Em apenas 8 anos, o faturamento do Hospital Santa Maria de Ananindeua aumentou 1.068%, saltando de R$ 13 milhões para mais de R$ 156 milhões por ano, em valores atualizados pelo IPCA do último mês de janeiro e já descontada a inflação. O aumento ocorreu entre 2014 e 2022 e coincidiu com a ascensão política de um dos donos do hospital: o atual prefeito de Ananindeua, Daniel Barbosa Santos.
Nesse período, ele foi vereador, deputado estadual, presidente da Câmara Municipal de Ananindeua e presidente da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), além de se eleger prefeito. Daniel só deixou a empresa, formalmente, em maio de 2022. Ao todo, a sua administração pagou ao Santa Maria mais de R$ 71,5 milhões, até o último 25 de abril, com recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). Desse total, R$ 24 milhões foram pagos quando ele ainda era dono do hospital.
As informações são do portal municipal da Transparência, do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e de balanços contábeis do Santa Maria, registrados na Junta Comercial do Pará (JUCEPA). Nesses 8 anos, o hospital do prefeito, que antes funcionava em um prédio velho e acanhado, virou um dos maiores da Região Metropolitana.
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Em 2014, ele possuía apenas 31 funcionários, máquinas e equipamentos no valor de R$ 287 mil, um capital social de R$ 108 mil e um faturamento de R$ 13,3 milhões, tudo em valores atualizados. Mas, em 2019, o seu faturamento atingiu R$ 82,6 milhões, em um aumento de 264% em relação a 2016, e de 518% em relação a 2014, já descontada a inflação. Em 2020, durante a pandemia, o faturamento chegou a R$ 159 milhões, ou 92,5% a mais do que no ano anterior. Na época, Daniel ocupava a presidência da Alepa, o cargo político mais estratégico do estado, depois do governador.
Foi também naquela época que o crescimento do Santa Maria começou a se tornar bem visível aos olhos da população da cidade. Em 2019, o hospital inaugurou um edifício espelhado, de vários andares, ao lado de seu velho prédio térreo. Só em equipamentos foram investidos cerca de R$ 13 milhões.
Em 2021, seu faturamento foi de R$ 161 milhões. Em 2022, foi de R$ 156,2 milhões. Hoje, ele possui mais de 140 funcionários, e se prepara para inaugurar um edifício ainda maior, colado ao inaugurado em 2019. Nesse meio tempo, Daniel também experimentou uma acelerada ascensão política, até chegar ao comando da cidade de seu hospital. Ele foi eleito vereador de Ananindeua em 2012, reelegeu-se em 2016 e foi escolhido para presidir a Câmara Municipal. Em 2018, elegeu-se deputado estadual e foi presidir a Alepa. Em 2020, elegeu-se prefeito, cargo que assumiu em 2021.
Quando foi criado, em janeiro de 2013, o Santa Maria (CNPJ 17.454.167/0001-25) possuía 3 sócios declarados: a comerciante Geciara dos Santos Barbosa e os médicos Jorge Sidney Pinheiro de Moraes e Elton dos Anjos Brandão, o administrador do negócio. Mas, em julho daquele ano, Jorge deixou a empresa. Em agosto de 2014, Geciara fez o mesmo, repassando o seu capital a Daniel.
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Assim, ele e Elton se tornaram os únicos donos do hospital, com capitais iguais, mas com Elton como administrador. Em maio de 2022, Daniel saiu, formalmente, da sociedade. Em dezembro de 2023, Elton registrou, na Jucepa, a mudança da natureza jurídica da empresa, que passou a ser uma associação privada, presidida por ele. A alteração já consta no site da Receita Federal. Mas a ata de transformação ainda não foi registrada pelo cartório do 1º Ofício de Notas e de Protestos de Títulos de Ananindeua, devido a irregularidades, como a composição de órgãos diretivos da associação.
Crescimento hospital santa maria de ananindeua
- Os números são dos balanços contábeis, atualizados pelo IPCA de Janeiro/2024. Faturamento em 2014:
- R$ 13.376.823,52
- 2016:
- R$ 22.715.635,14
- 2019:
- R$ 82.686.135,25
- 2020:
- R$ 159.192.534,70
- 2021:
- R$ 161.088.811,79
- 2022:
- R$ 156.245.781,20
- TOTAL:
- R$ 595.305.721,60
- Aumento 2014/2022: 1.068%
Elton e Daniel: uma lucrativa parceria
A sociedade entre Daniel Barbosa Santos e Elton dos Anjos Brandão, entre 2014 e 2022, no Santa Maria de Ananindeua, teve contornos curiosos. Segundo o CNES, aquele hospital foi praticamente a única unidade de Saúde onde Daniel trabalhou, ao longo da sua carreira como médico. E foi apenas como médico que sempre figurou no CNES. Afinal, a Lei proíbe que políticos eleitos e servidores públicos administrem empresas.
Já Elton Brandão teve de “se virar nos 30” entre vários hospitais, apesar de figurar como administrador do Santa Maria, o que, em tese, exigiria a sua presença cotidiana no local. Seu primeiro registro no CNES foi em julho de 2007, como técnico e auxiliar de enfermagem, nos hospitais Humberto Maradei e Barros Barreto, em Belém. O primeiro registro como médico só ocorreu em 2008, no hospital Santa Rosa, no município de Abaetetuba.
A partir daí, ele trabalhou nos municípios de Ananindeua, Paragominas, Vigia e Quatipuru, e até no estado do Maranhão. E continuou nessa maratona mesmo depois de virar administrador do Santa Maria: trabalhou lá como médico, e em uma filial do hospital, em Marituba. E, ainda, na UPA II da Prefeitura de Ananindeua, como contratado, até dezembro de 2017. Mesmo assim, ainda aceitou, novamente, um trabalho no Maranhão.
Já Daniel teve uma vida bem menos atribulada. Ele começou a trabalhar como médico do Programa Saúde da Família, em janeiro de 2012, no município de Concórdia do Pará. E lá permaneceu, cumprindo uma jornada de 40 horas semanais, até janeiro de 2013. E isso apesar de estar às voltas, em 2012, com a sua campanha eleitoral para vereador de Ananindeua, que fica a 130 km, ou 2 horas de carro, de Concórdia.
Mas depois desse corre-corre e já eleito vereador, Daniel só reapareceu no CNES em julho de 2013. E já como médico clínico, ginecologista e obstetra do Santa Maria, que acabara de ser inaugurado, e do qual viria a se tornar um dos donos, no ano seguinte. Não consta que ele tenha exercido a Medicina em algum outro hospital. E do Santa Maria ele só se afastou, como médico, em julho do ano passado, apesar de ter deixado a sociedade em 2022.
Por outro lado, hospitais tradicionais levam calote
Os R$ 71,5 milhões pagos ao Hospital Santa Maria de Ananindeua, desde 2021 até o último 25 de abril, são de um contrato firmado com a prefeitura, em 2019. Na época, Daniel Santos era presidente da Alepa e sócio do Santa Maria. Não houve licitação para o contrato, mas apenas uma “chamada pública”, que é a maneira como, em geral, são contratadas as empresas de Saúde, para serviços à população.
A fartura de dinheiro para o hospital que foi do prefeito é o oposto da agonia de outros hospitais de Ananindeua, que estariam levando calotes milionários da prefeitura. Que já levaram ao fechamento de um hospital e ameaçam a sobrevivência de outros dois, o que pode trazer graves prejuízos à população e, também, aos cofres públicos.
Em 2021, Daniel Santos desapropriou o hospital Camilo Salgado, para, segundo ele, construir o “primeiro hospital público” da cidade. A indenização pela desapropriação foi acertada em R$ 14 milhões e deveria ter sido paga em 2022. Mas, até hoje, a prefeitura ainda deve R$ 4 milhões aos donos do hospital.
Com isso, eles entraram na Justiça pedindo a devolução do imóvel, o pagamento da dívida de R$ 4,335 milhões e uma indenização de R$ 1 milhão, por danos morais. Segundo eles, o calote e os atrasos de pagamento, entre 2022 e 2023, impediram que reabrissem o hospital em outro lugar.
Calotes também atingem o Anita Gerosa, que é até um hospital sem fins lucrativos (filantrópico), mantido pela Sociedade Beneficente São Camilo, sediada no estado de São Paulo. A dívida da prefeitura com o hospital já alcança quase R$ 3,7 milhões, por serviços realizados no ano passado (janeiro a junho e outubro a dezembro), e neste ano (janeiro a março).
O hospital possui 64 leitos e atende as áreas de obstetrícia, clínica médica, serviços de diagnóstico ambulatorial e Unidade de Cuidados Intensivos (UCI), através de convênio com a prefeitura. Há preocupação de que a dívida leve à suspensão do atendimento, mas o hospital afirma que realiza esforços para mantê-lo.
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