No corredor da movimentada Praça da República aos domingos, a música que emana do meio do grupo de pessoas que caminham apressadas vem do saxofone tocado pelo músico Lucas Mateus Pereira de Oliveira, 20 anos. Diante da oportunidade de usar o próprio talento para garantir uma renda complementar à função de vendedor, o palco encontrado pelo jovem foi o mesmo que abriga artistas de diferentes segmentos, a rua.
Natural de Curuçá, Lucas Mateus aprendeu a tocar o instrumento ainda criança na Centenária Banda de Música Lauro Sodré, daquele município. Ao mudar-se para Belém, já depois de adulto, foi na música que ele encontrou uma maneira de garantir uma renda extra, ainda que a possibilidade tenha surgido por acaso. “Eu comecei a levar o meu sax para a Praça Batista Campos apenas para mostrar o meu trabalho mesmo, mas, quando eu percebi, as pessoas acabavam oferecendo algum dinheiro. Foi quando decidi passar o chapéu mesmo, aquela prática que já é tradicional dos artistas de rua”.
Concentrado nas notas emitidas, o músico parece não perceber a enorme movimentação de pedestres que passam apressados em diferentes direções, algumas vezes até esbarrando uns nos outros. Apesar da pressa habitual, não é raro que um grupo mais atento pare para apreciar a música. Com a experiência de mais de um ano tocando, inicialmente na Praça Batista Campos e, agora, na Praça da República, Lucas Mateus sabe bem o que mais agrada o público. “Eu percebo que as músicas populares e também as internacionais são as que chamam mais atenção”.
Planejamento faz parte do show
A atenção à preferência do público também faz parte da rotina dos músicos Gabriel Dietrich, 25 anos, e Pietro Zanatta, 30 anos, que juntos formam a dupla ‘Na manha’s duo’. Artistas de rua desde a sua cidade natal, a capital paranaense Curitiba, os músicos encontraram no Ver-o-Peso e na Praça da República os locais ideais para dar continuidade à profissão depois que mudaram para Belém.
“Começamos a tocar na Praça da República mais recentemente, há quase dois meses. Mas antes disso a gente se apresentava no Ver-o-Peso. Moro em Belém há quatro anos, mas eu sempre fui artista de rua, desde Curitiba”, aponta Gabriel.
Com os instrumentos cuidadosamente montados na calçada da praça, a dupla toca e canta o repertório que, ao longo da carreira, eles já perceberam que agrada mais. Para que o objetivo de entreter o público seja alcançado, Gabriel conta que todos os detalhes das apresentações são planejados.
“Você oferecer música na rua é um lance que quebra a monotonia do dia a dia, do silêncio e quem curte isso vê e se aproxima e é por isso que a gente sempre se preocupa em colocar o som em uma altura agradável para não ter o efeito contrário, não incomodar”, considera, sem deixar de pontuar que a ideia de se apresentar na rua também é motivada pela necessidade, diante da falta de espaço que, muitas vezes, os artistas enfrentam ao longo da vida. “Eu sempre gostei muito de toda essa galera que faz arte nas ruas, não apenas os músicos, mas também o pessoal do malabarismo, as estátuas vivas”.
Mergulhador
A atuação como estátua viva nunca esteve nos planos profissionais de Édson Neves, 62 anos. A habilidade de controlar muito bem a respiração, porém, fez com que ele acabasse experimentando a prática. Da experiência, surgiu a atividade que é a sua principal fonte de renda já há 25 anos. “Eu sou mergulhador profissional e, por conta dessa profissão, eu aprendi a controlar muito bem a respiração, as técnicas de apneia que me ajudam muito”, conta. “Eu comecei a fazer a estátua viva por curiosidade mesmo. Gostei e há 25 anos toda a minha renda vem disso”.
Conhecido nos locais onde costuma se apresentar, tanto na Praça da República, como na Estação das Docas, Édson conta que hoje já faz outros tipos de performances, como a apresentação com a flauta. “Hoje em dia já não rende tão bem como era no início, mas dá para tirar o meu sustento”.
Malabarismo para garantir os estudos
Também veio das apresentações artísticas de rua o sustento que garantiu a própria criação do estudante e artista de rua Maiko Henrique Lima de Souza, 18 anos. Ele conta que esta foi a maneira encontrada por seu pai para garantir a renda da família quando ele nasceu. Hoje, diante da dificuldade de conseguir um emprego no cenário da pandemia, foi nas apresentações de malabares que o filho também encontrou o suporte necessário.
“O meu pai trabalha com malabarismo há 18 anos, desde que eu nasci. Então eu aprendi a fazer os truques com ele, desde muito cedo”, conta Maiko, ao apontar que ainda hoje o pai se apresenta nos cruzamentos da avenida Generalíssimo. “Hoje, como não tem muito emprego, foi a maneira que eu encontrei, também, de ter uma renda”.
Para que consiga cursar o terceiro ano do ensino médio no período da tarde, Maiko conta que se apresenta nos sinais apenas até as 11h. Iniciando o trabalho às 7h, neste intervalo ele consegue garantir uma renda de R$ 60 a R$ 70 por dia. Apesar do trabalho atual garantir o sustento, ele conta que tem planos de exercer outra profissão no futuro, quer se formar em Ciência da Computação.
“O lado bom de trabalhar na rua é que você faz o seu horário. O difícil é que você depende do clima”, avalia, ao contar que o carinho das pessoas recompensa o cansaço. “Tem um senhor que sempre que passa por aqui e me vê, grita de onde estiver: ‘Viva o artista de rua!’. Com certeza isso ajuda a gente a trabalhar mais feliz”.
VIAGENS
A felicidade em se apresentar diante do sinal fechado fica evidente no sorriso da venezuelana Scarleth Maestre, 21 anos. No caso dela e do companheiro, a vida de artista de rua é, acima de tudo, o modo de vida que eles escolheram seguir. “Eu, meu companheiro e nossos dois cachorros viajamos pelo mundo e a arte de sua é a nossa forma de sobreviver nesse estilo de vida que escolhemos”, conta, ao explicar que a família está em Belém há três meses, mas que já se paneja para seguir viagem rumo a Goiânia. “Com as nossas bicicletas nós viajamos Colômbia, Equador, Peru e agora estamos no Brasil”.
Passando por diferentes cidades, Scarleth conta que as impressões que levará de Belém são as melhores possíveis. “Aqui foi muito bom para nós. Belém é muito próspera, tanto que ficamos aqui três meses. Normalmente a gente passa um mês em cada cidade”, conta a artista, que se apresentava em um cruzamento da avenida Nazaré. “No sinal o que a gente vê é que quem mais apoia são os mais humildes. As pessoas que são taxistas, que trabalham empurrando as carretas. Elas são as que mais ajudam”.
A solidariedade dos que transitam por Belém também é destacada pelo companheiro de Scarleth, o artista de rua André Baía, 27 anos. No caso dele, porém, o carinho com a cidade das mangueiras tem um motivo a mais. “Eu sou de Belém”, conta, enquanto se apresentava em outro cruzamento da cidade, esse na avenida Marquês de Herval. “Eu lembro que sempre vi pessoas fazendo malabares aqui em Belém, mas eu só fui aprender a fazer quando eu saí do Brasil”.
André lembra que aprendeu a arte do malabarismo em Cartagena, na Colômbia. “Eu aprendi a fazer pela necessidade, na verdade. Como eu não falava nada de espanhol, não conseguia emprego, então eu comecei a aprender malabares e segui nisso. Eu fui aprendendo um pouco com a Scarleth, ela foi aprendendo a corda comigo”, conta. “Fazia muitos anos que eu não voltava para Belém e foi muito bom. Gosto de tudo de Belém e foi uma das capitais que nos recebeu melhor, mas agora o nosso coração pede que a gente pegue a estrada de novo”.
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