Ouvir o próprio nome listado entre os aprovados no vestibular é uma realização capaz de emocionar não apenas o estudante que se dedicou ao longo de toda a vida escolar para que isso acontecesse, mas também dos familiares que, muitas vezes, sonham junto com o aluno. Quando a esperada conquista do acesso ao ensino superior se repete em diferentes instituições de ensino, então, é até difícil descrever o sentimento de gratidão gerado no peito. Sentimento esse que a jovem estudante Alice Soares, que nasceu com deficiência visual, conheceu bem ao ser aprovada em sete universidades, sendo quatro públicas.
A mesa de casa onde, hoje, Alice se senta para contar um pouco da sua história é justamente o espaço que lhe acolheu durante os estudos, acompanhados sempre pela mãe e por um tio que teve participação fundamental na sua preparação para o vestibular. Moradora do município de Santa Izabel do Pará, na região Metropolitana de Belém, desde o início de sua vida Alice passou por diferentes instituições de ensino que contribuíram com a sua formação.
“Eu comecei a estudar com nove meses no Instituto José Álvares de Azevedo, um instituto para deficientes visuais que fica em Belém, e sempre tive um excelente acompanhamento”, lembra. “Na escola regular, eu comecei com três anos, estudei o Jardim I e II no Sesi de Santa Izabel, do segundo ano até o quinto ano eu estudei no Centro Educacional JM Pontes, também aqui em Santa Izabel, pulei o primeiro ano do ensino fundamental porque eu já era alfabetizada no braille e do sexto ano até o convênio eu estudei no CEGB (Centro Educacional Giovanni Brocardo). Em todas as escolas em que estudei, sempre tive muito apoio. Elas me receberam de braços abertos e eu sempre gostei de desafios, eu gosto de ser desafiada”.
Entre os desafios enfrentados ainda na educação infantil e no fundamental menor, esteve o pouco acesso a materiais em braille para ler, já que, naquela época, esse tipo de recurso ainda era muito escasso. Mas Alice sempre contou com uma rede de apoio fundamental que, ao longo de toda a vida escolar, lhe ajudou a driblar os obstáculos, a sua família.
“Eu sempre gostei de estudar, apesar de eu não ter muito material em braille. Quando eu era mais nova a gente não tinha todos esses recursos, então, eu tinha que me acostumar com o que eu tinha, com pouco. A minha mãe sentava comigo, lia as questões para mim e eu respondia”, conta.
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“A minha trajetória escolar sempre foi com a minha mãe. Quando ela descobriu que eu era deficiente visual, ela trabalhava como professora e parou de trabalhar para se dedicar a mim. Ela foi para a sala de aula comigo desde os nove meses até o último ano do ensino médio. No último dia de aula ela estava lá comigo e também vai para a universidade comigo, então, eu agradeço muito a ela”.
Nos momentos em que se sentia desanimada, o pai, o autônomo Ivo Barreto, era um dos primeiros a dizer ‘você consegue’. Quando ela iniciou o sexto ano e as matérias ficaram mais extensas, outra pessoa da família também teve participação fundamental, o tio Carlos Daibes, que também passou a estudar com Alice até a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e dos demais processos seletivos.
“Esse apoio da família e também das instituições pelas quais eu passei foi muito importante porque nunca me limitaram. Meus pais nunca me colocaram dentro de uma bolha, então, eu agradeço muito a eles. Desde criança eu sempre fui muito aberta a viver novas experiências, aprender novas coisas, então, a criação que eu tive fez eu ser a pessoa que sou hoje”, considera. “O meu tio também me ajuda muito. Eu ia para a casa dele e ele me ajudava a estudar e agora nessa reta final do Enem ele me ajudou muito tanto em incentivo, palavras motivadoras, quanto com a questão dos estudos mesmo”.
RESULTADO
O resultado dessa dedicação coletiva e da vontade de sempre adquirir novos conhecimentos, que é presente na vida da Alice até hoje, começaram a demonstrar os resultados em relação ao objetivo de chegar ao ensino superior ainda no final do ano passado. O primeiro resultado foi a aprovação no curso de sistema de informação na Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), pelo processo seletivo especial do Forma Pará.
Depois veio a aprovação no curso de engenharia sanitária e ambiental no Instituto Federal do Pará (IFPA), campus Vigia. A aprovação em duas universidades privadas no curso de psicologia, na Unama e na Estácio, e, mais recentemente, através da nota do Enem, a aprovação nos cursos de psicologia na Universidade Federal do Pará (UFPA), fisioterapia na Universidade do Estado do Pará (Uepa) e medicina pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
Entre tantas opções, Alice já se decidiu por cursar psicologia na UFPA. “Eu me preparei muito, estudava bastante, o meu tio e a minha mãe me ajudando muito, então eu tinha uma noção de que eu teria possibilidade de passar, mas eu fiquei muito apreensiva, principalmente quando eu descobri que o curso de psicologia foi o mais concorrido esse ano. E eu disse ‘tio, acho que eu não vou passar’, mas a gente sempre teve muita fé”, lembra Alice.
“E no dia do resultado foi um momento muito emocionante, eu me senti muito realizada porque era o meu sonho. Eu fiz Enem porque eu queria passar em psicologia e nessa universidade especificamente, na UFPA, e eu consegui. Então, eu agradeço muito a Deus e à minha família, os meus professores”.
Companheira da filha nos estudos desde o primeiro momento, a professora Francisca do Socorro lembra que não conseguia parar de chorar ao receber o resultado da aprovação na universidade que ela queria e irá cursar.
“Eu fiquei orgulhosa, feliz, não parava de chorar recebendo as ligações. Foi um ano bem árduo, mas deu resultado e a gente fica muito feliz por isso. A gente fica sempre com aquele medo, todos os professores diziam que ela iria passar, mas a gente sempre fica ‘será?’”, lembra.
“A gente se sente gratificado pelo sucesso que ela alcançou. Não era esperado toda essa repercussão em todas essas universidades. A mãe dela é professora e acompanhou ela até o 5º ano e desde o 6º ano eu me dispus a acompanhá-la e foi isso que aconteceu, a gente passou pela pandemia juntos, e agora ela vai lançar novos voos”, emociona-se também o servidor público Carlos Daibes, tio de Alice.
BRAILLE
Diferente do período em que cursava a educação infantil e o fundamental menor, hoje Alice consegue ter mais acesso a livros em braille para ler e estudar. Parte deles vem da Fundação Dorina Nowill, que mantém um projeto que efetua empréstimo gratuito de livros em braille, falados e digitais acessíveis a todas as pessoas cegas e com baixa visão residentes no Brasil, e na qual Alice foi cadastrada pela sua antiga escola onde cursou o ensino fundamental. Outra parte ela empresta na Biblioteca Pública Arthur Vianna.
O Centur
Para mais informações sobre como se cadastrar na Fundação Dorina Nowill para ter acesso aos livros em braille e falados, é possível acessar o site da instituição no link https://fundacao dorina.org.br/ nossa-atuacao/distribuicao- de-livros/como-ter-acesso -aos-livros/biblioteca -circulante-do-livro-falado/
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