
Muito se fala sobre a importância de pais e mães criarem seus filhos juntos, mesmo que, enquanto casal, não estejam juntos. É preciso ter um equilíbrio entre responsabilidades do homem e da mulher. Dialogar, trocar experiências e responsabilidades, brincar, educar: são muitos os critérios e deveres que devem ser tomados juntos na hora de criar uma criança.
Porém, apesar de muito se falar sobre o assunto, a realidade ainda é bem diferente. De acordo com dados divulgados pelo IBGE, em 2015, o Brasil ganhou mais de 1 milhão de famílias compostas por mães solo (mães que criam os filhos sem a presença do pai) em um período de apenas 10 anos. No censo de 2005, o país contava com 10,5 milhões de famílias compostas por mulheres sem cônjuge e com filhos.
Alguns dos casos são porque o pai não assumiu a criança. Tem aqueles que o genitor faz o “pai de redes sociais”, que acaba pegando a criança poucos dias no mês, por exemplo, e exibe fotos como se fosse um pai presente. Mas, também, tem aqueles que as mães tiveram que os filhos sozinhas, após o falecimento do companheiro. Esse é o caso da dona de casa Ana Cláudia Aleixo Fernandes, de 50 anos, mãe de três filhas: Dayane, de 28 anos, Ana Carolyne, 25, e Hanna Yasmin, de 23.

Com problema na vista, quando ainda estava na faixa dos 30 anos, ela perdeu completamente a visão do lado direito e hoje enxerga apenas 20% do lado esquerdo. Nessa mesma época, o marido Benjamin dos Santos D. Ferreira, faleceu aos 59 anos, vítima de infarto, deixando as três filhas com apenas 10, 7 e 5 anos.
O que para muitos não era possível, Ana Cláudia provou que era. Criou as filhas e conseguiu que elas entrassem em uma faculdade, mesmo com todas as dificuldades. “Quando ele faleceu foi muito difícil. Nós tínhamos uma mercearia e ele tomava conta e não trabalhava. Dependíamos de lá para sobreviver. E eu fiquei completamente perdida. Tive que assumir, pagar os fornecedores que estava devendo, e ficamos sem nenhuma reserva. A minha filha mais velha tinha 10 anos e era ela que me ajudava. As vezes ela ia no mercado sozinha de ônibus para comprar as coisas, pois, se eu fosse, teria que pagar o ônibus e ela não”, conta.
A dona de casa conta que, após quatro meses do falecimento do marido, precisou fechar o mercadinho. Depois disso, ela foi trabalhar fazendo limpeza na casa de uma família, três vezes por semana. “O dinheiro era muito que ganhava para conseguir sustentar três crianças. Depois eu consegui um emprego na casa de uma senhora que eu ia todos os dias, saindo de casa 7 da manhã e voltava 7, 8 da noite. Quem tomava conta das meninas era a minha filha mais velha, de 10 anos. Então eu resolvi fazer ‘tapioquinha’ para vender aos finais de semana. As crianças me ajudavam, anotavam os pedidos, entregavam para os vizinhos, mas, mesmo assim, a renda ainda era pouca. Eu olhava para minhas filhas dormindo e pensava o que eu ia dar de comer para elas. Foi muito difícil”.
Com a perda da visão, o trabalho de doméstica já não estava sendo possível de realizar, já que ela derrubava e acabava quebrando objetos. Após orientação de uma amiga, Ana Cláudia conseguiu receber um benefício do INSS, de um salário mínimo. Foi com esse dinheiro que ela conseguiu criar as filhas, que hoje já estão seguindo a carreira profissional.
A filha mais velha, Dayane fez curso técnico e se formou em Contabilidade. Já Ana Carolyne está terminando o curso de Tecnologia de Alimentos e Nutrição. A caçula, Hanna Yasmin, faz faculdade de Medicina Veterinária. “Eu fico muito feliz por ter conseguido que minhas filhas entrassem em uma faculdade. Foi uma emoção muito grande no dia da formatura da minha filha mais velha. E aguardo pelo dia que vou ver minhas outras duas filhas se formando. Graças a Deus nós conseguimos superar as dificuldades. Tenho certeza que minhas três filhas são meninas do bem e isso me enche de orgulho”, conta.
Mas os desafios na vida de Ana Cláudia não acabaram aí. Em 2017, a filha mais velha foi diagnosticada com câncer. “Não sei nem explicar o quanto foi difícil aquele momento. Minha filha teve que se operar e eu não podia ajuda-la, cuidar dela pela perda da minha visão. Eu chorava muito no banheiro, mas tentava não demostrar meu sofrimento. Eu fiz uma promessa, que se ela ficasse curada, eu iria raspar minha cabeça, e ela ficou”, diz, bastante emocionada.

“Hoje eu me sinto agradecida a Deus por ter me dado força, por ter me dado sabedoria para cuidar das minhas filhas e fico feliz de saber que elas estão encaminhadas e são do bem. Eu sinto muito orgulhosa das minhas princesas”, finaliza.
ABANDONO PATERNO
Mas nem todas as mães criam os filhos sozinhas são em razão do falecimento do genitor. No Pará, segundo dados do Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (Dieese), mais de 1 milhão de mulheres exercem a dupla função de mãe e pai, são chefes de domicílio.
A pedagoga Marcia Cristina Miranda Lopes, de 56 anos, é uma dessas mulheres (e mães), que criaram os filhos sem a presença da figura paterna. Mãe do jovem Mateus, de 25 anos, que é jornalista, ela conta que foi desafiadora a nova experiência. “Foi fruto de um relacionamento que não deu certo, mas segui minha vida com meu filho. Eu já tinha minha independência financeira, pois trabalhava desde os 17 anos. E quando engravidei já tinha 29, perto dos 30 anos. Então os meus desafios foram no sentido de criar ele, de cuidar, de buscar o que ele precisava em cada fase. Pois, ser mãe, você só consegue entender quando se torna mãe. Então esse aprendizado foi o maior desafio, pois você muda as rotinas, prioridades, há uma mudança de vida, mas ao mesmo tempo, você não perde, é acrescido coisas na sua vida, que você vai se descobrindo. Foi uma experiência que a cada dia me surpreendida”.

Marcia Miranda conta, ainda, que contou com a ajuda dos pais e irmão para criar e educar o filho foram fundamentais. “Eu tive e ainda tenho o privilegio de contar com minha família, com meu pai, minha mãe e meu irmão. Com quatro meses tive que voltar a trabalhar e minha mãe cuidava do meu filho, não precisei buscar alguém de fora para cuidar dele, pois eu passo o dia todo trabalhando fora. Mas eu sempre estive presente na vida escolar dele, na vida dele, mesmo com a rotina de trabalho. Pois imagino que possa ter sido na vida escolar que meu filho possa ter sentido a ausência da figura paterna, ao ver os colegas em uma festa do Dia dos Pais com seus pais e ele não, mas sempre meu pai e/ou meu irmão estavam lá, fazendo esse papel. Talvez meu filho tenha feito muitas indagações nesse sentido, mas essa falta foi ocupada pelo amor dessas três pessoas (avós e tio)”, completa.

Marcia Cristina orgulha-se ao falar do filho e ver o homem que ele se tornou. “Ele é uma pessoa segura, madura, carinhosa. Eu nunca tive um problema com meu filho, nem na adolescência. E eu digo que isso é fruto de tudo que nós pudemos dar e educar. Eu me sinto privilegiada e grata a Deus por ter me dado a bênção de ser mãe dele e por poder contar com meus pais até hoje nesse desafio. Eu não precisei buscar direitos para poder criar meu filho, e, hoje, eu o vejo e sinto muito orgulho, ele é um menino de ouro. Eu olho pra trás e digo assim: não faltou nada, talvez falte a figura e o afeto paterno, mas nada que faça com que ele busque ou pare para pensar nisso. Ele seguiu e estamos aqui felizes. Ele nos ensinando com seu amadurecimentos e cuidando da gente”, diz, orgulhosa.
A pedagoga diz que nunca se culpou por ser mãe solo. “O desafio de ser mãe solteira, eu não senti. Claro que toda mulher quer ter sua família construída, sonha ter seu marido, o pai dos seus filhos. Era um sonho que eu achei que iria se concretizar, mas não deu certo. Mas dessa relação veio uma criança linda, que transformou a minha vida e da minha família”.
Ela completa dizendo que, por trabalhar em escola, sabe e acompanha que tem muitas mulheres que sofrem com a ausência da figura paterna na criação dos filhos. “Vejo muitas mães solos e fico comparando. Muitas dependem financeiramente dos pais, e isso acaba causando brigas. Penso, como sou grata poder ter criado meu filho da melhor maneira possível”.
E esse orgulho também é recíproco, do filho para a mãe. “Eu sinto orgulho de ver que minha mãe me criou e me educou. Quando eu era mais novo, ficava um pouco incomodado quando tinha alguns eventos dos Dias dos Pais e todos os pais dos meus amigos iam, e o meu não. Meu tio e meu avô se revezavam nessas tarefas. Quando eu fiquei mais velho, passei a refletir de forma mais profunda essa ausência. E percebi que é muito mais comum do que eu imaginava. Famílias construídas com ausência paterna. Isso também me fez ter vontade de, caso um dia eu seja pai, aja de forma diferente”, diz Mateus Miranda.
IMPACTO PSICOLÓGICO
A psicóloga Flávia Vieira explica que é desafiador ser mãe solo. “Ser mãe já é uma experiência extremamente desafiadora que as mulher enfrentam, até mesmo pela baixa rede de suporte social e familiar, e ser mãe sem a presença da figura paterna é mais desafiador. E ter que conciliar isso com as multitarefas que estão associadas ao universo da mulher na atualidade faz com que muitas vezes a mulher se sinta sobrecarregada, de ter que dar conta da maternidade, da educação dos filhos, das tarefas são designadas a ela, além da questão profissional, que muitas vezes acaba sendo negligenciada ou deixada de lado”, explica.

Ela completa dizendo que, muitas vezes, a mulher se anula de sua vida por medo após enfrentar o desafio de ser mãe solo. “Muitas vezes, ela se anula na sua feminilidade, no seu auto cuidado e autorrespeito, muitas enfrentam a baixa estima, acham que não podem ser felizes em outros relacionamentos, porque já se decepcionou e fez com que ela tivesse que enfrentar essa batalha da maternidade sozinha”, completa.
Flávia Vieira explica que, infelizmente, muitas mulheres ainda enfrentam o preconceito de ser mãe solo. “A experiência da maternidade, das mães solos, é uma experiência extremamente desafiadora, desumana e até mesmo violenta no sentido de palavras e olhares que ferem, de julgamento, críticas, de solidão. Então ela precisa, além do desafio da rotina, lidar com mais essa sobrecarga externa. Elas precisam se segurar para não cair no precipício, precisam ser fortes, e seguir, pois tem que cuidar delas e de um bebê”.
A profissional explica que, com a pandemia, a sobrecarga nessas mulheres aumentou. “Antes da pandemia, essas mães solos podiam deixar seus filhos na escola para poder trabalhar, mas com a interrupção das atividades escolares, essa mulher foi privada de ter essa rede de suporte escolar, pois, quando ela deixa a criança em uma escola, ela sabe que é um lugar de educação e, ao mesmo tempo, ela pode cuidar da sua vida profissional ou do lar com outras atribuições. E ela teve que tentar dar conta com essa interrupção, ter que seguir a rotina, o que gera um estresse e diretamente afeta o emocional”.
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