A extração de ouro com indícios de ilegalidade no Brasil ultrapassa 52,8 toneladas, o que representa a metade de todo o mineral extraído no país. São oriundos de atividades ilegais em terras de conservação, como as indígenas, crime que acabou sendo revelado ao Brasil e ao mundo com a tragédia do povo Yanomami, onde a exploração e o comércio do ouro têm mostrado o lado mais cruel.
Calcula-se que, entre 2015 e 2020, 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade foram comercializadas no Brasil. Documento produzido pelo Ministério Público Federal revela que a mineração ilegal de ouro está presente em praticamente todos os estados da Amazônia Legal - Pará, Amazonas, Rondônia, Roraima, Amapá, Tocantins, Mato Grosso - normalmente camuflada sob o título de “garimpo”.
Elaborado por procuradores da República integrantes da Força-Tarefa Amazônia e por procuradores do Trabalho, o estudo “Mineração Ilegal de Ouro na Amazônia: Marcos Jurídicos e Questões Controversas” mostra que o ouro - ativo financeiro de enorme importância estratégica para as finanças nacionais - “esvai-se pelas fronteiras com pouco ou nenhum controle das agências públicas, ao mesmo tempo que recursos hídricos são contaminados por mercúrio e parcelas da floresta são postas abaixo na busca por novos veios, e o tão prometido desenvolvimento econômico não chega”.
Um dos mais importantes documentos sobre a origem do ouro ilegal que sai do Brasil foi publicado pelo Instituto Escolhas, organização que desenvolve e compartilha estudos e análises sobre temas fundamentais para o desenvolvimento sustentável nacional. O “Raio X do Ouro”, elaborado a partir da análise de mais de 40 mil registros de comercialização de ouro e imagens de extração, revela que a produção anual estimada de ouro no Brasil é de 97.158 kg (baseado em dados de 2021), sendo que mais de 52.806 quilos são extraídos com indícios de ilegalidade.
Quase dois terços desse ouro (61%) saíram da Amazônia: foram identificadas 32 toneladas com origem nos estados da região com alguma indicação de irregularidade. O ouro saiu principalmente do Mato Grosso (16 toneladas) e do Pará (13,6 t), e ainda de Rondônia, Tocantins, Amapá e Amazonas, segundo dados levantados pelo Instituto Escolhas.
De acordo com o estudo, entre as empresas envolvidas na comercialização de ouro com indícios de ilegalidade, estão as quatro principais Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) que compram ouro de garimpos na Amazônia: a F.D’Gold, a OM (Ourominas), a Parmetal e a Carol.
Entre 2015 e 2020, essas empresas movimentaram um terço de todo o volume com indícios de ilegalidade, ou 79 toneladas. Isso significa que 87% de suas operações são duvidosas. Três delas – a F.D’Gold, a Carol e a Ourominas – já fazem parte de ações judiciais recentes do Ministério Público Federal (MPF), que pedem a suspensão de suas atividades pela comercialização de ouro ilegal no Pará.
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Essas quatro empresas comercializaram um total de 90 toneladas de ouro. De acordo com o “Raio X do Ouro”, no montante há 50 toneladas sem informações sobre os títulos de origem. Há também 13,5 toneladas que tiveram origem em 352 títulos sem indícios de extração ocorrendo, ou seja, títulos que podem ser considerados “fantasmas”. Outras 14 toneladas foram compradas de 167 títulos com indícios de extração para além dos limites geográficos autorizados e 1,5 tonelada veio de quatro títulos sobrepostos a Unidades de Conservação onde a mineração não é permitida.
OPERAÇÕES
A Polícia Federal no Pará tem realizado operações para investigar organizações criminosas voltadas para a prática de extração ilegal de ouro no Estado. No mês passado foram feitas seis operações contra garimpos ilegais. As ações tinham como alvo quem atuava no território e quem estava nos bastidores envolvido com a distribuição do ouro e lavagem do dinheiro.
No início de fevereiro, os agentes da PF destruíram máquinas de garimpo na região às margens das terras indígenas Ituna-itatá e Arará Volta Grande do Xingu, no sudoeste do Pará. Outra operação, realizada na Terra Indígena Yanomami, focou a interrupção da logística do crime, com foco na inutilização da infraestrutura utilizada para a prática do garimpo ilegal bem como a materialização das provas sobre a atividade criminosa.
A operação mais recente reuniu cerca de 30 policiais federais que cumpriram mandado de busca e apreensão em uma mineradora no distrito de Água Branca, município de Itaituba, com o objetivo de identificar o local da extração mineral e coletar amostras de ouro para o Banco Nacional de Perfis Auríferos, projeto integrante do Programa Ouro Alvo. Durante o cumprimento do mandado, uma pessoa foi presa em flagrante por posse de arma de fogo com numeração raspada.
A maior operação teve início no Pará e foi coordenada pelo delegado da PF paraense Vinícius Cerpa e mirou um grupo suspeito de contrabandear ouro ilegal da Amazônia para o exterior. A Justiça bloqueou R$ 2 bilhões em contas desses contrabandistas suspeitos de usarem notas fiscais eletrônicas para “esquentar” ouro extraído de garimpos ilegais no Pará. O esquema facilitava o envio do ouro para quatro países: Itália, Suíça, China e Emirados Árabes. Segundo a investigação, entre 2020 e 2022, a fraude na emissão de notas fiscais chegou a R$ 4 bilhões, o equivalente a 13 toneladas de ouro.
Em números: 32 toneladas
De ouro irregular produzido no País em 2021 saíram da Amazônia, segundo levantamento. Em percentuais, isso significa 61% de todo minério ilegal extraído naquele ano.
Ex-ministro e presidente do Ibram defende maior fiscalização
Para o ex-ministro da Defesa e atual presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Raul Jungmann, a atividade ilegal é favorecida por uma legislação frágil e fiscalização precária, que abrem espaço para que o ouro extraído de forma ilegal na Amazônia seja comercializado em barras ou em joias nos grandes centros urbanos do Brasil e do exterior. Segundo ele, o centro do problema está em uma lei de 2013, que permite a comercialização do metal apenas com base na informação do vendedor, sob a presunção de “boa-fé”.
Jungmann tem defendido a necessidade de o Banco Central intensificar a fiscalização sobre as Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) e se movimentou em Brasília para que a Receita Federal passasse a exigir a Nota Fiscal Eletrônica para a venda do material retirado de garimpos. No final de fevereiro, o secretário especial da Receita Federal, Robinson Sakiyama Barreirinhas anunciou que a Receita vai exigir nota fiscal eletrônica nas transações de venda de ouro.
A legislação em vigor estipula que o garimpeiro que vende ouro a uma empresa preencha, ele mesmo, uma nota fiscal em papel indicando o local de onde o metal foi extraído. Além disso, segundo a norma é presumida a boa-fé do vendedor, isentando o comprador da necessidade de checar a origem do ouro ou da responsabilidade por eventuais declarações falsas.
“Ouro precisa de digital. Apenas expulsar garimpeiros gera o risco (de o governo) enxugar gelo”, afirma Jungmann, que defende que a mudança na legislação deve ser feita por meio de uma Medida Provisória ou por uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que tem nas mãos ações movidas pelo PV e pelo PSB contra a lavagem do ouro ilegal.
O STF analisa duas ADIs (Ação Direta de Inconstitucionalidade), que questionam a comercialização de ouro com base na presunção da boa-fé. Estão sob análise na corte a ADI 7273, do PSB (Partido Socialista Brasileiro) e do Rede Sustentabilidade, e a ADI 7345, apresentada pelo PV.
O Brasil não tem um sistema eficiente de rastreabilidade do ouro. Quando a Polícia Federal recebe alguma denúncia ou suspeita de fraude, precisa checar uma a uma as informações indicadas nas notas fiscais e as lavras de onde o ouro supostamente foi retirado – uma investigação difícil de produzir resultado.
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