Na Rua Dr. Assis, número 586, bairro da Cidade Velha, em Belém, está erguido um dos maiores símbolos do Ciclo da Borracha na Amazônia: o Palacete Pinho. No portão de entrada, uma placa de ferro passa despercebida aos olhos de quem transita por ali. Nela está escrito “Camilo de Amorim – Constructor. 1897. Pará”. Camilo foi o engenheiro que fez o projeto e 1897 foi o ano da construção. O palacete foi ocupado pela família do Comendador José de Pinho e diz a história que foi palco de diversas manifestações culturais.
Tombado em 1986, o prédio apresenta traços da arquitetura europeia inspirada nos palácios e vilas italianas do século XVI. Este tipo de edificação foi comum em Portugal nos séculos XVII e XVIII. A planta no formato “U” é uma proposta barroca. O casarão, hoje, sofre com a ação do tempo e do abandono, e é apenas um dos vários patrimônios de Belém que estão em condições precárias de conservação.
Ao longo de toda a Dr. Assis, na Cidade Velha, são vários os imóveis abandonados. A um quarteirão do Palacete Pinho, por exemplo, a aposentada Carmem Mendes, de 79 anos, está há duas décadas tentando reformar a fachada da casa que herdou do pai. O imóvel é centenário. “É tombado e por isso a gente não pode fazer nenhuma intervenção. Tudo precisa ser aprovado pelos órgãos de Patrimônio, mas a burocracia resulta numa morosidade que se arrasta por anos”, disse a moradora.
Ela conversou com a reportagem, permitiu a entrada da equipe no imóvel, mas não autorizou a produção de imagens (fotografias). Apresentou uma série de documentos que já levantou para ter autorização da reforma do imóvel, que já está com a fachada se desmanchando. “Dentro de casa, vocês podem ver, é tudo bem cuidado e está em boas condições. O meu problema é a fachada. Acho que vão esperar ela cair para dizer que posso reformar”, reclamou.
Quando deu entrada na papelada, a reforma da fachada estava avaliada em R$ 5 mil, quantia essa que ela tinha na época. No último orçamento feito, a empresa pediu R$ 20 mil para revitalizar a residência e agora além de tentar a autorização para reforma, tenta também conseguir juntar o valor.
Dona Carmem buscou subsídios da Prefeitura para a obra de reforma, mas nunca conseguiu. “Também já tentei financiamento em banco, mas a negociação não foi adiante porque os órgãos de Patrimônio demoram a responder nossos pedidos e eu pedir o prazo para conseguir a linha de crédito. É o último ano para eu conseguir, do contrário à minha idade não me permitirá mais abrir linhas de crédito”, frisou.
“A única coisa que vem, sem falta, é o boleto do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) todos os anos”, desabafou dona Carmem. “Meu pai foi o segundo proprietário da casa. Comprou de um engenheiro que trabalhava numa fábrica e construiu esse casarão”, acrescentou sobre o casarão histórico.
Saque
Ainda na Rua Dr. Assis, mas desta vez na esquina com a Rua Padre Champagnat em frente à Praça Frei Caetano Brandão, o prédio, que já foi sede da Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel) está em situação de abandono. As janelas quebradas e arrancadas. Os vidros já não existem mais.
O taxista Júlio Martins, 64, trabalha há 15 anos no local e diz que já faz dez anos que o prédio ficou abandonado. “Fecharam com tijolos porque usuários de drogas e assaltantes se escondiam aí. Estas pessoas saquearam tudo o que tinha ficado no prédio”, disse.
“É triste ver um patrimônio deste assim. Fica feio e todo mundo perde com isso. Passa turista e faz críticas”, ressaltou. Questionado se já ouviu falar em possíveis obras, Júlio disse que perdeu as contas de quantas vezes viu equipes de engenheiros e técnicos visitando o local, fazendo fotos, tirando medidas. “Fazem um levantamento e somem. Recentemente o prefeito (Edmilson Rodrigues, PSol) esteve aí. Acho que agora a reforma sai do papel”, comentou cheio de expectativas.
Imóveis podem desabar a qualquer momento
No Boulevard Castilhos França, no bairro da Campina, bem próximo à Estação das Docas, em Belém, casarões antigos em situação de abandono e ruínas sujam a paisagem urbana onde a arquitetura colonial tende a dar certo charme para a cidade. Num deles só o que está em pé ainda é a fachada. Dentro tudo já desabou e flanelinhas utilizam o espaço como espécie de almoxarifado gigante.
Um destes guardadores de carros, que não quis se identificar, comentou que trabalha há 22 anos no local e quando chegou por lá as condições da estrutura já eram precárias. “Confesso que às vezes a gente vive a expectativa disso daí cair a qualquer momento”, apontou para a fachada.
No bairro do Reduto, um casarão localizado na esquina da avenida Assis de Vasconcelos com 28 de Setembro, está em situação de ruínas há anos. A fachada está mantida em pé com o apoio de estruturas de ferro que ocupam toda a calçada. Recentemente parte dela desabou e os escombros ainda estão no local. A vegetação já cobriu todas as colunas e paredes.
O imóvel é propriedade particular. O instrutor de artes marciais Pablo Diamond, 44, mora há 3 anos ao lado deste casarão e está preocupado com o risco de desabamentos. “Se cair vai atingir estas casas todas ao redor”, pontuou. “Tem ainda uma questão social muito grande, pois usuários de drogas e assaltantes se escondem aí. Andar por aqui, à noite, é um perigo. Nunca vi nenhum proprietário do imóvel vir aqui dizer o que vai fazer”, completou.
Na Travessa Piedade, também no Reduto, a fachada em ruínas de um casarão do início do século passado virou até peça de arte com grafite, pintado há cerca de três anos. Porém, nem os desenhos conseguiram esconder por muito tempo a condição de abandono do imóvel, que fica entre as ruas Ó de Almeida e Senador Manoel Barata. Em frente ao casarão, um sapateiro trabalha há pouco mais de dois anos. Sem aceitar dar entrevistas, ele comentou que os donos do casarão aparecem no local esporadicamente para checar como está. “Mas mandar consertar ou reformar, não comentam nada não”, disse.
A situação é tão complicada que até vegetais já cresceram na parede, o que pode acelerar o processo de queda da estrutura.
Projeto prevê reforma e revitalização de 16 prédios históricos
Na Rua Manoel Barata, entre as travessas Rui Barbosa e Benjamim Constant, é também somente a fachada de dois casarões antigos e vizinhos que se mantêm em pé – e isto em condições precárias. A arquitetura de um deles traz colunas do estilo neoclássico. No terreno ao lado das edificações funciona um estacionamento privativo.
Ao longo da Avenida José Malcher, são vários os prédios históricos abandonados. Um levantamento feito pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), entre 2020 e 2021, aponta que a capital paraense tem 104 casarões em situação de abandono ou em péssimo estado de conservação. Sendo alguns sem uso.
Projeto
A maioria dos que estão sendo utilizados são prédios comerciais. A minoria serve como residência. É por este mapeamento do Iphan que a Fumbel pretende trabalhar a questão do patrimônio na capital paraense.
Atualmente, há um projeto de reforma e revitalização de 16 prédios históricos onde passarão a funcionar órgãos da Administração Municipal e espaços de cultura e lazer. O Palacete Pinho e dois casarões na Passagem Bolonha estão inseridos na empreitada, bem como o Memorial Magalhães Barata, em São Brás.
Teatro
Praticamente escondido pelas árvores por prédios modernos, o Teatro São Cristóvão, no bairro de São Brás, foi palco de grandes manifestações culturais genuinamente paraenses e da militância política contra a ditadura militar. Construída em 1913 e inaugurada em 1958 na arquitetura art décor, a edificação, hoje, é retrato do abandono do patrimônio e da memória da cidade.
É conhecido também como “Teatro dos pássaros”, pois por duas décadas foi o local onde se apresentavam os cordões de pássaros juninos e grupos folclóricos. O que ainda resta, visto de fora, é a fachada cheia de infiltrações e coberta por uma vegetação.
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