Aprovada pelo plenário da Câmara dos Deputados na quinta-feira (12) e, portanto, apta para apreciação do Senado, a Medida Provisória (MP) 1.045/21, apelidada de “minirreforma trabalhista”, é mais uma sinalização do governo federal na direção da redução dos direitos dos trabalhadores, o que preocupa tanto as frentes sindicais como os representantes jurídicos. Destacam-se entre as alterações previstas a possibilidade de trabalho sem direito a férias, 13º e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), e também a contratação sem carteira assinada.
Advogada especialista em Direito do Trabalho pela PUC-MG, Isabela Pimentel explica que, caso a MP seja aprovada pelo Congresso Nacional e convertida em lei ordinária, mudanças como a nova modalidade de contratação, por exemplo, ficam restritas aos novos contratos, com a limitação de 25% do total de empregados. Ainda que tenha aval dos deputados e senadores, ela não vê constitucionalidade na matéria.
“Entendo ser absolutamente inviável, especialmente pelo fato de ser claramente inconstitucional. Novamente presenciamos mudanças arbitrárias na legislação trabalhista, as quais são respaldadas sob o argumento de geração de novos empregos”, justifica.
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Isabela cita a reforma trabalhista de 2017 como prova de que não vinga a ideia de retirar direitos do trabalhador com a promessa de que mais empregos serão gerados. “Na prática, o que ocorre é a precarização da mão de obra, com o aumento significativo de acidentes de trabalho, além de as taxas de desemprego ficarem cada vez maiores”.
Pela MP 1045/21, o trabalhador não fica completamente desassistido do ponto de vista legal, mas tem, sim, seus direitos consideravelmente limitados, como por exemplo com relação ao recolhimento do FGTS. “Caso a contratante seja uma microempresa, será de 2%, enquanto a [Consolidação das Leis do Trabalho] CLT prevê expressamente o recolhimento mensal de 8%”, detalha a advogada.
Isabela Pimentel destaca outro ponto de tensão no assunto férias, direito constitucionalmente garantido. Ela reforça que o legislador constituinte, quando estabeleceu o direito às férias e a obrigatoriedade do pagamento do terço constitucional, o fez por entender que a parcela tem o caráter de segurança, mas também de lazer. Pela CLT, o empregado precisa receber suas férias com certa antecedência, que a lei coloca de dois dias antes do início do período de gozo, e com o devido acréscimo de 1/3.
“Isso porque se entende, dentre outras coisas, que o salário do trabalhador já tem uma destinação: suas despesas ordinárias. Então o terço constitucional vem também com o intuito de garantir que esse trabalhador consiga gozar de maneira efetiva de seu momento de descanso. Com a MP, esse direito é relativizado e, novamente, precarizado, pois ao chamar as férias de ‘recesso’, é retirada a obrigatoriedade do pagamento dentro do prazo legalmente estabelecido, bem como do terço constitucionalmente assegurado. No mesmo sentido, a retirada ou relativização do pagamento do 13° salário também é inconstitucional”, afirma.
Diante dessa sequência de fatos, a especialista em Direito do Trabalho confirma que é cada vez mais importante a população estar atenta às mudanças bruscas nessa seara. Vale lembrar que a reforma de 2017 também foi aprovada às pressas e suprimindo vários direitos.
“A MP 1.045/2021 foi votada pela Câmara enquanto todos os olhos se voltavam para a discussão recentemente levantada sobre o voto impresso. Mudanças como as que estão sendo feitas vão de encontro a diversos direitos assegurados e conquistados com muita luta pelos trabalhadores, e que não podem simplesmente ser retirados no momento em que esses empregados mais precisam de proteção”, avalia Isabela.
Retirada de direitos não é algo a ser defendido
Como o texto ainda está em tramitação no Congresso, a posição do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese-PA) é de que ainda é cedo para avaliar os possíveis efeitos positivos e/ou negativos da minirreforma, porém, por se tratar de uma entidade que assessora tecnicamente as sindicais, há o entendimento posto de que retirada de direitos não é algo a ser defendido.
“Gostaria de dizer que estamos ao lado de toda estratégia voltada à geração de emprego e renda - renda mesmo, e não salário pífio -, mas tomar direitos e aumentar a carga de trabalho, para mim, não é reforma”, opina o supervisor técnico do Dieese-PA, Roberto Sena.
“A defesa do governo federal é que a MP propõe o aumento da geração de empregos, mas ainda sabemos muito pouco sobre o teor dessa matéria, então é muito cedo para avaliar. São quase 14 milhões de desempregados, e por estarmos no apoio da luta sindical, somos contra cortes de direitos e reduções de salário, então é difícil dizer sim ou não neste momento”, complementou, lembrando que o Pará tem acumulado bons números na geração do emprego formal durante todo o ano e também no ano passado, mesmo em meio à pandemia do novo coronavírus.
“O Brasil cresceu com gente tendo férias, salário, direitos, dignidade. A CLT foi praticamente extinta, o desemprego só aumenta, então penso que mirar na retirada de direitos é um pouco complicado”, conclui Sena.
Confira alguns itens da “minirreforma trabalhista” que tramita no Congresso Nacional
- Modalidade de trabalho sem direito a férias, 13º salário e FGTS
- Modalidade de trabalho, sem carteira assinada (Requip) e sem direitos trabalhistas e previdenciários; trabalhador recebe uma bolsa e vale-transporte
- Programa de incentivo ao primeiro emprego (Priore) para jovens, e de estímulo à contratação de maiores de 55 anos desempregados há mais de 12 meses; empregado recebe um bônus no salário, mas seu FGTS é menor
- Redução do pagamento de horas extras para algumas categorias profissionais, como bancários, jornalistas e operadores de telemarketing
- Aumento do limite da jornada de trabalho de mineiros
- Restrição do acesso à Justiça gratuita, em geral, não apenas na esfera trabalhista
- Juízes proibidos de anular pontos de acordos extrajudiciais firmados entre empresas e empregados
- Dificulta a fiscalização trabalhista, inclusive para casos de trabalho análogo ao escravo.
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