP, um vigilante do prédio havia registrado uma ocorrência, em 29 de março. Segundo o vigilante, um policial federal (que está cedido à Segup) esteve na portaria, em 26 de março, pedindo as imagens de um visitante que entrara ali de manhã. O vigilante disse, porém, que só poderia cedê-las com ordem da síndica. No entanto, o relato fica ainda mais esquisito: o vigilante garante que, no dia 28, esse mesmo policial o seguiu em um veículo e por tanto tempo, que teve até de pedir socorro à polícia...
Boletim de ocorrência não cita o ex-Procurador Geral
O problema é que alguns dos fatos narrados pelo MP não são verdadeiros, e outros acabam demonstrando o oposto do que pretende provar. Em primeiro lugar, o coronel não teve acesso a qualquer “informação privilegiada”: como é chefe da Casa Militar, a Segup tem a obrigação de informá-lo sobre quaisquer “incidentes de inteligência e segurança”, como esclarece a defesa dele. Além disso, em momento algum Costa Junior colocou Gilberto nessa história: quem o fez foi o próprio PGJ. Um advogado que acompanha o caso, que está aberto ao público, e preferiu não se identificar, observar que o boletim de ocorrência de Costa Júnior não faz nem mesmo alusões “que pudessem minimamente indicar o nome do mesmo (Gilberto), até porque, naquele momento, não se sabia e nem se poderia imaginar que tal ato pudesse, mesmo em tese, estar sendo praticado por autoridade de tal nível. Em verdade é o Procurador Geral de Justiça que se coloca na condição de ser o eventual servidor do Ministério Público que teria feito a visita ao dito blogueiro (Orly)”.
PROBLEMA
Outro problema é o fato de o MP apontar o coronel como responsável até mesmo pela diligência do policial federal, cedido à Segup, que esteve naquele prédio, no dia 26, porque Gilberto, mais uma vez, estivera ali. Como diz a defesa de Costa Júnior no processo, inexiste qualquer elemento de uma ligação entre o coronel e esse policial, que está até lotado em outro órgão, sobre o qual a Casa Militar não possui ingerência. Porém, ainda mais esclarecedor é o seguinte: se verdadeira a história do vigilante do prédio, ela só demonstra que a Segup realmente investigava o caso, mas não fazia a mínima ideia de que o funcionário do MP que estaria vazando informações sigilosas a Orly poderia ser o próprio PGJ. Afinal, para que o policial seguiria até mesmo um vigilante? Mais provável é que desconfiasse de qualquer um, justamente porque não possuía maiores informações.
“O ponto principal de tudo isso é que um boletim de ocorrência é um direito do cidadão, para saber quem o está difamando. Mas estão criando, em cima disso, um fato que não tem nada a ver com o processo em questão (o das garrafas pets), para tentar que o coronel seja preso a qualquer custo. Isso demonstra é que é ele (Gilberto) quem está usando a instituição de forma indevida”, disse o advogado ao DIÁRIO. Nos documentos fica claro que o ex-PGJ tentou até mesmo intimidar o delegado Marco Antonio Duarte da Fonseca, que, por dever de ofício e sob pena de prevaricar, pediu as imagens das câmeras de segurança daquele prédio.
O PROCURADOR E O MARQUETEIRO
- Gilberto Martins ascendeu ao cargo de PGJ, em 2017, pelas mãos do ex-governador Simão Jatene, que também o reconduziu ao cargo, pouco antes de deixar o governo. Na época, o mais votado da lista tríplice, escolhida pelos integrantes da instituição, foi Cesar Mattar, que amanhã toma posse como PGJ, por ter sido, novamente, o mais votado, no ano passado. Mas, naquela época, Jatene passou por cima da vontade da instituição e nomeou Gilberto. Entre outros motivos, porque seria simpático aos tucanos.
No entanto, as ligações dele aos tucanos seriam bem mais antigas. Ele costuma contar que cresceu frequentando a casa do ex-senador Flexa Ribeiro (PSDB), a quem até chamaria de “tio”. Além disso, seria amigo íntimo de Beto Jatene, filho de Jatene. A própria nomeação do cunhado dele, Sérgio Amorim, para a SESMA, pelo ex-prefeito Zenaldo Coutinho, também se deveria a essas relações.
O problema é que aqueles que conhecem bem Gilberto dizem que ele padece quase que de uma compulsão por inventar histórias. Daí a dificuldade de se saber o que é realmente verdade até nas histórias pessoais que espalha. Mas os fatos, esses sim indesmentíveis, demonstram o quanto é forte essa tendência partidária dele.
Ao longo da administração de Jatene, Gilberto nunca ajuizou qualquer ação contra o então governador, apesar de escândalos como, por exemplo, o Propaz, e o “dinheirinho” de Izabela Jatene, filha de Jatene, e o Asfalto na Cidade, que provocou um rombo de R$ 1 bilhão nos cofres públicos. Mas na semana passada, na reta final de deixar o cargo, disparou várias ações contra o atual governo, um fato jamais visto na postura de nenhum PGJ.
Um dos fatos mais eloquentes da carreira de Gilberto é a perseguição que a administração dele moveu contra o procurador de Justiça Nelson Medrado e o promotor Armando Brasil, que se tornaram alvos de mais de uma dezena de processos disciplinares. Tudo após “ousarem” investigar Jatene e o filho dele, Beto, denunciando ambos à justiça, por improbidade administrativa. Foi o escândalo do Betocard: viaturas da PM e do Corpo de Bombeiros eram abastecidas em dois postos de gasolina do filho do então governador, que, graças a isso, lucraram mais de R$ 5 milhões, entre 2012 e 2014.
- Já o marqueteiro Orly Bezerra foi o coordenador das três campanhas eleitorais de Jatene e o principal artífice de sua propaganda de Governo. Ele também foi o coordenador das campanhas eleitorais do ex-governador Almir Gabriel e do ex-prefeito Zenaldo Coutinho. Depois que Orly elegia esses tucanos, a empresa dele, a Griffo Comunicação, ganhava as milionárias licitações de propaganda dos governos deles. A inacreditável “coincidência” se repetiu durante 20 anos. No entanto, o MP-PA nunca se dignoua investigá-la.
Hoje, Orly é investigado pela polícia, por suspeita de comandar uma rede de fake news contra o atual Governo. O apartamento dele, em que Gilberto teria estado, em pelo menos duas ocasiões, já foi alvo, inclusive, de uma busca e apreensão. E por mais uma dessas incríveis “coincidências”, os encontros secretos entre ele e Gilberto teriam ocorrido justamente às vésperas do ainda PGJ deixar o cargo e ajuizar várias ações contra o atual Governo. Um fato que será, certamente, aproveitado por Orly na campanha eleitoral do ano que vem.
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