No dia da divulgação do resultado do Censo 2022, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma das leis mais aguardadas pelas lideranças municipais: a Lei Complementar nº 198 de 28 de junho de 2023, que chega como um alívio para prefeitos e prefeitas de municípios que sofreram redução no número de habitantes. O texto sancionado por Lula impede a redução imediata de repasses por meio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para as cidades que registraram perdas populacionais de acordo com o Censo divulgado pelo Instituto de Geografia e Estatística (IBGE).
Os municípios recebem transferências da União pelo FPM, que distribui os recursos segundo o coeficiente habitacional. Estimativa feita pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostra que pelo menos 33% das cidades paraenses sofreram redução populacional, o que acarretaria queda de arrecadação.
Entre as mais significativas perdas populacionais estão os municípios de Santana do Araguaia (-42%), Ipixuna do Pará (-37%), São Félix do Xingu (-28%), Água Azul do Norte (-28%), Jacundá (-27%), Cachoeira do Piriá (-26%), Goianésia do Pará (-22%), Placas (-22%), São João da Ponta (-16%), entre outras.
Uma cidade como Santana do Araguaia, por exemplo, que tinha 56.153 habitantes em 2010, perdeu quase a metade, e aparece com 32.413 pessoas residentes segundo o Censo 2022, ou seja, perderia já no próximo ano quase 50% de sua arrecadação. O município paraense foi a segunda cidade que registrou maior perda populacional.
Cerca de 70% dos municípios brasileiros não possuem meios de arrecadação próprios, ou seja, não desenvolvem atividades econômicas que se sustentem e não arrecadam tributos, ou seja, vivem praticamente dos repasses constitucionais, entre eles o FPM.
O Censo mostrou que, dos 5.570 municípios do Brasil, 2.399 perderam habitantes entre os anos de 2010 e 2022, o que representa 43% do total de cidades brasileiras que poderiam sofrer imediato corte nos repasses de recursos, principalmente para saúde e educação.
No Amazonas, de acordo com a CNM, cerca de 61% das cidades tiveram redução. O mesmo ocorreu com Rondônia e Amapá, que registraram perdas significativas. Alagoas, na região Nordeste, pode ter 32% de cidades com população reduzida. Considerando as regiões, no Norte há pelo menos 29% dos municípios com registro de redução populacional, enquanto o percentual para o Nordeste é de 18%; para o Centro Oeste e Sudeste, 11%; e para o Sul, 8%.
Os dados do Censo, que incluem o número de habitantes de cada cidade, são essenciais para o desenho e manutenção de políticas públicas, além de servirem de parâmetro para várias obrigações da União, como o repasse de receitas para estados e municípios.
TRANSIÇÃO
O texto da Lei nº 198/2023 determina que o Tribunal de Contas da União (TCU), responsável pelo cálculo do coeficiente e distribuição do FPM, deverá publicar instrução normativa com atualização do valor dos repasses a partir do Censo de 2022. Isso deverá ocorrer em até 10 dias a partir da publicação do resultado definitivo do levantamento. A nova distribuição dos recursos terá efeito imediato ainda para 2023.
A nova legislação sancionada pelo presidente Lula e comemorada por lideranças municipalistas prevê um período de transição para reduções graduais, ano a ano, nos valores relacionados ao coeficiente populacional. Essa transição vai ocorrer no período de 10 anos a partir de 2024.
Na prática, o texto da nova lei impede que os resultados apresentados do Censo de 2022 sirvam de parâmetro imediato para o cálculo de 2024. Com isso, os coeficientes usados para a distribuição em 2023 serão mantidos para todos os municípios que apresentarem redução do índice.
A cada ano, o excedente de recursos — diferença entre o que o município recebeu com o congelamento do coeficiente e o que deveria receber — sofrerá redução percentual: no 1º ano após publicação do Censo a redução será de 10%; de 20% no segundo ano, e assim sucessivamente, até atingir os 100% em 2033. Com o término da transição, no 10º ano, o coeficiente utilizado para distribuir os recursos aos municípios será feito com base no Censo de 2022.
Os valores retidos ao longo desses 10 anos serão redistribuídos, de forma automática, aos demais participantes do Fundo de Participação dos Municípios. O governo federal informou, logo após a sanção da Lei, que a medida tem o objetivo de “evitar bruscas quedas de arrecadação, estabelecendo uma transição de dez anos para os municípios migrarem para uma faixa de coeficiente inferior do FPM”.
Além disso, a lei estabelece que, quando houver novo levantamento do IBGE, todo o processo deverá ser refeito com base na pesquisa mais recente.
Dessa forma, a norma seguirá válida a cada novo ciclo do Censo, e não somente para o realizado em 2022. “Com efeito, a nova lei pretende equacionar em definitivo a questão, prevenindo eventuais quedas bruscas de arrecadação e consequente risco de inviabilizar a prestação das políticas públicas”, informou em nota a assessoria do governo Lula.
A nova lei teve origem em um projeto apresentado pelo então deputado federal Efraim Filho (União-PB) a pedido da Confederação Nacional de Municípios (CNM). Na justificativa, Efraim afirmou que o objetivo da proposta é garantir uma “regra de transição para aqueles municípios que terão perda de recursos com a redução do coeficiente do Fundo de Participação dos Municípios a cada novo Censo”.
“Sabe-se que o FPM atua como fator preponderante na saúde financeira da maioria dos entes municipais, sendo assim é indispensável uma previsibilidade da capacidade financeira e operacional para conferir viabilidade às inúmeras tarefas. A presente regra permitirá aos municípios se readequarem e adaptarem à nova realidade financeira, planejando formas alternativas de custeio e arrecadação para compensar a perda de receita com o repasse do FPM sem, contudo, prejudicar a prestação de serviços básicos essenciais para as populações locais”, escreveu o autor.
PARA ENTENDER
Fundo de participação dos municípios
l O Fundo de Participação dos Municípios (FPM) tem sido a principal fonte de transferência constitucional de caráter redistributivo da União para os governos municipais. Os valores que formam o fundo são compostos de receitas tributárias próprias da União, como o Imposto de Renda e o Imposto sobre Produtos Industrializados. A fatia destinada ao fundo é 25,5% do montante arrecadado.
O Fundo busca equalizar a renda e receita dos diversos municípios brasileiros, segundo o que prevê o Pacto Federativo, instituído na Constituição Federal de 1988. Cada município tem direito a uma parcela do montante. Os recursos são transferidos diretamente para os cofres municipais.
O FPM redistribui as receitas tributárias da seguinte forma: 10% são destinados para as capitais; 86,4% são transferidos para os demais municípios, a grande maioria dos municípios – todos aqueles que não são capitais e têm menos de 142.633 habitantes - o critério utilizado é populacional.
O número de habitantes contabilizado no Censo define em qual coeficiente a cidade se enquadra. O coeficiente é um número usado para calcular qual será a participação de determinado município no fundo.
Quanto menor a população, menor o coeficiente e, portanto, menor também o valor do repasse realizado pela União. Cidades com população entre 13.585 a 16.980 habitantes possuem coeficiente 1,0. Já municípios com 37.357 a 44.148 habitantes tem coeficiente 1,8 – esses municípios recebem 80% a mais do que aqueles com coeficiente 1,0.
“O rateio da receita proveniente da arrecadação de impostos entre os entes federados representa um mecanismo fundamental para amenizar as desigualdades regionais, na busca incessante de promover o equilíbrio socioeconômico entre Estados e Municípios”, informa o Tesouro Nacional.
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