Paul McCartney, um dos maiores ícones da música mundial, há muito tempo defende que reduzir o consumo de carne é essencial para conter a crise climática. Ele argumenta que a pecuária tradicional é uma das atividades que mais emitem gases de efeito estufa e pressionam florestas tropicais, além de estar associada ao desmatamento e à degradação ambiental. Mas será que toda pecuária é igual? E será que o único caminho possível é parar de comer carne?
Aqui no Pará, essa discussão ganha nuances que quem vê de fora muitas vezes não percebe. O estado, dono de um dos maiores rebanhos bovinos da Amazônia, tenta mostrar que há outro caminho. Com o Programa Pecuária Sustentável do Pará, o governo quer transformar o setor em parte da solução, e não apenas no símbolo do problema.
A proposta é ambiciosa: produzir carne sem desmatar, com rastreabilidade, boas práticas e transparência. O programa, lançado durante a COP 28, estabeleceu metas ousadas. A principal delas é rastrear todo o rebanho do estado até 2027, começando pelas movimentações de gado já em 2026. Na prática, isso significa que cada animal recebe uma identificação individual, o que permite acompanhar sua origem, movimentação e histórico. Assim, o consumidor pode saber de onde veio a carne e se ela foi produzida de forma responsável.
Além da rastreabilidade, o programa incentiva a regularização fundiária e ambiental. Muitos produtores ainda estão na informalidade e, por isso, ficam impedidos de vender legalmente. Com a iniciativa chamada “Requalificação Comercial”, apresentada em 2025, esses produtores têm a chance de se adequar às normas e voltar ao mercado formal. Em vez de punir quem errou, o governo tenta orientar e incluir, desde que haja compromisso com a regularização.
Essa mudança de postura representa uma nova maneira de enxergar a pecuária. Em vez de tratar o boi como vilão da floresta, o Pará tenta transformá-lo em parte de um modelo econômico mais equilibrado, capaz de gerar renda, manter famílias no campo e proteger o meio ambiente. Se o programa der certo, o estado pode abrir portas para mercados internacionais que valorizam a carne produzida de forma sustentável.
E é aqui que me vem à cabeça uma canção que atravessa gerações: “Para Lennon e McCartney”, dos Mutantes e do 14 Bis. A música fala sobre o olhar estrangeiro que, de longe, não entende o que é ser daqui, nem o que significa viver as contradições do Brasil profundo. Quando Paul McCartney critica a pecuária amazônica de forma genérica, ele talvez fale desse mesmo lugar de quem nunca pisou nesse chão, nunca sentiu o cheiro da chuva batendo na terra vermelha, nem viu o produtor que tenta sobreviver sem derrubar mais uma árvore.
“Vocês não sentem, nem veem, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo, que uma nova mudança em breve vai acontecer.”
Milton Nascimento ‧ 1970,Talvez essa “nova mudança” já esteja começando por aqui.
A crítica de McCartney continua válida. O impacto da produção de carne sobre o planeta é real e não pode ser ignorado. Mas talvez, na Amazônia, a pergunta mais urgente não seja “devemos parar de comer carne?”, e sim “como podemos produzir carne sem destruir a floresta?”.
Se o Programa Pecuária Sustentável do Pará conseguir cumprir o que promete, com transparência, controle e incentivo aos pequenos produtores, talvez o mundo olhe pra cá e veja que é possível conciliar floresta, boi e futuro. E quem sabe, um dia, o próprio McCartney também perceba que a Amazônia não é só um símbolo distante, mas um território vivo, cheio de gente tentando fazer diferente.
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