
Celebrado no dia 15 de agosto, o feriado da Adesão do Pará simboliza o momento em que a província do Grão-Pará e Maranhão aceitou a Independência do Brasil. Com ligação direta com o Coroa Portuguesa, em Lisboa, o território tinha forte presença de comerciantes e autoridades lusitanas, o que resultou em uma resistência inicial à independência brasileira, sendo a última província a aderir ao movimento. Longe da pacificidade, o episódio foi marcado por ameaças, revoltas e um grande massacre da população paraense, que culminou, anos depois, na maior e mais importante revolta popular: a Cabanagem.
A então província do Grão-Pará era uma unidade administrativa de Portugal, que englobava os territórios das atuais regiões Norte e Nordeste, incluindo os Estados do Pará, Maranhão, Amapá, Amazonas, Roraima e parte do Tocantins. De acordo com o diretor do Arquivo Público do Estado do Pará (Apep), Leonardo Torii, quando é proclamada Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, nem todas as províncias aceitam a separação do Reino do Brasil do Reino de Portugal e Algarves, entre elas a Cisplatina, hoje território do Uruguai, e os atuais Estados da Bahia, Piauí, Maranhão e o próprio Pará.
A negativa faz com que Dom Pedro I contrate o almirante inglês Jhon Pascoe Grenfell para forçar a adesão da Independência por essas províncias, evitando uma separação do território brasileiro. Sendo assim, a esquadra comandada por Grenfell parte da Cisplatina até o Pará, sendo este o último território a aderir ao processo histórico. Um dos principais objetivos do imperador era não perder a Amazônia, já que se tratava de uma região estratégica devido às chamadas “drogas do sertão”, importantes para o comércio e a economia de Portugal.
“A Amazônia é um ponto estratégico e Dom Pedro sabe disso. Enquanto o Nordeste se destacava com açúcar e o Sudeste com café, aqui na Amazônia a base da economia de exportação era chamada de ‘drogas do sertão’. Eram produtos da floresta que tinham algum valor na Europa. Isso foi muito subestimado ao longo da história, hoje sabemos o quanto essas drogas eram extremamente importantes para o comércio de Portugal e tinham valor alto dentro da Europa. Todas as drogas do sertão tinham que passar por Belém, que é praticamente a porta de entrada e saída do Rio Amazonas. O controle do Pará, de Belém, era fundamental para manter esse comércio das drogas do sertão. A adesão do Pará era estratégica e prioritária”, explica o diretor do Apep.
Blefe
A Adesão do Pará ocorre quase um ano após a proclamação da independência brasileira, em 15 de agosto de 1823. No dia anterior à adesão foram registradas movimentações intensas dentro da província do Grão-Pará entre grupos favoráveis e desfavoráveis ao fim da ligação com a Coroa Portuguesa. “Nós temos dois grandes grupos opositores. Um é a favor da adesão, liderado por Batista Campos; e o outro grupo é o contrário à adesão, formado basicamente por portugueses, que queriam que a província continuasse ligada ao Reino de Portugal. São grandes comerciantes da região que não queriam perder seus postos, não queriam perder dinheiro, e essa oposição trava uma luta antes da adesão”, relata Torii.
Em meio às discordâncias, o comandante Grenfell chega ao Grão-Pará com um grande blefe: uma carta supostamente enviada por Dom Pedro I. O documento comunicava que uma esquadra estava próximo ao território da província e seria obrigada a bombardear a cidade caso não aceitassem a Independência do Brasil. Os navios estariam em Salinas, a cerca de 200 quilômetros de Belém, prontos para bloquear o porto da capital, isolando o território do resto do Brasil e prejudicando as exportações, base da economia. Na realidade, a esquadra ainda estava no Maranhão.
Diante da farsa, as autoridades se reúnem e aderem à Independência. A ata contém 107 assinaturas da época aceitando a separação de Portugal, sendo assinada no Palácio Lauro Sodré, sede da Colônia Portuguesa na província. Atualmente, o documento está sob responsabilidade do Arquivo Público do Pará.
Ao analisar o registro é possível perceber um tom de preocupação sobre o futuro do Grão-Pará. “Antes da adesão havia um clima muito pesado aqui na cidade, porque não se sabia o futuro da região e não se sabia se teria um conflito ou não. Tanto é que tem um documento um pouco antes da adesão escrito pelo Comandante das Armas, José Maria de Moura, alertando as autoridades portuguesas que caso acontecesse uma tentativa de invasão, a província tinha isso aqui de armas, de navios, de pólvora e de munição”, revela o diretor Leonardo.

Quer saber mais notícias do Pará? Acesse nosso canal no Whatsapp
E mais...
documentos
- Estão sob domínio do Arquivo Público do Pará os documentos que revelam o processo da independência brasileira e de adesão da província do Grão-Pará. O primeiro deles é uma carta do Governador das Armas do Pará, José Maria de Moura, escrita no dia 17 de setembro de 1822, logo após a notícia da Independência do Brasil. A mensagem, enviada a Portugal, revela o poder bélico da província em caso de invasão das tropas de Dom Pedro I.
- Um dos documentos mais importantes desse período é a ata de assinatura das 107 autoridades aderindo à Independência do Brasil, no dia 16 de agosto. A ideia era firmar que, a partir da data citada, o Pará aceitava fazer parte do Brasil, sendo, então, subordinado às ordens do novo imperador brasileiro. O documento ainda revela a identificação do próprio Cônego Batista Campos. Advogado e jornalista, ele foi figura central durante a Adesão e a Cabanagem, atuando como líder intelectual dos movimentos.
- Anteriormente à assinatura, no dia 11 de agosto, o comandante das Armas envia outra carta a Portugal informando que a grande possibilidade da adesão pelas autoridades locais, o que ocorreu quatro dias depois. Com isso, Moura notificou a Corte Portuguesa o encerramento do trabalho na província e a sua volta à terra natal, Portugal.
Serviço
exposição virtual
- O Arquivo Público abre, nesta sexta-feira (15), a exposição virtual “A Adesão do Pará à Independência do Brasil: Registros do Arquivo Público”. A mostra dispõe de documentos produzidos antes e depois da adesão, permitindo conhecimento público sobre os bastidores mais marcantes deste episódio da história regional. Os interessados podem conferir o material digitalizado e a sua transcrição no site da Secretaria Estadual de Cultura (Secult) até o dia 31 de agosto. Acesse www.secult.pa.gov.br.
Tragédia na Brigue Palhaço serve de combustível para a Cabanagem
A Adesão do Pará à Independência do Brasil ocorreu no dia 15 de agosto de 1823. Porém, o documento só foi assinado no dia seguinte, 16 de agosto. Logo após o reconhecimento do Brasil enquanto monarquia, outros municípios e vilas aceitaram a subordinação à autoridade de Dom Pedro I. Entre elas estão Bragança, Vigia, São João do Araguaia, Ilha Grande de Joanes, no Marajó; Cametá e a própria cidade de Manaus. Com o fim do “Brasil Colônia”, a população do Grão-Pará tinha grande expectativa em uma ampla mudança estrutural, que incluía a expulsão dos portugueses do território paraense, já que estes ocupavam cargos muito visados, relacionados à administração burocrática. Com a estimativa frustrada, a adesão vai causar uma série de insatisfações, principalmente pelo grupo favorável.
“Houve uma ruptura política, mas não houve uma ruptura estrutural. Então, esses portugueses se mantiveram nos mesmos cargos. Isso vai causar uma série de insatisfações por parte daquele grupo que lutou pela adesão, entre eles o próprio Batista Campos. É daí que começa uma forte oposição que vai culminar numa revolta em outubro do mesmo ano de 1823, e a prisão desses revoltosos”, antecipa.
BRIGUE PALHAÇO
O principal episódio que marca o processo de adesão é a “Tragédia do Brigue Palhaço”. Em busca de “apaziguar” as contestações, em 22 de outubro do mesmo ano, o comandante Grenfeel manda prender os revoltosos no porão do navio “São José Diligente”. Na madrugada do dia 23 foi ordenado que despejassem cal viva nos aprisionados, substância corrosiva que causa queimaduras na pele e asfixia, quando inalada. O ato provocou a morte de 250 pessoas no porão do Brigue, sendo, até hoje, considerado um ato de violação dos Direitos Humanos contra quem lutava por direitos igualitários. Mais tarde, este capítulo histórico serve de combustível para a explosão da Cabanagem, em 1835. “O que aconteceu em outubro de 1823 vai ser sempre relembrado. A memória da Cabanagem foi construída em cima desse massacre”, explica Torii.
Para saber mais, acesse a edição eletrônica do jornal Diário do Pará
Seja sempre o primeiro a ficar bem informado, entre no nosso canal de notícias no WhatsApp e Telegram. Para mais informações sobre os canais do WhatsApp e seguir outros canais do DOL. Acesse: dol.com.br/n/828815.
Comentar