
Mais de R$ 161 milhões já foram pagos pela Prefeitura de Ananindeua a uma empresa, aparentemente, de fachada: a Construtora Santa Cruz Ltda (CNPJ: 10.867.643/0001-90). Os números são do Portal da Transparência e foram atualizados pelo DIÁRIO com base no IPCA de julho. Os ganhos da empresa abrangem o período entre janeiro de 2021 e o último dia 04. Mas como ela possui vários contratos milionários, é provável que esses ganhos atinjam mais de R$ 200 milhões, até o final deste ano. Antes da administração do prefeito Daniel Santos, tudo o que a empresa recebeu daquela prefeitura foram R$ 697 mil, em 2019. Um dos sócios da empresa, José Alfredo de Jesus Lobato Coelho, é vizinho do prefeito, em um condomínio de luxo, em Ananindeua.
Desde o ano passado, a Santa Cruz vem passando por uma série de turbinagens, que permitem justificar o volume crescente de recursos que vem recebendo da Prefeitura. Ela comprou uma usina de asfalto, alugou máquinas pesadas e aumentou o capital social, que saltou de R$ 300 mil para R$ 3,7 milhões, entre 2023 e 2025, ou seja, em menos de dois anos. Com isso, o dinheiro público jorra cada vez mais forte nos cofres da empresa. Em valores atualizados, ela recebeu da Prefeitura cerca de R$ 12,5 milhões, em 2021. Em 2022, R$ 17,5 milhões. Em 2023, quase R$ 23 milhões. Já no ano passado, a montanha de dinheiro praticamente triplicou: foram mais de R$ 62 milhões. E neste ano, só até o último dia 4, já foram mais de R$ 46 milhões.
A estruturação da empresa e a destinação de recursos públicos cada vez maiores estariam sendo provocadas pelas investigações do Gaeco, o grupo de Combate ao Crime Organizado do MPPA. O problema é que a Santa Cruz faria parte de um grupo de empresas “guarda-chuvas”, cujos contratos com a Secretaria Municipal de Saneamento e Infraestrutura (Sesan) conteriam várias irregularidades. Pelo menos é isso o que apontam as mensagens trocadas pelo ex-secretário de Saneamento, Paulo Roberto Cavaleiro de Macedo, afastado do cargo por ordem judicial, e a ex-diretora financeira da Sesan, Marilene de Queiroz Nascimento Pinheiro, hoje secretária municipal de Serviços Urbanos.
As mensagens foram encontradas pelo Gaeco no smartphone de Paulo Roberto, apreendido durante a operação Aqueronte, em 6 de setembro do ano passado. A Aqueronte originou a operação Hades, realizada no mês passado, para desbaratar um esquema de fraudes licitatórias, corrupção e lavagem de dinheiro, que seria comandado pelo prefeito. Segundo o Gaeco, em 21 de junho do ano passado, Paulo Roberto enviou mensagens de áudio à Marilene Pinheiro, pedindo que ela tomasse providências em relação a alguns contratos da Sesan, “pois estaria vindo ‘uma grande operação’ nos próximos dias” (provavelmente, a Aqueronte, em 6 de setembro). Paulo Roberto disse à diretora que olhasse “os processos que estão com alguma ponta solta, alguma coisa que eu acho que vem bomba grande por aí pela frente, tá?”.
O então secretário também disse que era preciso “ver o que a gente tem que ajeitar nesses contratos, tá?”. “Então, a gente tem que se precaver”. Marilene Pinheiro respondeu que o seu medo eram “os guarda-chuvas, Coelho, DSL e Edifikka”. Segundo o Gaeco, o “receio” de Marilene Pinheiro se referia a contratos “contendo múltiplas irregularidades”. Entre eles, os contratos das empresas Edifikka Construtora e DSL Construtora e Incorporadora, do empresário Danillo da Silva Linhares, que também é vizinho do prefeito, assim como o dono da Construtora Santa Cruz. Segundo as investigações, a DSL e a Edifikka teriam ganhado R$ 115 milhões em licitações fraudulentas da Sesan. Já a outra empresa “guarda-chuva”, a Coelho, o Gaeco não diz quem é. Mas o DIÁRIO encontrou indícios de que se trata da JA de J Lobato Coelho Eireli, o antigo nome da Construtora Santa Cruz.

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HISTÓRICO
PROBLEMÁTICO
A JA de J Lobato Coelho/Construtora Santa Cruz possui um histórico problemático e laços indisfarçáveis com o engenheiro Carlos Demétrio Cordeiro Gouvea, dono da Cabano Engenharia e Construções Ltda. Até poucos anos atrás, a Santa Cruz teria sido uma “Eireli” (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada) e funcionava no número 243 da Rua Jardim Providência, no bairro de Águas Lindas. Mas o DIÁRIO não conseguiu encontrar essa numeração. O mesmo ocorreu com uma funcionária do MPPA, que tentou entregar uma notificação à empresa, em julho último. A empresa foi ou ainda está sendo alvo de um Inquérito Civil do MPPA, devido à paralisação, desde 2019, de uma obra de drenagem e pavimentação, na localidade de Helderlândia.
Já o endereço mais recente registrado pela Santa Cruz também é problemático: Tv 7, terreno 04, Setor G, número 4, Quadra 10, Distrito Industrial. Aparentemente, é o mesmo de uma filial da Cabano Engenharia e Construções (CNPJ: 83.764.449/0003-15) e da Dimaq Construções: Rua Distrito Industrial, número 04, Tv 7, Quadra 10, Setor G, lote 4 (“altos” e “térreo”, respectivamente). Mas os laços entre a Cabano e a Santa Cruz não param por aí. Em um processo de 2022 (Ação Trabalhista número 0000884-44.2022.5.08.0120), o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT8) reconheceu uma “nítida relação de grupo econômico por coordenação” entre as duas empresas. Na época, além de ambas realizarem obras para a Prefeitura de Ananindeua, o engenheiro Carlos Demétrio Gouvea, o dono da Cabano, também figurava como sócio-administrador da Santa Cruz, junto com José Alfredo Lobato Coelho.
Em 2023, Carlos Demétrio Gouvea deixou o quadro societário da Santa Cruz, mas permaneceu como engenheiro responsável da empresa. Além disso, no ano passado, a empresária Maria Luísa Leal Flores, que seria parente dele, tornou-se sócia da Santa Cruz. Ainda não se sabe se as duas empresas já participaram juntas de licitações da Prefeitura de Ananindeua, o que seria irregular. Mas o fato é que é a Cabano que vem ajudando a Santa Cruz a conseguir um porte compatível com os contratos milionários que ela vem obtendo na Prefeitura de Ananindeua. Em janeiro deste ano, a Cabano alugou várias máquinas (escavadeira, retroescavadeiras, caçambas) à Santa Cruz. Além disso, em janeiro do ano passado, a Dimaq Construções vendeu à Santa Cruz uma usina de asfalto. E a Dimaq tem como sócios Carlos Demétrio Gouvea, o dono da Cabano, e Luciana Rodrigues Leal Gouvea, provavelmente, esposa dele.
Para entender

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Uma turma da pesada
Até o mês passado, o Gaeco já havia identificado 7 empresas e 5 empresários que estariam envolvidos em um esquema milionário de fraudes licitatórias, corrupção e lavagem de dinheiro, comandado pelo prefeito Daniel Santos. As empresas possuem ou possuíram contratos com a Prefeitura e teriam pagado propina ao prefeito: compraram bens para a Agropecuária JD Ltda, cujo único dono é Daniel, ou realizaram transferências bancárias, para ajudar a quitar esses bens.
Segundo as investigações, graças a esse esquema criminoso Daniel teria adquirido mais de R$ 30 milhões em bens. A lista inclui um avião, que custou R$ 10, 9 milhões; 3 fazendas, no município de Tomé-Açu, que somam 3.800 hectares (mais de 5.300 campos de futebol), adquiridas por R$ 16 milhões; uma fazenda de 300 hectares, no município de Aurora do Pará, que custou R$ 1,4 milhão; uma retroescavadeira de R$ 870 mil e quase R$ 1,2 milhão em óleo diesel (ou 220 mil litros a preços de hoje).
As 7 empresas que teriam pagado propina ao prefeito são a Edifikka, DSL, R. Souza&Cia, Martins Engenharia, Everest Empreendimentos Imobiliários, Altamed Distribuidora de Medicamentos e JR Participações e Investimentos. Mas na lista de quem ajudou a comprar o avião para ele há outras 13 empresas e pessoas físicas, que também possuiriam contratos com a Prefeitura e que ainda não figuram nas investigações.
As maiores fraudes licitatórias já identificadas (R$ 115 milhões) beneficiaram a DSL e a Edifikka. A suposta quadrilha responsável pelas fraudes foi desbaratada, no ano passado, pelo Gaeco, durante a operação Aqueronte. Dela fariam parte, também, o então secretário de Saneamento, Paulo Roberto Cavalleiro de Macedo (também vizinho de Daniel), e o ex-presidente da Comissão Permanente de Licitação (CPL), Manoel Palheta Fernandes, então “Assessor Estratégico” do Gabinete do prefeito, lotado na Secretaria Municipal de Licitação.
No mês passado, durante a operação Hades, Daniel chegou a ser afastado do cargo. Mas obteve uma liminar (uma decisão imediata e provisória) do ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e reassumiu a prefeitura. Apesar de reconhecer a “gravidade dos fatos mencionados”, o ministro entendeu que não havia motivos para o afastamento do prefeito, que não estaria tentando atrapalhar as investigações, naquele momento.
Mas, pouco depois, Og Fernandes se afastou do caso, porque descobriu que a esposa dele era advogada de Daniel, em outro processo. Além disso, a liminar apenas garantiu a permanência de Daniel e as investigações prosseguiram. O MPPA também recorreu contra a liminar, por acreditar que o prefeito está, sim, tentando interferir na apuração: ele teria pressionado empresários que o denunciaram ao Gaeco, para que mudassem seus depoimentos.
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