Uma “Nota de Esclarecimento” distribuída pela Estrutura Construções Civis, pode complicar ainda mais a situação da empresa, que pretende construir um prédio de 22 andares, o Fort Litoranium, a 200 metros da praia do Atalaia, no município de Salinópolis. A nota reproduz parcialmente o suposto alvará da obra, que, no entanto, contém erros. Ele diz que foi concedido com base nas leis municipais 2860/2013 e 2860/2023, mas a lei 2860/2023 não existe, segundo o site da Câmara Municipal. O pior, porém, é que o alvará informa que o edifício terá apenas 15 pavimentos, e não os 22 andares propagandeados pela construtora. O alvará teria sido concedido em 21/09/2023, cerca de um mês depois que o Ministério Público do Pará (MPPA) ajuizou um processo contra a mudança legislativa que aumentou, de 9 para 65 metros, a altura máxima dos edifícios, na área em que será erguido o Forte Litoranium, devido aos prejuízos ambientais que isso poderá causar.
A mudança na legislação foi realizada, em maio último, pela Câmara e pelo prefeito de Salinópolis, Kaká Sena (PL). O DIÁRIO noticiou o processo do MP-PA. E descobriu que o diretor-executivo e possível sócio oculto da Estrutura Construções, James Ferreira Pyles, responde a processos, nas justiças Federal e Estadual, porque teria lesado dezenas de paraenses com o golpe da “compra premiada”, entre 2009 e 2012. Até hoje, a Justiça não localizou bens suficientes, em nome de Pyles, para ressarcir as vítimas da suposta fraude. Além disso, o DIÁRIO não encontrou explicações para a origem do dinheiro investido pela empresa na construção de condomínios de luxo. As reportagens do DIÁRIO parecem ter irritado a Estrutura Construções. No último dia 20, ela emitiu uma “Nota de Esclarecimento” em que ataca o grupo RBA, ao qual, porém, não encaminhou o documento. Que, na verdade, nada esclarece e só cria mais dúvidas.
A principal é quanto ao suposto alvará da obra. A reportagem pesquisou no Google e ouviu dois engenheiros, e existe, sim, diferença entre os termos “andares” e “pavimentos”. Andar está mais relacionado ao nível ou altura de um prédio e às suas áreas finalísticas: escritórios, residências. Já o pavimento é o espaço entre duas lajes, mas o termo é frequentemente usado para descrever a superfície de um piso (de carpete, por exemplo). Assim, são normais edifícios com mais pavimentos do que andares, já que garagens subterrâneas e o térreo são considerados pavimentos. Mas edifícios com mais andares do que pavimentos, é coisa que não existe. Então, como explicar que o suposto alvará exibido pela Estrutura diga que o Fort Litoranium terá 15 pavimentos, enquanto ela mesma anuncia que o prédio será o mais alto de Salinópolis, com 22 andares?
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Na nota, a Estrutura diz que a RBA e o DIÁRIO estariam “exercendo seu poder de comunicação, para questionar a transparência do processo de aprovação do Fort Litoranium (...)”, como se não fosse até obrigação da imprensa questionar a transparência de qualquer processo de interesse público. Além disso, diz que o jornal teria realizado “ataques pessoais” contra “o diretor da empresa”, o que não é verdade. O DIÁRIO jamais “atacou” James Pyles em termos pessoais: apenas noticiou os processos a que responde, fatos devidamente documentados. Daí talvez o motivo de a empresa nem tentar desmentir tais informações.
A Ação Penal a que o diretor-executivo da empresa, James Pyles, respondia, na Justiça Estadual do município de Itupiranga, era a de número 0003093-41.2014.8.14.0025. Mas esse processo foi enviado à Justiça Federal, devido aos indícios também de crimes federais, e agora tramita na 1ª Vara Federal Cível e Criminal do munícipio de Marabá, sob o número 0001256-85.2016.4.01.3901. Além disso, há contra ele uma Ação Civil Pública (ACP) por danos morais e materiais coletivos, de número 0008492-42.2014.8.14.0028, ajuizada pelo MP-PA, na 1ª Vara Cível e Empresarial de Marabá.
Segundo as denúncias dos ministérios públicos Federal e Estadual, Pyles e mais dois sócios teriam montado, em vários municípios paraenses, um negócio semelhante a um consórcio, mas sem a autorização e a fiscalização do Banco Central, exigidas por lei. As pessoas pagavam prestações mensais para a aquisição de veículos. Se fossem contempladas, em um dos sorteios mensais, receberiam o veículo e não precisariam pagar o resto das prestações. Só que, além da falta de autorização legal para o negócio, os sorteios também seriam manipulados.
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“A materialização dos crimes se dava da seguinte forma, conforme se vislumbra no laudo pericial de fls.29 em resposta aos quesitos formulados pelo douto delegado às fls.36, o globo era facilmente manipulável, sendo que os ‘sorteios’, na verdade eram todos manipulados para contemplarem, justamente, às pessoas inadimplentes com a referida empresa, para assim não serem contemplados com a dispensa dos pagamentos subsequentes, nem, muito menos, a entrega do objeto do sorteio”, escreveu o MPPA, segundo citação do procurador da República Patrick Menezes Colares, ao solicitar um aditamento à denúncia, no último 20 de setembro, no processo que tramita na Justiça Federal de Marabá. “Quanto ao denunciado James Ferreira Pyles temos que este, na verdade, é o chefe de todo o esquema criminoso engendrado, sendo o mentor intelectual de todos os crimes em epígrafe e organizador da quadrilha em apreço”, diz, mais adiante, a citação.
A suposta arapuca era realizada através da empresa Casa Melhor Comércio Ltda (CNPJ: 04.916.658/0001-07), aberta por Pyles e dois sócios, em 2002, com um capital social de R$ 100 mil (hoje, R$ 368.635,96). Ela ficava no município de Marabá e a sua principal atividade era o comércio varejista de móveis. Mas, entre 2009 e 2011, abriu filiais em 5 municípios, cuja principal atividade era a venda de veículos automotores, e todas com o nome de fantasia “Compra Fácil Eletrocar”. Em 01/12/2014, as Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA) negaram, por unanimidade, o pedido de Habeas Corpus ajuizado por Pyles, contra a sua prisão preventiva, como se pode ler no acórdão 141308, publicado no Diário de Justiça estadual, em 03/12/2014, página 303.
A preventiva havia sido decretada pelo juiz de Itupiranga, pelos supostos crimes de associação criminosa (artigo 288 do Código Penal/CP, com pena de até 3 anos de prisão); estelionato (artigo 171 do CP com pena de até 5 anos de reclusão); e de omissões ou afirmações falsas e enganosas e publicidade enganosa, previstos nos artigos 66 e 67 da Lei 8.078/90, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, combinados com a prática de crimes continuados (artigo 71 do CP). Segundo o juiz, havia fartas provas desses crimes, no processo, e os indícios demonstravam que Pyles seria o “mentor intelectual das condutas suspeitas que deixaram inúmeros clientes sem os valores despendidos ou o produto prometido”, diz o acórdão 141308, citando o juiz.
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