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Ver-o-Peso completa 395 anos com muita história para contar

O principal cartão-postal de Belém completa 395 anos neste domingo. Tombado pelo Iphan, é a maior feira ao ar livre da América Latina e, além de muita variedade, é fonte de renda de muitos trabalhadores

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Imagem ilustrativa da notícia Ver-o-Peso completa 395 anos com muita história para contar camera Feira tem variedade de produtos | Mauro Ângelo/Diário do Pará

Das frutas nativas até a maniva, o principal ingrediente da maniçoba. A feira do Ver-o-Peso reúne em um só lugar uma grande variedade de sabores, cores, artigos da cultura e iguarias da Amazônia, atraindo olhares de todo o mundo. Em 1977, o Complexo Ver-o-Peso foi tombado como patrimônio histórico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

O mercado, que é conhecido como a maior feira ao ar livre da América Latina e um dos principais cartões-postais de Belém, comemora neste domingo (27) 395 anos.

Produtos típicos da feira do Ver-o-Peso
📷 Produtos típicos da feira do Ver-o-Peso |Mauro Ângelo/Diário do Pará

Agregando toda essa tradição, a vida pulsa no Ver-o-Peso com o costumeiro vai e vem das pessoas. Na hora do almoço, por exemplo, o espaço vira ponto de encontro e o prato mais procurado é o saboroso peixe frito com açaí, na orla do mercado, às margens da Baía do Guajará.

A feira abastece não só os clientes comuns. É também uma das principais fontes de ingredientes frescos para restaurantes da capital paraense.

E, dentro do mercado, é na madrugada que a rotina inicia. Para boa parte dos trabalhadores, a atividade vem passando de geração para geração, como é o caso do feirante Luciano Gomes, 45, que trabalha há mais de 30 anos na feira. Na barraca, ele comercializa maniva cozida e crua, coco ralado e macaxeira. Quando tinha apenas 9 anos, Luciano começou a ajudar os pais, que trabalhavam na feira com uma barraca de produtos de mercearia e outra de legumes.

Luciano Gomes começou ajudando os pais
📷 Luciano Gomes começou ajudando os pais |Mauro Ângelo/Diário do Pará

“Trabalhava de manhã, desde às 4h30, e estudava à tarde. Basicamente, meu trabalho era arrumar a banca. Organizava tudo. A gente cria um vínculo, vai se apegando, se apegando e aqui estamos. Tenho clientes que compram há mais de 25 anos com a gente. Tenho um casal de filhos, que já estão encaminhados. A casa e tudo o que nós construímos, graças a Deus, foi tirado daqui”, disse.

Ao longo desses 30 anos, o que mais marcou para Luciano foi a reforma da feira entre os anos de 1998 e 2002, na gestão de Edmilson Rodrigues, à época.

“Depois que teve a reforma melhorou muito. Só que não foi mantido. As pessoas de fora veem uma foto pela internet, o Ver-o-Peso lindo. Chega aqui e toma um choque de realidade, porque é outra coisa. A gente sente até vergonha. O Ver-o-Peso merece uma organização melhor, segurança melhor e um olhar do poder público com mais atenção, mais amor”, declarou.

POR AMOR

Entre os trabalhadores mais antigos está Raimundo Gurjão, 75, que há 58 anos atua como feirante no local. Natural do município de São Caetano de Odivelas, ele se orgulha de ter sustentado a família e criado os filhos com o árduo trabalho na feira. Emocionado, ele conta que aos 17 anos começou a trabalhar com o “rei da farinha”, na época.

Raimundo Gurjão trabalha desde os 17 anos
📷 Raimundo Gurjão trabalha desde os 17 anos |Mauro Ângelo/Diário do Pará

“Era carregador. Depois disso passei a ter barraca, foi evoluindo e continuo aqui, trabalhando na parte da mercearia. Sou casado e tenho quatro filhos, todos formados. Ainda estou aqui no Ver-o-Peso só pelo lazer, por hobby”, diz ele, que reside em Marituba e é aposentado, mas, ainda faz questão de acordar todos os dias entre 4h30 e 5h para seguir na atividade, por amor.

Algumas cenas presenciadas ali ficaram guardadas na memória do feirante, sejam boas, engraçadas ou ruins.

“Uma história que marcou foi o incêndio da ‘casa Laura’. A dona de lá morreu. Vimos tudo daqui. E lembro também que uma vez veio uma atriz da Globo. Na televisão ela era linda e quando vimos pessoalmente era totalmente diferente”, contou ele, ao recordar da história engraçada.

“Estamos abandonados, precisamos que o prefeito venha pelo menos olhar para a gente, né? Porque aqui é um cartão postal e nós não vemos isso. O turista está se afugentando daqui. Então, precisamos que tenha pelo menos uma pessoa que ouça a gente, que faça alguma coisa”, pediu.

Clarisse da Costa trabalha com ervas e essências
📷 Clarisse da Costa trabalha com ervas e essências |Mauro Ângelo/Diário do Pará

FILHA NA SORBONNE

Conhecida como Tita no setor de ervas, a erveira Clarisse da Costa, 64, trabalha há 40 anos no Ver-o-Peso. Natural do Acará, ela começou a trabalhar na feira a convite de um irmão, reforçando essa tradição familiar compartilhada pelos trabalhadores.

“Na época não tinha trabalho e eu estava com filho pequeno para criar. Graças a Deus criei meus filhos, tenho uma filha formada, o outro está se formando agora. São dois rapazes e uma moça. A minha filha, inclusive, está fazendo doutorado na Universidade de Sorbonne, em Paris. Acho que vou para lá em 2024, se Deus quiser”, afirmou.

Clarisse sempre trabalhou com ervas no mercado e hoje tem a sua própria barraca, onde comercializa diferentes banhos de ervas, além de essências com aromas do Pará.

“Tenho copaíba, andiroba, cheiro do Pará, preparados para massagem, que são muito vendidos. Tem banhos para o amor, negócios, sorte. Temos aqueles clientes fiéis. Teve uma época que eu tive um problema de câncer e parei de trabalhar. E quando a gente se afasta, geralmente, perde clientes. Mas, tem aqueles fiéis que permanecem”, pontuou.

Carmelita Rocha deixou o emprego pelo Ver-o-Peso
📷 Carmelita Rocha deixou o emprego pelo Ver-o-Peso |Mauro Ângelo/Diário do Pará

PROCURA GRANDE

Quem busca frutas nativas e até cascas para artesanato de espécies da Amazônia consegue encontrar na barraca da feirante Carmelita Rocha, 73, que atua no Ver-o-Peso há 50 anos. Entre os produtos que ela comercializa estão a castanha-do-pará in natura, dentro ou fora do coco, jatobá, inajá, seringa, o seru, que é muito utilizado no artesanato, cacau do mato, bacaba do mato, bacuripari (bacurizinho), entre outros.

Os itens são muito procurados, inclusive, por restaurantes da região, segundo a feirante.

Carmelita trabalhou como empregada, mas ganhava pouco. Um tempo depois ela teve a ideia de trabalhar no Ver-o-Peso, onde iniciou vendendo bananas em uma barraca alugada, até conquistar a sua própria.

Produtos típicos da feira do Ver-o-Peso
📷 Produtos típicos da feira do Ver-o-Peso |Mauro Ângelo/Diário do Pará

“Comecei a trabalhar com essas coisas porque procuravam muito e não tinha aqui. Os clientes querem ver como é a estrutura do mato, que é uma coisa difícil para a pessoa conhecer, principalmente o turista. Aqui eu tenho o jupati, o bacuripari, ingá-cipó, murumuru, a castanha-do-pará inteira e cortada. Vem tudo do interior. A casca (coco) da castanha-do-pará é um grande remédio. Cura hepatite, anemia, gordura no fígado. Algumas inflamações. E é bom para o artesanato”, explicou.

Um espetáculo que encanta quem vem de fora

Visitando Belém pela primeira vez, a bibliotecária aposentada Graça Barros, 70, nascida e criada no Ceará, se encantou por Belém e pela riqueza de produtos encontrados no Ver-o-Peso.

Graça Barros veio a Belém pela primeira vez e foi conhecer a Feira do Ver-o-Peso
📷 Graça Barros veio a Belém pela primeira vez e foi conhecer a Feira do Ver-o-Peso |Mauro Ângelo/Diário do Pará

“Fomos à ilha de Marajó e a gente tinha que ficar mais tempo para aproveitar mais. Está sendo maravilhoso conhecer Belém. Uma surpresa muito agradável, que a gente não tinha noção que Belém era o que é. E vocês são muito simpáticos, muito acolhedores. Os sucos são saborosíssimos. Andando no Ver-o-Peso todo, estamos vendo como é extenso. Já tinha ouvido falar e queria conhecer, especialmente, a parte das ervas. Aqueles cheirinhos que a gente coloca na gaveta. É uma feira muito rica, com muitas opções. Vou levando as essências, pegamos cerâmica em Icoaraci, no Marajó. Tudo muito maravilhoso”, elogiou.

Gustavo Fernandes é de Brasília e aproveitou para levar para casa castanha, tucupi e outros produtos
📷 Gustavo Fernandes é de Brasília e aproveitou para levar para casa castanha, tucupi e outros produtos |Mauro Ângelo/Diário do Pará

Já o servidor público brasiliense Gustavo Fernandes, 29, veio pela primeira vez a Belém por motivo de trabalho, e aproveitou para conhecer a feira.

“Um dos motivos que a gente veio foi para poder visitar o Ver-o-Peso, porque é um dos mercados mais famosos que tem na América do Sul, né? Vou levar para casa o tucupi, a castanha, camarão, óleos. A gente está atrás de produtos naturais, da própria região. Estou achando muito bacana, muito organizado, pessoal muito receptivo e simpático. Estamos gostando bastante”, ponderou.

Nadir Silva já viveu em Belém e mora agora em Portugal, mas faz visita à filha e aproveita para dar um pulinho no Ver-o-Peso
📷 Nadir Silva já viveu em Belém e mora agora em Portugal, mas faz visita à filha e aproveita para dar um pulinho no Ver-o-Peso |Mauro Ângelo/Diário do Pará

Após morar durante 30 anos na capital paraense, acompanhando o esposo que, em vida, foi servidor público federal, a cozinheira goiana Nadir Silva, 60, mora atualmente em Portugal com duas filhas.

Ela veio para a capital paraense visitar a terceira filha, que ainda mora aqui, mas que já está com a mudança programada para o continente europeu. Nadir se diz apaixonada, principalmente, pelas frutas e a variedade da gastronomia amazônica.

“Ficam as raízes, né? Estou levando daqui o bacuri, cupuaçu, tapioca, a farinha, açaí, eu levo tudo, né? Geralmente, levo de 10 a 15 quilos de polpas de frutas e lá faz sucesso. Trabalho em um dos restaurantes italianos mais famosos da região onde vivo e lá criei uma sobremesa à base de tapioca totalmente vegana. É um espetáculo. Eu sou mais das coisas naturais. Então, isso aqui é um tesouro. Não há em parte nenhuma do mundo, essa iguaria do Pará”, garantiu.

Carlos Alberto Martins
📷 Carlos Alberto Martins |Mauro Ângelo/Diário do Pará

Segurança na feira

Sobre as reivindicações dos feirantes relacionadas à segurança na feira do Ver-o-Peso, a Guarda Municipal de Belém (GMB) informou que “atua com um posto fixo 24h com quatro guardas por turno. Além disso, o espaço recebe o serviço de patrulhamento preventivo e ostensivo no local, com as equipes da ronda preventiva no centro histórico”.

A nota diz ainda que “diariamente, os agentes circulam na área a pé, com motos e fazem base com viaturas, ou seja, quando a viatura fica parada no local por 1h ou mais, dependendo da movimentação no espaço.

A Guarda Municipal reforça que a população pode acionar as equipes de segurança também pelo número 153 a qualquer hora do dia”.

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