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TRADIÇÃO EM BELÉM

Quadrilhas juninas vivem a alegria e ansiedade do retorno

Há dois anos não acontecem os concursos de quadrilhas devido à pandemia. O 18º Concurso Estadual de Quadrilhas Juninas está marcado para os dias 17 de junho a 3 de julho.

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Imagem ilustrativa da notícia Quadrilhas juninas vivem a alegria e ansiedade do retorno camera A costureira Tininha Lima faz peças para se ajustarem aos pares, como os brincantes Wagner Santos e Larissa Santiago. | Wagner Santana

A costura se intensifica nos bastidores. No mesmo ritmo em que as agulhas dão os últimos ajustes em saias rodadas, também seguem os ensaios das quadrilhas juninas, mais que ansiosas pelo retorno do São João, em especial os grandes concursos, que desde 2019 não elegem suas campeãs. O 18º Concurso Estadual de Quadrilhas Juninas já está marcado para os dias 17 de junho a 3 de julho, na sede da Fundação Cultural do Pará. O edital foi publicado no último dia 12 e mantém as inscrições abertas até 1º de junho. “A expectativa é grande, de fazer um bom trabalho, que seja um belíssimo São João. Até porque a gente é a atual campeã de Belém, no concurso municipal de 2019. Estamos na expectativa de manter o posto”, destaca Lucas Alves, marcador e presidente da Encanto da Juventude.

Os ensaios começaram em janeiro para boa parte dos grupos. “A gente está montando o cenário de abertura e o final da apresentação”, conta Daniele Miranda, presidente da Pipocando Junino, da Terra Firme. “Dá um pouco de nervosismo, ansiedade, está faltando brincante ainda, mas vamos encontrar e creio que vai dar tudo certo. Ensaiamos no estacionamento em frente à delegacia do bairro, próximo à Perimetral, local que a polícia nos cedeu, pois estávamos sem local seguro, ensaiando na rua”, conta.

E conseguir espaços para ensaiar é apenas uma das muitas fogueiras que essa turma tem que pular antes de chegar às premiações. “É muito difícil, então acabamos ensaiando atrás do Mercado de São Brás. Tem algum policiamento por ali e cobertura onde se abrigar nesse tempo instável, de chuva”, conta Lucas Alves, sobre os ensaios da Encanto da Juventude, que é do Guamá. Sobre a falta de brincantes, Daniele Miranda acredita que esse distanciamento de dois anos na pandemia pode ter sido determinante para a perda de interesse. “E a gente sabe que é uma dificuldade que muitas quadrilhas estão passando”.

Dança circular: bem-estar com o corpo em movimento

A temática deles para este ano, que teve até festa de lançamento, dia 15, será “Luto, Amor, Esperança e Fé”, referindo-se justamente à covid-19. “Nossas três misses irão vestidas de esperança, amor e luto. O nosso marcador vem vestido de médico e a quadrilha toda em traje que remete à fé, nas cores azul e branco, de um lado estampado o fogo e do outro uma cruz”, detalha a presidente.

Mesmo as celebrações remetem a este momento, como é o caso da Encanto da Juventude, que para seus 30 anos traz o tema “Bodas de Pérola”. Lucas Alves diz que serão contadas na apresentação desde as dificuldades do quadrilheiro até o amor pela sua quadrilha. “Nós perdemos muitos pais e mães de brincantes, por isso alguns não voltaram, outros preferiram ficar por trás, ajudando. Estar de volta ao São João é um acalanto, pois eram pais que vinham, dançavam, deixaram esse legado aos filhos”, comenta.

ESQUENTA

E este mês, o clima já é de fogueira acesa entre os quadrilheiros. “A gente já começou a se apresentar no que a gente chama de concursos de ensaio, ou ‘sujo’, em maio. São os presidentes de quadrilha que acabam produzindo esses concursos nos bairros, antes do São João oficial, para os grupos irem pegando tempo de quadra, sentindo o peso da roupa”, explica Lucas Alves.

Com duas vitórias nos concursos de sujo e o segundo lugar em outro, a Tradição Junina do Bengui também está a todo vapor. “Estamos com o tema ‘O Cravo e a Rosa’ nos concursos de ensaio. Já para os concursos oficiais vamos apresentar o tema ‘Das Tradições do Sertão, a Melhor é o São João’. A expectativa é a melhor possível, até porque a Prefeitura de Belém [que realiza seu concurso através da Fumbel] já adiantou que os grupos vão voltar a disputar na Praça Waldemar Henrique, que é a praça dos quadrilheiros”, celebra Kleber Dias, presidente, coreógrafo e marcador da Tradição Junina do Bengui.

Tradição mantida com parceria

Paralelo aos ensaios, os figurinos vão sendo confeccionados, os da Pipocando Junino começaram a ser feitos em março, momento que o grupo conseguiu arrecadar o necessário para os primeiros materiais, “com a ajuda dos nossos brincantes”, explica a presidente, Daniele Miranda. “Alguns fazem rifa, sorteios, comidas para vender, para a gente poder pegar as roupas com a costureira”, completa.

A costureira Tininha Lima, 63, vai fazendo cada peça para se ajustar aos pares, como os brincantes Wagner Santos, 24, e Larissa Santiago, 18.

Os grupos começam confeccionando os trajes do primeiro casal, “guardado a sete chaves”, pontua Lucas Alves. Depois de aprovado e com mais recursos em mãos, os demais vão sendo feitos. “E a gente só começa a divulgar como eles são no 1º de junho, quando começam os concursos oficiais”, completa. Estes são os chamados trajes de “limpo”; diferentes dos trajes de “sujo”, mais simples, utilizados nos concursos de ensaio. “Estamos dançando o sujo já de olho na roupa do limpo. E com muita dificuldade. Tudo está caro e não foi diferente com os materiais da quadrilha, como arranjos, tecidos, até a linha está cara”, comenta o quadrilheiro Arivaldo Ferreira, o seu Ari, da Tradição Junina do Bengui.

ESTILIZADO

A escolha de temas norteia tudo na apresentação das quadrilhas. “O nosso tema vai ser uma continuidade do que usamos no concurso de ensaio, o ‘Pesadelo’. No traje, usamos prata, branco e preto para remeter à noite”, revela Lucyelem Barbosa, da diretoria da quadrilha Amor de um Mensageiro, da Pedreira. A escolha também serve de base para uma encenação inicial às apresentações e na inclusão de novos passos e músicas remixadas ou no formato de pot-pourri, inclusive para agregar ritmos que estejam em alta, como já ocorreu em anos anteriores, com o sertanejo e o funk.

“Precisa ter os passos tradicionais, como a grande roda, o balancê, o serrote, a chuva, mas a gente sempre tenta estilizar um pouco mais a dança para abrilhantar o espetáculo”, comenta Lucyelem.

Outro exemplo é a Balão de Ouro, do Mangueirão, que trará como tema “Nordeste - as redes e rendas”, falando das rendeiras da região vizinha, sua cultura, origem e trabalho. “A gente vem trazendo rendas nos trajes, pedaços de rede. Na coreografia, incluímos movimentos parecidos com os delas usando os bilros para tecer a renda”, revela o vice-presidente da quadrilha, Diogo Cadete.

Um amor que move gerações

Para todos os grupos, qualquer que seja o traje ou história contada, o importante é que transpareça no São João a relação de amor que os brincantes têm com suas quadrilhas. Daniele Miranda conta que a Pipocando Junino existe há sete anos por incentivo de seus amigos. “Eles gostam muito de dançar quadrilha e me chamaram para montar uma na Terra Firme, eu gostei da ideia e entrei. Até hoje estou ajudando na organização”. Lucyelem Barbosa conta que ela e os amigos colocaram a quadrilha Amor de um Mensageiro na rua para homenagear o antigo presidente da Mensageiros do Amor, Alferes de Medeiros, que faleceu em 2019. “Ele merecia essa homenagem por ter criado uma quadrilha que já tinha 39 anos de resistência”.

Lucas Alves, da Encanto da Juventude, lembra a quem vem de fora desse universo quadrilheiro que muitas pessoas vivem do São João. “Tem gente fazendo roupas, sapatos, sendo coreógrafo, estilista, maquiador. É uma felicidade estar fazendo o que a gente ama, que é o São João”, diz ele. “O sentimento é de gratidão, por colocar os brincantes na rua. Eu era brincante, me tornei Miss Simpatia e hoje estou na diretoria. É bom trazer os brincantes de volta, isso é algo muito significativo, ajudar a manter o São João vivo”, afirma Lucyelem Barbosa.

E a expectativa é enorme em saber que o São João volta a ter seu público completo. “Foi difícil passar por tantas perdas, de brincantes, familiares. Estamos aguardando a hora de pisar no palco e sentir mil e uma emoções, a chamada do nome da quadrilha e ouvir a música tocar. Certamente vai passar um filme na cabeça de cada um”, diz Diogo Cadete. “A gente vem com muita humildade, mas forte, porque trabalhou muito, desde o início do ano, ensaiando, se preparando. Vamos em busca do nosso espaço e, claro, do primeiro lugar”, projeta Diogo, sobre este ciclo que eles vivem anualmente até o último apito do marcador.

Possivelmente o quadrilheiro mais antigo na ativa, Arivaldo Ferreira, o seu Ari, grande estrela da Tradição do Bengui, por exemplo, anuncia que o retorno do São João é também sua despedida. “Eu danço desde 1988 e o que me motivou foi dançar quadrilha no colégio, me fez querer dançar na minha rua também. Eu amo dançar quadrilha, são mais de 30 anos dançando. E esse ano em particular porque será o último, estou com 49 anos e decidi me aposentar (risos)”. Nessa trajetória, Ari já passou por inúmeras quadrilhas, como a Rosa de Ouro da Cremação, os Matutos de São Brás, a Buscapé no Bengui, a Trapo da Marambaia, a Sedução Ranchista do Jurunas e agora aposenta o chapéu de palha no Bengui.

Ele diz que os melhores momentos para os quadrilheiros são os ensaios, ao mesmo tempo levados muito a sério e cheios de bom humor. “E também depois, quando a gente acaba de dançar, tem as resenhas pós-concurso, bato um papo com todos que dançam, não só da minha quadrilha”.

Ari destaca ainda a felicidade de se despedir do traje retornando à Praça Waldemar Henrique, para o concurso municipal - ainda sem data anunciada. “É o local que todas as quadrilhas amam!”, diz ele.

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