
A alimentação adequada desde o período de introdução alimentar - que inicia aos seis meses de vida e segue até os dois anos de idade – é fundamental para que o indivíduo cresça com um metabolismo adequado e chegue à vida adulta com mais saúde. É durante a infância, portanto, que os pais e responsáveis têm uma grande oportunidade de ensinar a criança a se alimentar de maneira saudável. E, neste processo, outros atores acabam exercendo um papel de destaque: as profissionais responsáveis por preparar a merenda servida aos pequenos nas escolas.
Valorizando a atuação dessas profissionais e reconhecendo a importância delas na busca pela promoção de uma alimentação que contribua com o desenvolvimento das crianças, o projeto Capacitação de Merendeiras em Áreas Rurais da Amazônia reuniu 90 merendeiras de dois municípios paraenses, São Félix do Xingu e Oriximiná, para discutir a alimentação oferecida pelas escolas dessas comunidades.
O projeto faz parte do programa Florestas de Valor, do Imaflora, que promove o evento em colaboração com as secretarias municipais de Ensino das duas localidades e apoio da Fundação Carrefour. A gerente do programa, Helene Manu, explica que o Florestas de Valor trabalha com agricultores familiares e extrativistas com o objetivo de manter a floresta em pé, buscando levar alternativas para as atividades locais e meios de minimizar o impacto sobre a floresta. “A comercialização é um dos pilares do programa e está relacionada à agregação de valor para as comunidades locais. E em uma dessas agregações de valor, a gente trabalha com políticas públicas, como é o caso do PNAE”.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) prevê que do orçamento destinado pelo Governo Federal aos estados, municípios e escolas federais para a compra de alimentação, pelo menos 30% têm que ser destinados à aquisição de alimentos frescos, vindos da agricultura familiar. Em fevereiro deste ano, o governo anunciou a redução da presença de alimentos processados e ultraprocessados na merenda escolar, que antes era de 20% e que foi limitada a 15%, e a substituição preferencialmente por alimentos frescos. A decisão irá influenciar diretamente o que irá para o prato de 40 milhões de estudantes de quase 150 mil escolas públicas de todo o país.

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Mas, para além do papel dos agricultores familiares neste processo, Helene lembra que o Imaflora atentou para a contribuição das merendeiras que preparam a alimentação que é servida às crianças nas escolas. “A gente trabalha com o PNAE há 10 anos, apoiando os agricultores com toda a burocracia, conversando com o poder público local porque tem questões de logística e um monte de desafios. Mas aí a gente se deu conta de que existia um público, dentro desse universo do PNAE, que é totalmente invisibilizado, que são as merendeiras. Então, a gente pensou em trabalhar com elas”.
Durante o projeto de capacitação, as merendeiras de escolas localizadas nos dois municípios passaram por três treinamentos: um sobre boas práticas de manipulação de alimentos; outro sobre o uso integral dos alimentos, apresentando como é possível aproveitar talos e folhas para preparar as refeições; e um terceiro sobre o próprio PNAE, para que pudessem entender qual é o próprio papel delas dentro desse universo. “Para motivar essa participação, a gente pensou em fazer um ‘MasterChef’, instigar a curiosidade, a imaginação e a criatividade delas, oferecendo um prêmio para a escola. E a gente ficou surpresa com o impacto disso porque a mobilização foi fantástica”, avalia Helene Manu. “Foi uma forma também de trazer receitas inovadoras porque a criançada também gosta dessas coisas”.
Merendeira em uma creche localizada em São Félix do Xingu há 15 anos, a servidora pública Elziane da Costa Lima foi uma das que aceitou o desafio de pensar em inovações e novos preparos utilizando os produtos que vêm da agricultura familiar. A receita desenvolvida por ela durante as oficinas foi vencedora do concurso. “Eu não tinha experiência nenhuma com o aproveitamento de cascas e sementes, mas lá eu aprendi a usar as cascas, sementes e talos. Pra eu chegar na escolha do meu prato, eu tive que pesquisar muito e eu construí uma carne vegana aproveitando a casca da banana. Isso foi inédito pra mim”, recorda. “No decorrer do curso, eu já comecei a colocar em prática o uso das cascas e sementes dentro da merenda escolar, a aproveitar tudo, sem desperdício nenhum. Eu percebi que a gente desperdiça tudo isso, joga tudo no lixo, mas eu aprendi que as cascas também têm nutrientes”.
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Alimentos in natura são importantes para o desenvolvimento
Os nutrientes presentes em frutas, verduras e demais alimentos in natura são especialmente importantes durante a infância, quando a criança está em processo de crescimento e desenvolvimento. A pediatra, professora na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará (UFPA) e mestre em Saúde na Amazônia, Diana Sato, lembra que durante a infância uma série de órgãos e tecidos estão sendo formados e os nutrientes a que essa criança tem acesso nesta fase da vida são muito definidores em relação à saúde que ela vai ter quando chegar à vida adulta. “Se essa criança desde pequena aprende a se alimentar com produtos in natura, com bastante vegetais, frutas, verduras, em uma alimentação variada, isso vai fazer com que ela tenha mais saúde no futuro, na vida adulta”.
Diana aponta que, hoje, as principais doenças que causam morte nos adultos são as chamadas Doenças Crônicas Não Transmissíveis, o que engloba as doenças cardiovasculares, como infarto agudo do miocárdio; como o acidente vascular encefálico, que é conhecido como AVC; como a obesidade; a hipertensão. “Todas essas doenças são preveníveis se a pessoa tem um hábito de vida saudável e grande parte desse hábito de vida saudável é a alimentação. Então, se a gente constrói isso desde a infância, a gente consegue prevenir essas doenças na vida adulta”.
A alimentação baseada em ultraprocessados - que são aqueles alimentos artificiais, que contêm ingredientes que não são alimentos que se encontra na natureza – pode levar ao desenvolvimento de uma série de processos inflamatórios. “Essas moléculas, esses conservantes, aromatizantes, antioxidantes artificiais causam processos inflamatórios no nosso corpo. Hoje a gente sabe que eles alteram, inclusive, a microbiota intestinal, que é extremamente importante inclusive para o funcionamento cerebral por conta do eixo intestino-cérebro e para imunidade, para processos inflamatórios. Então, uma alimentação baseada em ultraprocessados é extremamente deletéria e está associada a alterações renais, cardiovasculares, respiratórias”.
Pela própria forma como esses produtos são fabricados, eles apresentam um grande potencial de gerar um consumo compulsivo, já que as substâncias ali presentes, muitas vezes, possuem mecanismos que dificultam o controle da saciedade. Como consequência, o consumo frequente de alimentos ultraprocessados e hiperpalatáveis desde a infância pode levar a uma modulação do paladar da pessoa para um nível muito elevado de açúcar, sal e gordura. O que dificulta a aceitação dos alimentos que, efetivamente, serão capazes de proporcionar os nutrientes necessários para o indivíduo, como as frutas e verduras. “Os alimentos ultraprocessados são produtos comerciais, fabricados pela indústria alimentícia com o objetivo de obter lucro. Então, eles desenvolvem fórmulas que a gente reconhece como hiperpalatáveis. É um sabor que não existe na natureza. Eles colocam, geralmente, um excesso de sal, um excesso de gordura, um excesso de açúcar que causa, no momento que você mastiga e sente esse sabor, um prazer imediato muito grande. E o nosso cérebro tem esse mecanismo de busca do prazer. Então, para que você sinta de novo o prazer que aquele produto te causou, você vai ingerir ele novamente”, explica a pediatra. “
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