Membro de uma família formada por 14 irmãos, nascido e criado no bairro do Jurunas, em Belém, Benedito Neves Pinheiro, 61 anos, desenvolve há muitos anos a atividade de guardador de carros no mesmo lugar, ao lado da sede dos Correios, no bairro da Campina. Por causa das dificuldades financeiras que a família numerosa enfrentava, ainda criança Benedito encontrou uma forma de garantir o próprio sustento com a função de vigiar e ajudar os clientes a estacionarem os seus veículos naquele perímetro da cidade.
A informalidade sempre esteve presente naquela família. O guardador de carros lembra que o seu pai trabalhava fazendo bicos como, por exemplo, carregar peixe no Ver-o-Peso e reparar bancas de ferragens. A renda não era suficiente para garantir o sustento de todos. Além da rotina puxada de trabalho para uma criança, Benedito relata que começou a ter crises de epilepsia e sofre com o problema até hoje. Por tudo isso, ele cursou na escola apenas o ensino primário, correspondente à época.
Com o passar dos anos, Benedito foi conquistando clientes e é bastante conhecido na área. “Foi primeiramente Deus e eu disse pro meu pai ‘vou procurar um rumo de ganhar o pão, porque assim não dá. A gente fica aqui e só o senhor que fica de um lado pro outro’. Meus pais apoiaram e disseram ‘só não vai te perder’. Graças a Deus cheguei aqui e continuo. Até agora não sou aposentado, estou lutando por isso ao menos pra comprar remédios. Abaixo de Deus, quem mais me ajuda são esses doutores e os funcionários dos Correios, que me conhecem desde molequinho”.
Antes Benedito também lavava e polia os carros. Hoje ele somente repara. E garante nunca ter tido problemas com as pessoas ao longo dessa rotina nas ruas. “Eu chego cedo aqui porque muitos dos meus clientes chegam bem cedo pra trabalhar. Já sou conhecido, não tenho problema com ninguém”, acrescentou ele, que recebe pelo serviço prestado e, também, pela confiança que transmite aos clientes.
INFORMALIDADE
Essa categoria de trabalhadores informais está presente em todas as partes da cidade, sobretudo em áreas de grande movimentação. As histórias se assemelham, já que a ausência de estudos e de oportunidades no mercado formal acabaram levando essas pessoas para a atividade informal.
Atuando há 5 anos como guardador de carros, João Moraes, 62 anos, vive com a companheira no bairro da Pratinha e nutre a esperança de retornar para o mercado de trabalho formal. Natural de Cametá, João cresceu e se criou em Tomé-Açu, nordeste paraense, onde trabalhou na roça. Ele estudou até a quinta série do ensino fundamental. Antes de começar nessa atividade, João trabalhou com carteira assinada em algumas empresas em Belém. Mas chegou um momento no qual ficou desempregado.
A casa onde ele vive atualmente é de propriedade da companheira. O casal divide as despesas. “Não consegui mais trabalhar de carteira assinada e resolvi vir para cá (ser guardador de carros). Trabalhar de carteira assinada é um dinheiro garantido. Aqui tem dias que dá alguma coisa e tem dias que não dá. Acho que não dá pra ganhar nem um salário mínimo (por mês). Mas trabalho também de pedreiro, faço alguns bicos, quando aparece oportunidade, aí dá pra descolar umdinheiro melhor”, disse.
“Quando as aulas estão normais, a gente consegue um dinheiro melhor, porque os pais de alunos ajudam”, frisou João, ao mencionar uma escola próxima do local onde atua como guardador de carros, na avenida Assis de Vasconcelos, entre as ruas Gaspar Viana e 28 de Setembro.
ATUAÇÃO
“Tenho meus fregueses certos por dia, por semana e por mês”
Denis Alberto Bastos, 43 anos, está atuando como guardador de carros também no entorno da Praça da República. Casado e pai de três filhos, ele mora em Barcarena e há dois meses iniciou a rotina de vir para a capital diariamente, exceto aos sábados, para cuidar do ponto de trabalho de seu sogro. Na cidade natal, Denis sempre trabalhou como cobrador e motorista de ônibus, mas recentemente ficou sem ocupação.
“Já fui cobrador e motorista de ônibus. Fiquei por sete anos e meio. Mas minha mãe adoeceu, minha esposa teve uma gravidez de risco e tive de pedir uma dispensa do trabalho. Como não era carteira assinada, na minha volta recebi um cartão vermelho”, brincou.
“Estava fazendo bicos em Barcarena e há dois meses vim pra cá ajudar o meu sogro. Reparo e lavo carro pra ele. Acho a rotina mais pesada porque tenho que sair de casa 5h da manhã para pegar a balsa 5h30, chego aqui umas 7h. Estou esperando pra ver se aparece um trabalho de motorista de ônibus de novo. Aqui é temporário”, contou.
Em outra parte da cidade, mais precisamente ao lado da Praça Felipe Patroni, no entorno do Palácio Antônio Lemos e do Fórum Cível de Belém, Raimundo Pantoja, 58 anos, atua há 36 anos como guardador de carros. Casado e pai de duas filhas, ele segue a sua rotina sempre com um sorriso no rosto. Raimundo reside no bairro do Bengui e sonha com a aposentadoria.
“Sou de Muaná e lá trabalhava na roça, antes de vir pra cá. Aqui formei família e fiquei. Tenho meus fregueses certos por dia, por semana e por mês. Aqui sempre foi muito tranquilo. A gente tem a confiança dos fregueses, que deixam a chave com a gente, reparo e lavo os carros. A gente ganha um salário mínimo. Na pandemia fiquei recebendo auxílio e tinham alguns fregueses legais que ligavam pra ajudar. Eu tive covid, mas foi leve. Quero me aposentar um dia”.
PRAÇA DA REPÚBLICA
Outro local de trabalho de guardadores de carros é o entorno da Praça da República. Um dos guardadores de carros mais antigos por ali é Reginaldo Nascimento, 60 anos, que começou a frequentar a área bem pequeno, levado pelo pai que trabalhava lavando os carros dos professores de uma escola situada na região. Ele mora na Pedreira com a companheira.
“Fui criado aqui. Não estudei muito, fiz até a quinta série, não tive interesse nem tempo. Chego aqui sete horas (da manhã) e saio entre quatro e cinco horas da tarde. A gente ganha entre R$ 25,00 a R$ 30,00 por dia. A chuva atrapalha. Às vezes as pessoas não dão nada quando não têm dinheiro. Mas as pessoas respeitam o nosso trabalho”, declarou.
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