
Na correria do dia a dia, são poucos os que param diante de uma estátua para observar seus detalhes, pensar em sua origem ou refletir sobre o que ela representa. Em Belém, uma cidade marcada por um passado grandioso e por movimentos populares intensos, muitos desses monumentos e espaços públicos resistem como testemunhas silenciosas de diferentes épocas – desde os tempos coloniais, ou anos dourados da borracha.
A presença dessa herança cultural na paisagem urbana é evidente em locais como, por exemplo, na Praça da República ou na Praça Waldemar Henrique; cada um desses espaços, moradores demonstram vínculos diversos com esses símbolos da cidade. O historiador Márcio Neco ajuda a entender por que esses espaços vão muito além da estética. “Antes de analisarmos monumentos específicos, é essencial entender o papel que eles ocupam na cidade. A palavra ‘monumento’ vem do latim e significa lembrar. Eles são a materialização de fatos ou pessoas que uma sociedade pretende criar uma memória coletiva”, afirma.
Por guardar memória, merecem ter suas histórias debatidas e conhecidas. “É importante também a preservação desses monumentos para que eles não caiam no esquecimento, no apagamento ou até mesmo sumiço, como já temos visto em alguns lugares. [Quando isso acontece], desaparece um pedaço da nossa história”, frisa Neco.

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CABANAGEM
Um dos exemplos mais expressivos dessa memória é o Monumento da Cabanagem, projetado por Oscar Niemeyer e inaugurado na década de 1980. A estrutura, que se ergue no complexo do Entroncamento, no bairro Castanheira, representa um dos maiores movimentos populares do Brasil. Conforme o historiador, durante muito tempo, a cabanagem foi vista de forma depreciativa. Foi necessário um esforço coletivo para mudar essa visão.
O monumento nasce desse desejo de reconhecer essa luta, quando “o governador Jader Barbalho vai pinçar um monumento para homenagear isso, que foi um movimento no Pará, um movimento também com repercussão nacional. O interessante é que acaba que a rampa fica apontando em direção a Icoaraci, justamente um local onde muitos cabanos se reuniram, se refugiaram e até morreram”, destacou.
Quem passa pelo local quase todos os dias, é o aposentado Benedito Gaia, de 72 anos. Ele admite que desconhecia por completo o significado da estrutura, mas que “só sabia que era do Niemeyer, mas não fazia ideia que tinha a ver com a cabanagem. Sempre achei a rampa bonita, diferente, mas agora vou olhar com outros olhos”.
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CHAFARIZ DA SEREIA
Na Praça da República, bairro da Campina, o logradouro de formato triangular, na confluência da Avenida Presidente Vargas e Rua Gama Abreu, está o Chafariz da Sereia que se destaca pela beleza e pelo mistério. Elas são, na mitologia grega, seres fantásticos, mas seres também que seduzem, segundo a lógica. É o que explica o professor. Concluído em 1904, o monumento foi importado da Europa com peças em estilo Art Nouveau (ou Arte Nova). Mas, ao chegar aqui, as sereias ganharam um novo significado. “É interessante que esse monumento cai bem aqui na Amazônia, porque aqui, essa mitologia grega das sereias acaba ganhando uma ressignificação. Nós vemos as sereias e atribuímos também a elas a questão da Iara, da Mãe d’Água, alguns a própria Iemanjá”, relata ele, lembrando também da questão da identificação da população com o monumento.
Rejane Cascaes, 33 anos, gerente de finanças, passa todos os dias pela chamada “Praça da Princesa” – apelido dado ao local onde está o Chafariz da Sereia, parte do Complexo da Praça da República. “Conheço que é a Praça da Princesa, mas não tenho a mínima ideia do porquê. Temos muitas coisas parecidas aqui que a gente desconhece da nossa cidade. A gente só sabe que existe”, reconhece. Ela relembra com carinho as excursões escolares à área das 11 Janelas e à Cidade Velha, locais que despertaram nela o interesse pela história de Belém, mas reforça o quanto essa memória ainda é frágil no cotidiano das pessoas.

À REPÚBLICA
Já na própria Praça da República, há o monumento ‘À República’, de nome sugestivo à Proclamação da República. Inaugurado no dia 15 de novembro de 1897, é um símbolo da transição política, e traz um convite sobre a construção do país. “O objetivo era óbvio, fazer um apagamento de tudo que houvesse do Império e fazer menção à República, no sentido de consolidar o novo regime”, pontua Neco sobre o período, que vivia um reflexo contra a centralização de poder nas mãos do imperador Dom Pedro II, um regime monárquico, que governava desde 1840.
“Já foi Largo da Campina, depois um Depósito de Pólvora, passou a se chamar Largo da Pólvora, mas depois Praça Dom Pedro II; ou seja, fazia uma mensagem ao imperador, e isso precisava ser apagado. Foi então pensada a mudança de nome para a Praça da República. O monumento foi ali inaugurado em 15 de novembro de 1897, justamente na festa de aniversário da proclamação da República”, detalha.
Alvino Barreto, 65 anos, que há 35 anos trabalha numa banca de revistas na praça, comenta sobre o valor histórico do espaço. “Tudo enriquece a história de Belém, né? O teatro, o Cine Olympia, a Praça do Relógio. Dizem que aqui até foi cemitério. É muita coisa que a gente nem imagina”, diz.
O MAESTRO
Outro espaço que traduz uma camada da história belenense é a Praça Waldemar Henrique, no bairro do Reduto, que abriga um dos monumentos mais simbólicos da cidade, com um projeto paisagístico e artístico pensado para homenagear o maestro paraense que lhe dá nome. De acordo com Neco, o local, além de homenagem, serve como uma imersão cultural, que oferece a quem se permite observá-la com atenção. Inaugurado em 17 de janeiro de 1999, o espaço detém sobre música, arte e identidade amazônica. Márcio Neco destaca o monumento como uma joia urbana. “Se tem uma coisa que me chama muito a atenção, que eu acho que é uma grande sala de aula a céu aberto, uma verdadeira obra de arte urbana, é a Praça Waldemar Henrique. Uma riqueza de detalhes, uma projeção arquitetônica que é como se fosse uma joia de Belém, infelizmente ainda não valorizada à altura pela população”, continua.
Acima da escultura principal, esculpidos em concreto, estão personagens encantados do imaginário amazônico, recorrentes nas composições do maestro, como a Matim-Taperê (comumente chamada de Matinta Pereira), o Boto, o Caboclo Falador, o Boi, o Uirapuru e a Iara. Para ele, é um dos monumentos mais didáticos a se conhecer. “Não só a história, como a cultura, como as lendas daqui. Eu volto a dizer que talvez de todos os monumentos este seja o mais rico em conteúdo que nós temos na cidade de Belém”.
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