A súbita redução do ICMS dos combustíveis para o teto de 17% não trará uma queda significativa dos preços desses produtos. E o pior é que vai desequilibrar as finanças dos estados e municípios, com graves prejuízos a toda a população. Segundo um levantamento do Instituto Combustível Legal, divulgado pela rede de TV CNN, a queda máxima do preço do litro da gasolina, por exemplo, será de R$ 1,15, no estado do Rio do Janeiro. As outras maiores quedas ocorrerão nos estados de Minas Gerais (R$ 0,94), Piauí (R$ 0,91), Rio Grande do Sul (R$ 0,86) e Goiás (R$ 0,85). Em São Paulo, o mais rico estado do País, ela será de apenas 48 centavos.
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Só no Pará, a perda de ICMS atingirá quase R$ 1,2 bilhão, até 2024, nos 144 municípios, diz um levantamento da Federação das Associações de Municípios do Estado do Pará (Famep). Parte dessas perdas ocorrerá já no próximo semestre: mais de R$ 209 milhões. A mais prejudicada será a cidade de Parauapebas, no Sudeste do Pará, que perderá quase R$ 175 milhões até 2024, sendo mais de R$ 31 milhões ainda neste ano. Em segundo lugar, vem Belém, com uma perda de R$ 131 milhões de ICMS até 2024, sendo quase R$ 23,4 milhões no próximo semestre.
A redução do ICMS (Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) está prevista no Projeto de Lei Complementar (PLP) aprovado pela Câmara dos Deputados, no último 25 de maio, e que agora tramita no Senado Federal. O projeto limita em 17% a alíquota de ICMS para combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo, que passam a ser considerados bens e serviços essenciais. Hoje, segundo o site do Instituto Combustível Legal, a menor alíquota de ICMS da gasolina tipo C, por exemplo, é de 25%, nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Roraima, Santa Catarina e São Paulo. A maior, de 34%, é cobrada apenas pelo estado do Rio de Janeiro, onde é esperada a única queda de preços acima de 1 real por litro.
FONTE
O ICMS é a maior fonte de receitas próprias dos estados e municípios. E a limitação em 17% para a energia e os combustíveis, pode até “quebrar” alguns estados, segundo afirmou, ao jornal O Globo, o advogado Fernando Zilveti, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). É que, em alguns estados, a energia e os combustíveis representam 80% do ICMS recolhido. “Muitos estados não seguram essa redução porque estão comprometidos com folha de pagamento, além das despesas obrigatórias com saúde e educação. Podem até quebrar.
REAIS CULPADOS
O problema não é considerar esses bens e serviços como essenciais, porque eles de fato são, ou até reduzir impostos. O problema é a maneira apressada como isso está sendo feito; o prejuízo que causará aos estados e municípios; e a certeza de que essa medida não conterá a alta de preços. O próprio autor do projeto, o deputado federal Danilo Forte, do União Brasil (CE), disse à imprensa que estima uma queda de 9% a 12%, no preço da gasolina, e de 11% no preço da energia. Isso se as empresas baixarem seus preços, em iguais percentuais.
Mas nada garante que essa redução não acabe engolida pela inflação e por novos aumentos. Em novembro do ano passado, para tentar conter a alta dos preços dos combustíveis os governadores congelaram o ICMS desses produtos. Mas de nada adiantou: os estados perderam quase R$ 19 bilhões de arrecadação, e os preços continuaram a subir. Isso porque a principal responsável por esses constantes aumentos é, na verdade, a Petrobras.
Em outubro de 2016, após o impeachment da presidenta da República, Dilma Rousseff, a Petrobras adotou o Preço de Paridade Internacional (PPI). Com isso, passou a reajustar os preços dos combustíveis, nas suas refinarias, de acordo com o preço do barril de petróleo no mercado internacional, cujo comércio é feito em dólar.
Para piorar a situação, o real sofreu forte desvalorização em relação ao dólar, como parte da política econômica do presidente da República, Jair Bolsonaro, que alega pouco poder fazer contra a alta de preços dos combustíveis, apesar de o Governo Federal ser o maior acionista da Petrobras e até indicar o presidente da empresa. A mais recente desculpa de Bolsonaro é o aumento do preço do petróleo, devido à guerra da Ucrânia. Mas uma Nota Técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), datada de março do ano passado, comprova que o problema já se agigantava muito antes dessa guerra.
Segundo o documento, entre outubro de 2016, quando a Petrobras adotou o PPI, e 2 de março do ano passado, a gasolina subiu 73,3%, nas refinarias da empresa; o diesel subiu 54,8%, e o gás de cozinha, 192%. No mesmo período, a inflação foi de apenas 17,7%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma situação difícil de entender já que, em 2019, diz o Dieese, o Brasil se tornou o 10º produtor mundial de petróleo, além de possuir o 9º maior parque de refino e de exportar 1 milhão de barris por dia. Além disso, entre 2016 e 2020, o custo de produção, nas refinarias da Petrobrás, caiu 31%.
No ano passado, graças ao PPI, a Petrobras teve um lucro recorde e distribuiu mais de R$ 101 bilhões em dividendos aos seus acionistas, diz a FUP. Já no primeiro trimestre deste ano, o lucro líquido da empresa foi de R$ 44,5 bilhões, 41,4% acima do trimestre anterior.
MAIORIA DOS IMPOSTOS FICAM COM O GOVERNO FEDERAL
São os municípios que cuidam de praças, iluminação pública, limpeza das ruas, ensino básico, UPAs, prontos socorros, enquanto os governos estaduais tratam do saneamento, fornecimento de água, segurança pública, atendimento hospitalar, ensino médio e até universitário, construção e manutenção de estradas, por exemplo. Mesmo assim, é o Governo Federal quem abocanha a maioria dos impostos recolhidos da população. Só para este ano, o orçamento do Governo Federal supera R$ 4,8 trilhões. Já os orçamentos de todos os 27 estados e Distrito Federal somam cerca de R$ 1,120 trilhão.
A disparidade de caixa obriga a que os estados tenham de recorrer ao Governo Federal, para a execução de obras de maior porte, ou até diante de graves dificuldades financeiras. Nos bastidores políticos, o que se comenta é que um dos principais objetivos da redução do ICMS é submeter os estados a uma grande aflição financeira, para que os governadores sejam obrigados a recorrer ao Governo Federal.
O projeto que reduz o ICMS tem o apoio dos parlamentares do Centrão, para os quais o atual presidente liberou bilhões de reais, neste ano eleitoral. Assim, é possível que seja aprovado rapidamente também pelo Senado. Um verdadeiro rolo compressor. Afinal, como disse à CNN o economista Alexandre Schwartsman, tudo o que os estados poderão fazer para compensar, sozinhos, essas perdas é “basicamente, sentar na sarjeta e chorar”.
Segundo Schwartsman, as perdas de ICMS, que estão estimadas em R$ 65 bilhões a R$ 85 bilhões, praticamente eliminarão o superávit dos estados, gerando uma situação “absolutamente devastadora”, além de não resolverem a alta dos preços dos combustíveis, “que não tem rigorosamente nada a ver com o ICMS”. Para ele, tudo o que se vai conseguir com essa redução tributária é “ferrar” as contas dos estados e “provocar um desastre, e um desastre que não será daqui a 5 anos, mas que nos espera já no ano que vem”.
A situação é ainda mais preocupante porque tais perdas ocorrerão em meio a uma inflação galopante, fome e desemprego elevado. Mas não é “apenas” isso. O Poder Público, em todas as esferas, tem de obedecer, por força de lei, a um planejamento de seus gastos. Um dos principais instrumentos de Planejamento é o PPA, Plano Plurianual, que define quais os objetivos para os próximos quatro anos, e como é que eles serão alcançados. É com base no PPA que os estados e municípios elaboram seus orçamentos anuais: eles estimam os recursos que obterão, e distribuem esse dinheiro pelos diversos setores, programas e ações em que deverão ser gastos.
A redução do ICMS, no meio de um ano e distante da elaboração do próximo PPA, pega o bonde andando e o obriga a desacelerar, ou até mesmo a parar. Até porque grande parte dos orçamentos dos estados e municípios são feitos de recursos que não há como remanejar. Ou porque são “verbas carimbadas” que têm de ser aplicadas em um determinado setor (como é o caso do dinheiro do Fundeb) ou porque se destinam ao pagamento de obrigações inescapáveis, como é o caso dos salários do funcionalismo.
Assim, a súbita perda de recursos pode obrigar a cortes no “custeio”, que são as despesas para o funcionamento da máquina pública: luz, água, combustíveis, materiais para os hospitais, por exemplo. Pode, também, obrigar à redução dos investimentos: em geral, obras de construção civil, que aquecem a economia, geram milhares de empregos e melhoram a qualidade de vida da população.
Ainda pior, porém, é se nem tais cortes resolverem o problema e a redução do ICMS provocar, como diz Schwartsman, a “eliminação do superávit” dos estados. Porque isso significa que vários deles se tornarão deficitários, ou ainda mais deficitários, o que será o caos.
SEGMENTOS
Nos cálculos do Governo do Estado, a redução do ICMS dos combustíveis, energia e telecomunicações provocará a perda de até R$ 1,760 bilhão, em seis meses, e de R$ 2,759 bilhões, em um ano, para o Pará.
Para tentar compensar isso, diz o secretário estadual da Fazenda, René Souza Junior, será preciso aumentar as alíquotas de ICMS “de outros segmentos”. É que o texto aprovado pela Câmara dos Deputados só prevê compensação, pelas perdas arrecadatórias, aos estados que acumulam dívidas com a União, ou que se encontram em regime de recuperação fiscal, o que não é o caso do Pará.
O secretário observa que a redução da alíquota atingirá também os municípios, que recebem 25% do ICMS arrecadado. Ainda segundo ele, a mexida tributária levará a perdas expressivas nos valores aplicados em saúde e educação e nos repasses para outros poderes, como o Judiciário e a Defensoria Pública, o que terá impacto nos serviços oferecidos à população mais vulnerável.
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