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OPINIÃO/ NÉLIO PALHETA

O silêncio contra os inocentes

Maio Laranja chama atenção para o fato de que Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial de abuso sexual contra crianças e adolescentes

Laranja, a cor que caracteriza a campanha social do mês de maio, tem um gosto amargo para as crianças e adolescentes do Brasil, vítimas do abuso sexual e de outros crimes. E os demais meses do ano poderiam ser pretos.

O abuso sexual é comum em todo o mundo, mas nos lugares mais pobres é um problema social muito grave. No interior do país, em comunidades mais vulneráveis, as ocorrências se espalham.

As estatísticas têm proporções de uma crise que confere ao país a segunda colocação no ranking mundial desse tipo de crime, conhecido como ASI (Abuso Sexual Contra a Infância).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), toda criança tem direito à saúde e à vida longe da violência. Mais na prática do que na teoria, o ASI ocorre quando a criança é submetida à atividade sexual sem que ela compreenda que não pode dar consentimento para o ato; e que, como consequência, ela pode ter um desenvolvimento inadequado. ASI é crime que viola as leis e as regras da sociedade. E é tratada também no âmbito da saúde por causar traumas psicológicos ou físicos pelo resto da vida.

Na legislação penal brasileira, “abuso sexual infantil” implica qualquer interação sexual envolvendo criança – equivale ao delito do estupro, assim chamado o ato libidinoso, mesmo que o autor não tenha coagido ou ameaçado pessoa menor de 14 anos.

Segundo notícia recente do site do Observatório 3º Setor, o Disque 100 registra, em média, 500 mil casos por ano. Embora esse número contrarie registros do governo federal, qualquer dado – seja um só, e independente de metodologia – é, de qualquer forma, grave. Bastaria o estupro de um bebê, como o que ocorreu no fim de Abril em Vigia de Nazaré, para se dizer que só o Maio Laranja não basta para chamar a atenção. O problema tem contorno humanitário, moral e não pode ser encarado somente por técnicos sociais, da saúde ou policiais.

A culminância do Maio Laranja será dia 18. A data lembra o “Caso Aracelli”, a menina de oito anos morta em 1973, em Vitória (ES), depois de violentada. Passados quase meio século, crianças e adolescentes continuam sendo abusados em todo o país. Se o problema é permanente e se amplia, a mobilização coletiva não deve ser interrompida após um mês de campanha.

Ocorrências registradas em Vigia de Nazaré, nas últimas duas semanas, são exemplo de uma pequena parcela da tragédia nacional: 12 casos, inclusive de bebês estuprados, por semana.

Apesar da mobilização anual, as violações continuam crescendo ano a ano, como se as denúncias fossem gatilho que dispara o instinto perverso. Pesquisas confirmam que a pandemia contribuiu para o aumento do abuso sexual nos últimos 12 meses. Combater essa violência exige o envolvimento cada vez maior das famílias, escola, justiça, governo, legislativo, igrejas e organizações civis.

O Disque Denúncia foi encampado pelo governo federal em 2003, naquele ano registraram-se no país 12 casos por dia de abuso sexual. Quando o telefone 100 foi implantado, em 2006, os registros diários saltaram para 37; em 2009, foram 82 - crescimento que já preocupava bastante.

Os últimos dados oficiais são de 2019 e foram divulgados há um ano. Das 159 mil violações denunciadas, quase 60 por cento (86,8 mil) foram de crimes cometidos contra crianças ou adolescentes, representando um aumento de quase 14 por cento em relação a 2018. E 11 por centro das denúncias (17 mil) foram de abusos sexuais contra crianças e adolescentes.

A ampliação dos números em quase duas décadas indica que havia uma subnotificação de denúncias antes de o país ter uma rede de atenção, proteção e assistência. Considere-se que há maior envolvimento da sociedade, ainda que seja necessário ampliá-la. É desconcertante, contudo, constatar que os números apontam tendência de crescimento desse tipo de crime.

Estudos brasileiros confirmam que a maioria das vítimas são meninas entre cinco e dez anos; embora em menor proporção, os meninos também são abusados. Especialistas calculam que, atualmente, chegam ao Disque 100 apenas 10% das ocorrências. Apesar do sigilo, ainda há muita gente com medo de comunicar à Polícia ou ao Conselho Tutelar.

POBREZA

A pobreza seria uma das causas de tanto abuso? Ora, a pobreza gera problemas sociais em cadeia. Em países da Europa, as taxas de violações são bem inferiores às registradas nos países mais pobres, incluídas o Brasil.

O abuso sexual acontece em qualquer lugar. Dados do programa Mapeamento dos Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas Rodovias Federais Brasileiras (Mapear) indicam que em 2018 havia no país 2.487 pontos onde as violações acontecem. Em 2018 foram resgatadas nas BRs 121 crianças e adolescentes, de um total de cinco mil, acumulado desde 2009. Embora em queda, o indicador sinaliza que o problema persiste onde as vítimas embarcam não só em caminhão.

Mas, nesta pandemia, é nas moradias que ocorre a maioria dos casos. Na cena doméstica figura, geralmente, um homem adulto da mesma família. Não raro o pai.

O disparo das ocorrências às vésperas do Maio Laranja soa como incômoda ironia. Por isso, a campanha deveria ser tema de um empenho nacional permanente para que se perca o medo de ligar para o Disque 100.

O silêncio é um dos aliados desse tipo de crime. Se ninguém pode ser acusado por ficar calado, a omissão ditará a sentença no tribunal da consciência do omisso. É o silêncio contra os inocentes!

*Nélio Palheta é jornalista. Atualmente, é o Secretário de Cultura e Turismo de Vigia de Nazaré.

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