O “Delegado Caveira”, como é mais conhecido o deputado Lenildo Mendes dos Santos Sertão, fez carreira na política com a bandeira do combate à corrupção, mas pode acabar cassado por participação em uma suposta fraude, para desviar dinheiro público. Em 2016 e 2018, quando se elegeu, respectivamente, vereador do município de Xinguara e deputado estadual, ele se declarou branco, ao Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE-PA). Mas no ano passado, quando se elegeu deputado federal, “descobriu-se” pardo. E a nova cor lhe rendeu meio milhão de reais em recursos públicos, que foram doados para a sua campanha pelo seu partido, o PL.
O dinheiro foi subtraído da cota partidária destinada, por lei, a candidatos pretos ou pardos. No início deste mês, o MDB ajuizou um processo, no qual pede a cassação de Caveira, por fraude e abuso de poder econômico.
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O DIÁRIO teve acesso a documentos que mostram a possível fraude. Eles constam no processo 0601081-57.2022.6.00.0000, de prestação de contas do PL ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 28 de julho do ano passado, quando requereu o registro de seus candidatos, pela Justiça Eleitoral, o PL escreveu que Caveira seria da “cor/raça parda”, e o deputado declarou que todas as informações daquele documento eram verdadeiras.
Mas, em 16 de agosto, ao anexar novos documentos ao seu processo de candidatura, Caveira juntou uma autodeclaração racial, na qual afirmou que não possui “características físicas externas (fenotípicas) de pessoa afro-brasileira, não estando inserido na condição preto ou pardo, tendo como características físicas externas a cor branca”. Mesmo assim, em 23 de agosto, diz um “Relatório de Repasses Financeiros”, o PL doou R$ 500 mil à campanha de Caveira, oriundos da cota destinada a “Homens Negros”, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).
AÇÕES
Nem bronzeamento artificial produziria um efeito tão rápido, sem mandar o sujeito direto para o hospital. Mas o que poderia parecer mera confusão ou burrice, assume contornos de fraude, quando se tem em mente outras informações.
O MDB ajuizou duas Ações de Impugnação de Mandato Eletivo (AIMEs) sobre o caso. Elas estão assinadas pelos advogados André Ramy Bassalo, Edimar de Souza Gonçalves, Bianca Ribeiro Lobato, Leonardo Maia Nascimento e Ana Rebecca Manito Litaiff. As AIMEs apontam as fraudes na cota de gênero e no uso dos recursos das candidaturas femininas. Pedem a anulação dos votos do PL, além da cassação dos deputados estaduais e federais eleitos pelo partido. Mas vão além e revelam o impressionante caso do deputado Caveira, que teria até “mudado de cor”, para obter mais dinheiro para a sua campanha, à custa dos direitos de pretos e pardos.
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A destinação obrigatória a esses cidadãos, agrupados na classificação “Negra”, de parte dos recursos públicos repassados às legendas partidárias, objetiva impulsionar a participação política deles, que são a maioria da população brasileira, mas minoria entre os ocupantes de vagas e cargos, em todas as instituições.
DESVIO
Daí que os advogados do MDB afirmam que a fraude que teria sido cometida por Caveira causou “um verdadeiro desvio de finalidade das políticas de ação afirmativa”: aquelas que buscam, justamente, ampliar a presença e atuação desses cidadãos, nas instituições e nos espaços mais “nobres” da sociedade.
É verdade que Caveira não foi o único candidato a “mudar de cor”, seja para acessar indevidamente os recursos da cota racial, seja para criar uma falsa identificação “epidérmica” com a maioria do povo. Mas o caso dele é tão gritante que os advogados do MDB até anexaram às AIMEs a cópia de uma reportagem, publicada pelo site jornalístico “Alma Preta”. Ela aponta fraudes raciais que teriam sido cometidas por dezenas de candidatos, na maioria do PL, nas últimas eleições. Mas adivinhe de quem é uma das três fotografias estampadas na matéria? Dele mesmo, o honestíssimo Caveira.
Os advogados do MDB observam que o uso indevido de recursos públicos destinados a negros e pardos, pelo deputado, pode ser constatado em vários documentos. É o caso da autodeclaração racial de Caveira, na qual ele afirma que é branco e não possui qualquer traço “de pessoa afro-brasileira”. É o caso, também, dos registros de suas candidaturas anteriores, disponíveis, aliás, no site do próprio TSE. A fraude para receber um dinheiro a que não tinha direito e “desequilibrar o pleito a seu favor”, dizem os advogados, deixa patente o abuso de poder econômico. Um tipo de ilegalidade que “atrai a cassação do mandato eletivo do beneficiário da conduta, no caso, a cassação do mandato do Deputado Federal eleito Lenildo Sertão ou Delegado Caveira, como sanção proporcional e adequada ao ilícito praticado”. Segundo eles, Caveira e Eder Mauro receberam 99,40% dos recursos públicos “arrecadados e distribuídos no PL, aí incluídos os recursos específicos das candidaturas femininas e das candidaturas de afirmação racial de negros e pardos”.
Trata-se de um fato difícil de rebater, já que bem documentado nas prestações de contas do PL e deles dois. Um fato que, provavelmente, desequilibrou a disputa com os partidos e candidatos que respeitaram as regras do jogo eleitoral.
OUTRAS AÇÕES
A Federação PSDB/Cidadania, o ex-deputado federal Nilson Pinto, e a esposa dele, a empresária Lena Ribeiro, que concorreu a deputada federal; e o ex-deputado estadual Eliel Faustino Filho também ajuizaram quatro Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJEs), no TRE-PA, contra o PL por descumprimento da cota obrigatória de 30% das candidaturas, dinheiro e inserções de rádio e TV, destinada a mulheres e negros, para concentrar recursos em meia dúzia de homens. A acusação é de cometimento de abuso de poder e fraude, já que as suas poucas candidaturas de mulheres e pretos viraram fictícias: apenas para fazer de conta que cumprira a Lei.
As AIJEs pedem a anulação de todos os votos do PL, nas últimas eleições para deputado estadual e federal pelo Pará, com nova totalização dos votos e redistribuição das vagas a candidatos de outras legendas. Pedem, também, a cassação dos beneficiados pelas supostas ilegalidades: os deputados federais Eder Mauro e Caveira; e os estaduais Aveilton Silva de Souza, coronel Neil Duarte de Souza e Hugo Rogério Sarmanho Barra, filho de Eder Mauro.
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