O reajuste anunciado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) nos planos de saúde, no último dia 12 de junho, vai atingir o bolso de 275.671 clientes de operadoras de planos de saúde no Pará. Os dados são da própria agência e incluem apenas quem tem planos individual ou familiar, justamente os grupos que serão atingidos pelo aumento. O reajuste autorizado é de até 9,36%.
Alexandre Pereira Bonna, doutor em Direito e especialista em Direito do Consumidor, explica que há um segundo reajuste que é aplicado nos contratos: por mudança de faixa etária, que não possui um percentual definido pela ANS, mas deve ter cláusula contratual que o autorize. “Só possui uma limitação: o valor fixado para a última faixa etária (59 anos ou mais) não pode ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa (0 a 18), segundo Resolução Normativa 63 da ANS. A finalidade desse reajuste é adequar o valor aos maiores cuidados que o consumidor passará a ter dentro de um risco de doenças e problemas de saúde em geral”, explica
Ele lembra que os dois reajustes podem ser aplicados de forma cumulativa (duplo reajuste) pois estão dentro de lógicas distintas. “Enquanto um recompõe preço, o outro equaliza riscos”, diz. Mas os usuários dos planos precisam saber quando um reajuste é abusivo/ilegal. A matéria é bastante controversa na doutrina e jurisprudência
O abuso ocorre quando, no contrato individual ou familiar, o percentual de reajuste anual ultrapassa o definido pela ANS e não encontra respaldo na mudança de faixa etária. “Quanto o reajuste for baseado na mudança de faixa etária e desrespeitar a regra do valor fixado. Nessa hipótese o consumidor deve avaliar se o percentual maior não sofreu o impacto do reajuste anual, pois nessa situação, mesmo ultrapassando o limite, torna-se lícito o reajuste”, detalha Bonna.
Quando o reajuste for de faixa etária e o contrato com o plano de saúde não tiver cláusula contratual autorizando, também é ilegal. Também existe abusividade quando, na somatória do reajuste anual com o de faixa etária, o consumidor for colocado em situação extremamente desvantajosa, a ponto de alijar os mais idosos.
“Nesse caso o critério não é bem objetivo na jurisprudência, mas há muitos casos de reajustes de 60%, 70%, que foram suspensos por decisão judicial. O direito vai ser analisado caso a caso, mas o STJ definiu que não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.”
CONTRATOS
Nos contratos coletivos (comum com empregados de empresas), quando o percentual coloca o consumidor em situação de excessiva desvantagem é considerado ilegal. “Aqui vale destacar que o reajuste anual definido pela ANS não se aplica aos contratos coletivos, porque estes podem sofrer reajustes bem maiores, já que são fixados livremente pelos planos de saúde. A única proteção que o consumidor merece é quando demonstra em ação que o aumento no seu caso foi desproporcional aos custos e que teve como objetivo apenas aumentar os lucros e não efetivamente cobrir riscos maiores”
Outra ilegalidade bastante comum é quando o reajuste anual autorizado pela ANS é feito antes do aniversário do contrato. “Cada contrato tem um mês em que foi assinado, de modo que o reajuste não pode ser aplicado de imediato, devendo ter eficácia apenas para o mês relativo à renovação automática do mesmo”. Também é irregular quando o reajuste é aplicado de imediato, juntando o reajuste anual autorizado pela ANS juntamente com o de mudança de faixa etária. “Há liminares na justiça, mas é mais raro de o juiz conceder”.
Os consumidores lesados deverão procurar advogados ou, não tendo condições financeiras para tal, solicitar atendimento na Defensoria Pública de seu Estado ou núcleos de prática jurídica. “Em tese, no âmbito dos juizados especiais, o consumidor pode ajuizar ações sem advogado, porém nestes casos é desaconselhado por se tratar de matéria muito técnica”, alerta Alexandre Bonna, que também é professor universitário.
PARA ENTENDER
COMO FUNCIONA O REAJUSTE DOS PLANOS DE SAÚDE INDIVIDUAIS E FAMILIARES?
O percentual anual de reajuste dos planos de saúde individuais e familiares contratados a partir de janeiro de 1999 ou adaptados à lei nº 9.656/98 é definido pela ANS geralmente entre os meses de maio e junho.
O plano de saúde pode passar a aplicar o reajuste após a publicação no Diário Oficial da União, limitando-o ao percentual definido pela agência, mas somente na data de aniversário do contrato do convênio médico.
COMO É FEITO CÁLCULO DO REAJUSTE?
Desde 2019, a ANS utiliza metodologia de cálculo que combina a variação das despesas assistenciais com a inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que é a inflação oficial do país medida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Para chegar ao cálculo final, há ainda o desconto do subitem plano de saúde dentro do índice de inflação.
O cálculo tem como base a diferença entre as despesas assistenciais por cliente deste tipo de plano entre um ano e outro. Dessa forma, o índice de 2023 é o resultado dos gastos dos planos em 2022 em comparação com 2021.
Em 2022, o reajuste foi de 15,5%. Neste ano, ficou em 9,63%. Na avaliação da agência, o percentual menor indica que “a situação do setor está voltando aos patamares normais de utilização”, prejudicada pela pandemia de coronavírus.
PODE HAVER COBRANÇA RETROATIVA?
Sim. O reajuste definido em junho é válido de maio de 2023 a abril de 2024. Como neste ano o reajuste foi definido neste mês para os contratos que com aniversário entre maio e julho, a cobrança deverá ser iniciada, no máximo, até agosto, retroagindo até o mês em que ocorreu a assinatura do contrato.
Para os demais, as operadoras deverão iniciar a cobrança em até, no máximo, dois meses após o aniversário do contrato, retroagindo até o mês de aniversário.
COMO SABER SE O VALOR COBRADO NA MINHA FATURA ESTÁ CORRETO?
Segundo a ANS, o boleto de pagamento enviado pela operadora deve informar o índice autorizado pela agência reguladora; o nome, o código e o número de registro do plano; o mês previsto para o próximo reajuste, e o número do ofício de autorização da ANS. Além disso, os valores precisam ser claros e estar discriminados.
VEJA UM EXEMPLO:
Plano de saúde que custa R$ 100, com aniversário em maio. Reajuste autorizado pela ANS é de 9,63%
Mensalidade de maio/23 R$ 100: sem reajuste
Mensalidade de junho/23: R$ 100: sem reajuste
Mensalidade de julho/23: R$ 109,63 (mensalidade reajustada) + R$ 9,63 (diferença do reajuste de maio). Valor total a ser pago em julho/23: R$ 119,26
Mensalidade de agosto/23: R$ 109,63 (mensalidade reajustada) + R$ 9,63 (diferença do reajuste de junho). Valor total a ser pago em agosto/23: R$ 119,63
Mensalidade de setembro/23: R$ 109,63
A OPERADORA PODE APLICAR REAJUSTE MAIOR?
Não, o aumento anual está limitado ao percentual definido pela ANS para este tipo de contrato. Há, no entanto, a possibilidade de cobrança por mudança de faixa etária, que é um outro aumento a ser aplicado pelo plano por meio de contabilidade própria. Neste caso, além de respeitar a faixa etária, é preciso seguir outras regras definidas pela ANS que limitam cobranças abusivas.
SE O PLANO DE SAÚDE QUISER APLICAR REAJUSTE MENOR, É POSSÍVEL?
Sim, é possível aplicar reajuste menor, mas as operadoras não costumam aplicar esta prática. O índice de 9,63% veio abaixo do esperado pelo setor. A Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) projetava que o reajuste ficaria entre 10% e 12%.
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