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CAUSAS ABRAÇADAS

Delegacia de Trânsito: um sonho de justiça e reparação

Como um "trabalho de formiguinha" está cada vez mais perto de criar um ambicioso projeto pela preservação das vidas no trânsito

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A voz embargada de Nazareno Lobato contando como perdeu a mãe e a irmã em uma manhã de natal desarma qualquer um. Era 25 de dezembro de 2007, início da manhã. Mãe e filha saíram de bicicleta pela avenida Augusto Montenegro após um convite recebido para tomar café. Os minutos que se seguiram depois são da tragédia narrada por Nazareno, que não precisou se esforçar muito para lembrar, com aperto no coração, a fatídica hora em que recebeu a notícia de que havia perdido a mãe, de 74 anos, e a irmã, de 33 anos.

“Minha irmã ligou pra minha mãe convidando pra tomar café na casa dela numa manhã de natal. A minha irmã tinha comprado duas bicicletas novas. Ela pegou a mamãe, a minha sobrinha e o meu sobrinho. Eles saíram daqui, atravessaram a rua e, quando chegaram em frente ao [hoje] Colégio Impacto, um carro atingiu elas no acostamento. O que nós sabemos é que os caras vinham de uma festa no [distrito] Outeiro, que o motorista dormiu no volante.”

Nazareno Lobato (centro) perdeu a mãe e a irmã para a a imprudência de um condutor na manhã de 25 de dezembro de 2007. Ativista, hoje é presidente do Instituto Vida Pará, um movimento que abraça todas as vítimas de violência
📷 Nazareno Lobato (centro) perdeu a mãe e a irmã para a a imprudência de um condutor na manhã de 25 de dezembro de 2007. Ativista, hoje é presidente do Instituto Vida Pará, um movimento que abraça todas as vítimas de violência |Arquivo Pessoal

Desde o acidente, Nazareno não foi mais o mesmo. Ficou conhecido por travar as lutas de um homem só, de brigar pelos casos que poucos querem saber. Seu ativismo começou no Movimento pela Vida (Movida), onde ficou por sete anos. Pensou em desistir. Eram tantas frustrações com casos mal resolvidos que conviver com a impunidade o adoecia, mas persistiu. Ele não sentia que tinha liberdade para fraquejar, principalmente depois de ter perdido a neta para a violência — assassinada em 21 de fevereiro de 2014. Tudo o que Nazareno sentia era a necessidade de oferecer para as pessoas aquilo que ele tanto precisava: acolhimento. Decidido, criou o Instituto Vida Pará no dia seguinte, um movimento que abraça todas as vítimas de violência.

“A gente tenta sobreviver porque a dor não passa. A gente vive de acordo com o que Deus deseja, por isso eu tento transformar a minha dor em amor. Organizo cursos e mil e umas coisas pra ver se ameniza. Deus já levou o cara que matou a minha mãe, mas na época eu tinha dois caminhos: ou eu virava um assassino ou lutava por justiça”, revela.

DELEGACIA DE TRÂNSITO

Acidentes de trânsito amargam a vida de Nazareno há um tempo, mas o envolvimento com a causa foi pontuado depois do acidente que sua filha sofreu em 2010. Ela estava em um ônibus que seguia pela ponte de Outeiro em alta velocidade. O veículo passou por uma lombada e o impacto foi tão forte que os passageiros caíram no chão. Três sofreram lesões graves, a filha de Nazareno foi uma delas.

Ao contar a história, ele lembra furioso da forma com que o caso foi tratado. Enquanto a filha estava no Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência (HMUE), Nazareno prestou queixa na delegacia. Ele lembra indignado que, mesmo com tantos feridos, se sentiu impotente ao ver o condutor saindo impune. Ele nunca desejou tanto uma delegacia de trânsito que pudesse oferecer a mesma atenção e tratamento para casos como esses.

“Várias ideias e necessidades foram surgindo desde a criação da Comissão de Trânsito e que hoje fazem parte do plano de gestão. E no que a gente pode contribuir mais? Foi quando solicitamos a criação da Delegacia de Trânsito”, explica Ana Cristina Louchard, presidente da Comissão de Trânsito da OAB-PA.

A Comissão de Trânsito atua desde 2013 e, entre os trabalhos desempenhados, estão: o recebimento de denúncias, orientação às famílias de vítimas de sinistros no trânsito, além da realização de programações voltadas ao tema para educar e conscientizar a sociedade.

“É importante esclarecer que a Comissão não advoga. Ela fiscaliza e orienta. É um trabalho valioso que precisa receber a atenção necessária. Um trabalho de formiguinha feito com muito amor e atenção. Você lida com famílias, com pessoas que perderam um ente querido. Por isso, temos procurado ajudar a sociedade e o Poder Público para um trânsito mais seguro.”

A advogada Ana Cristina Louchard é presidente da Comissão de Trânsito da OAB-PA e está à frente da solicitação para que sejam implementadas as Delegacias de Trânsito em todo o Estado
📷 A advogada Ana Cristina Louchard é presidente da Comissão de Trânsito da OAB-PA e está à frente da solicitação para que sejam implementadas as Delegacias de Trânsito em todo o Estado |OAB Pará

O tema “Delegacia de Trânsito” se tornou um assunto recorrente frente aos números de sinistros (os acidentes) registrados nas rodovias paraenses nos últimos anos. A solicitação foi submetida para a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) em 2019. O protocolo foi encaminhado para a Polícia Civil e, um ano depois, o pedido de implementação foi apreciado e deferido. Em funcionamento, deverá agilizar o trabalho da advocacia, além de oferecer um tratamento mais efetivo dos crimes de trânsito.

“Essa é a nossa preocupação: que exista uma delegacia especializada. Por isso, não tem condições de uma delegacia de trânsito ser ‘virtual’, ela precisa ser ‘presencial’”, pontua Louchard, incisiva.

No dia em que a reportagem foi publicada, ela aguardava uma resposta da Polícia Civil a uma recente solicitação feita em 23 de março desse ano para reunir e discutir a data de implementação da delegacia.

Nós também procuramos a corporação para falar sobre o andamento do processo de implementação, porém, nenhuma resposta oficial foi fornecida.

***

Conteúdo:

• Psicólogo responde: por que somos imprudentes no trânsito?

• Morremos jovens na contramão da imprudência

• Vítimas de trânsito e as cicatrizes invisíveis

Delegacia de Trânsito: um sonho de justiça e reparação

• Princípios da educação para um trânsito mais seguro


Reportagem: Fernanda Palheta

Edição: Gustavo Dutra

Multimídia: Emerson Coe e Vicente Crispino

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