Em 1999, o filme Matrix surpreendia o mundo com pancadaria e realidade simulada. A obra das irmãs Lilly e Lana Wachowski também ensinava que do lado de lá, na simulação, pode-se ter uma nova aparência e ser o que quiser. O apagado personagem Neo do mundo real, vivido pelo ator Keanu Reeves, quando lutava na Matrix se transformava em outro, com um visual mais arrojado e habilidades nunca antes imaginadas por ele.
Duas décadas à frente depois do filme, a comparação da matrix da ficção científica com as redes sociais fica cada vez mais fácil. Com o celular nas mãos e alguns aplicativos, qualquer pessoa pode simular a realidade que quiser e se exibir do jeito que quiser.
Em 2013, o canal inglês BBC escolheu como destaque do ano uma palavra que começava a sair do uso restrito das redes e mídias sociais para se tornar uma expressão usada no cotidiano no mundo inteiro: a selfie. O velho autorretrato agora ganhava não só um vocábulo novo para definição, mas também novos sentidos ligados à exibição pública.
Com um terreno preparado por outras redes sociais, como o Orkut, de 2004, e o Facebook, de 2006, o Instagram foi definitivo na arte de se exibir nas redes. Ele foi criado foi criado por Kevin Systrom e pelo brasileiro Mike Krieger e não demorou a virar uma febre mundial e impor um ritmo de produção para as redes depois copiadas por outras plataformas, como o recente Tiktok, lançado em novembro de 2016.
A exibição nas redes trouxe tendências de moda e estética seguidas à risca por muita gente. Entraram em alta as “it girls” ou as “blogueirinhas”, como os brasileiros preferem. A vida perfeita em cenários perfeitos com gente bonita, saudável e descansada passou a ser quase uma obsessão em escala global. Não à toa, doenças e transtornos ligados a exposição desse conteúdo começaram a ser mais frequentes. Ansiedade, depressão, transtornos ligados a perceber a própria aparência, perseguição de padrões estéticos inalcançável e muitos outros passaram a figurar as conversas do cotidiano e em consultórios médicos e de psicoterapia.
Por outro lado, em um movimento reverso, as mulheres começaram a se firmar contra os padrões estabelecidos e também a exibir caras, corpos e formas muito diferentes do que a moda e a indústria da beleza exigem. Perfis afirmativos cresceram em progressão geométrica para dizer não à ditadura da padronização. A gordofobia e outros tipos de discriminação ao que é considerado “diferente” ganharam opositoras e opositores ferrenhos em prol da liberdade de ser o que se é on-line e off-line.
Um novo contato com os fãs
A exibição como marca da segunda década do século 21 também teve seu lado positivo como aproximar artistas, antes reservados e sem contato com os fãs, dos se pública por meio das redes sociais e dezenas de canais de comunicação direta. Uma mudança que também trouxe proximidade e outra leitura sobre a vida de astros e estrelas da literatura, música, do cinema e da televisão, antes encastelados na sua vida estritamente privada.
Um fenômeno da década, que soube aproveitar essa onda e migrou de modelos analógicos de entretenimento para os meios digitais, tornando sua imagem e exibição uma arma poderosa e lucrativa é a artista Gretchen. A rainha do rebolado e bumbum mais famoso do Brasil passou a ser uma celebridade mundial e hoje domina redes e mantém sua carreira e imagem nas redes sociais.
Novos hábitos foram criados também com a chance de se exibir em rede em tempo real. No mundo dos games, os streamings de jogos on-line transformaram adolescentes e adultos em verdadeiros ídolos. Gente simples que passou a falar diretamente em transmissões e gravações pelo YouTube fizeram fama, como é o caso emblemático do piauiense Whindersson Nunes, que com uma câmera na mão conquistou o mudo fortuna e prestígio falando diretamente com seu público com humor.
As indústrias de entretenimento também se moldaram aos novos tempos e uma, em específico, passou por uma revolução: a pornografia. Dos filmes em salas de cinema para produções distribuídas em fitas VHS e DVD, os streamings em sites específicos de exibição ao vivo entortaram a lógica do mercado do prazer e trouxeram para perto os objetos de desejo antes distantes. O evento das cam girls na Internet, mulheres que vendem a própria imagem diretamente aos clientes ou com ajuda de plataformas como o Only Fans, é uma realidade que veio para ficar.
Vazamento de fotos íntimas
Na outra ponta da questão, o volume de dados de imagens criados pela popularização das câmeras também atraiu práticas danosas, principalmente, para as mulheres. O exercício livre da sexualidade somada às facilidades de exibição se chocaram com o machismo e a misoginia de homens e a cultura de punição contra mulheres. Multiplicaram-se casos de ex-namorados e ex-maridos que “vazaram” fotos e vídeos íntimos para expor suas parceiras e se vingar quando contrariados nos relacionamentos. Ou os inúmeros episódios de homens que tiveram acesso de forma ilegal a essas imagens e tentaram chantagear as vítimas do sexo feminino.
Em 2012, a atriz Carolina Dieckman emprestou nome à Lei 12.737/2012. Tramitada em regime de urgência e votada em tempo recorde no Congresso Nacional, a nova legislação alterou o Código Penal Brasileiro, tipificando os chamados delitos ou crimes informáticos para tratar de casos de divulgação sem consentimento de imagens de terceiros. Carolina protagonizou um lamentável episódio de vazamentos de fotos íntimas e tentativa de extorsão e brigou para que as leis brasileiras fossem adequadas para esse tipo de situação.
Em maio de 2011, um hacker invadiu o computador pessoal da atriz e roubou 36 fotos pessoais e íntimas dela, exibindo posteriormente R$ 10 mil para não publicar as fotos. Ela se negou a pagar e as fotos foram “vazadas”, gerando um debate nacional sobre exposição e punição para esse tipo de prática.
Nos últimos 11 anos, com a melhoria das telecomunicações para transmissão de dados e as câmeras acoplada aos celulares cada vez mais sofisticadas, os 15 minutos de fama prometidos por artista e visionário Andy Wahol são mais do que factíveis e acontecem todos os dias em qualquer lugar do planeta.
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