São vários os tipos de ameba que habitam o sistema digestivo humano. Na boca, por exemplo, podemos encontrar a Entamoeba gingivalis, que, de certo modo, auxilia a saúde bucal, fagocitando bactérias, outros protozoários e restos celulares. Mas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o único protozoário parasita humano é a Entamoeba histolytica. Essa espécie vive no intestino grosso e pode causar a amebíase intestinal. A amebíase ocorre com maior incidência em países de clima tropical ou subtropical.
Segundo a OMS, 50 milhões de novas infecções da doença são registradas, por ano, no mundo. A amebíase intestinal é a segunda causa de morte por doenças parasitárias, ficando atrás apenas da malária. Anualmente, a amebíase mata em torno de 100 mil pessoas. Dados do Núcleo de Medicina Tropical (NUMT) da Universidade Federal do Pará (UFPA) indicam que cerca de 29% da população do Pará hospeda o parasito.
Diante deste cenário e visando contribuir com as pesquisas nessa área, o NUMT estabeleceu, em junho de 2011, uma cooperação científica com o Weizmann Institute, de Israel, para realizar os primeiros testes de vacina contra a amebíase humana. Será a primeira vacina deste tipo no mundo.
A amebíase é uma doença de fácil contágio. Quando um indivíduo tem o protozoário no intestino (trofozoíto), os cistos (forma de resistência do protozoário) são eliminados pelas fezes e contaminam o meio ambiente, principalmente a água e o solo, em locais onde não há saneamento básico adequado. Ao beber água ou ingerir alimentos contaminados, os cistos vão para o intestino, onde se tornam o agente causador da doença. O ciclo biológico do parasito é monogenético, ou seja, tem apenas um hospedeiro. O percurso da infecção é de homem para homem.
No intestino, em sua forma móvel (trofozoíto), o parasito se reproduz por divisão binária ou cissiparidade, processo por meio do qual o parasito divide-se em outros dois e assim por diante. No intestino grosso, os trofozoítos se alimentam de bactérias ou fragmentos celulares humanos. Em geral, os sintomas da amebíase intestinal são indisposição, diarreia intermitente e flatulência. Há casos, porém, em que o parasito degrada o tecido intestinal, provocando úlceras e sangramentos. Quando o parasito atravessa o intestino grosso e alcança a corrente sanguínea, ele pode acometer o fígado, o pulmão e o cérebro. Nesses casos, a doença é chamada de amebíase extraintestinal.
Sem assistência médica, óbito pode ocorrer rapidamente
Quando ocorre a invasão tecidual, caso não haja intervenção médica, o paciente pode vir a óbito em pouco tempo, em cerca de dois a três meses. A E. histolytica é uma "máquina" de destruir células humanas. Ela possui proteínas de membrana que a aderem às células intestinais. Assim, o protozoário injeta no interior do tecido parasitado os seus fatores de virulência, os ameboporos e as cisteineproteinases. Os ameboporos são pequenos polipeptídeos que existem no citoplasma do protozoário.
Os ameboporos, quando liberados no meio extracelular, perfuram as camadas lipídicas das células intestinais. Consequentemente, as células parasitadas perdem material intracelular. Em seguida, o parasito libera proteína lítica, a cisteineproteinase, no interior do tecido intestinal. A cisteineproteinase rompe os compenentes proteicos das células intestinais parasitadas, matando-as. Por fim, o protozoário fagocita os restos das células humanas degradadas por ele.
O projeto da vacina contra a amebíase humana consiste na manipulação genética dos trofozoítos. "A linhagem HM1, a linhagem virulenta, que causa a doença, sofreu uma modificação por meio de técnicas de biologia molecular. Hoje, existem técnicas de 'knockout’, por meio das quais nós conseguimos manipular o código genético de qualquer organismo", explica Evander Bastista, professor do Núcleo de Medicina Tropical da UFPA e responsável pelos testes da vacina.
Os pesquisadores do Instituto Weizmann alteraram molecularmente os principais componentes do protozoário, os quais o parasita usa para degradar as células do intestino humano. Os genes de codificação do ameboporo e da cisteineproteinase 5 (EhCP5), principais fatores de virulência do parasito, foram silenciados ou "nocauteados". Ou seja, modificados de forma a não mais se expressarem. A modificação genética do protozoário constituiu a primeira fase da pesquisa.
"Na verdade, os pesquisadores do Instituto Weizmann criaram uma nova cepa de E. histolytica a partir da cepa virulenta e causadora da amebíase. Para criar essa nova ‘linhagem’ de organismos, chamada de RB10, os pesquisadores manipularam os genes da cisteineproteinase e dos ameboporos. De resto, os organismos atenuados (geneticamente modificados) possuem as mesmas características dos organismos virulentos", esclarece Evander Batista.
Hipótese é que animais não desenvolvam a doença
É justamente com essa linhagem atenuada de parasitas que serão feitos os experimentos. O Núcleo de Medicina Tropical da UFPA, com a colaboração do Centro Nacional de Primatas (CENP), realizará os testes utilizando as células modificadas em macacos. Os testes serão feitos em macacos porque eles, tal como os humanos, desenvolvem a amebíase. Os testes da vacina começarão agora em junho.
A vacina será inoculada em macacos, os quais terão acompanhamento diário de uma equipe, formada por alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFPA. O objetivo é analisar se, depois de inoculada a vacina, houve ou não resposta do sistema imune do animal. Depois dos testes com a linhagem modificada do parasito, serão feitos experimentos com a linhagem virulenta, causadora da amebíase.
"Faremos a inoculação da linhagem atenuada, esperaremos os macacos desenvolverem imunidade e depois, então, inocularemos a linhagem não modificada, ou seja, virulenta e causadora da doença. Como o primata já terá desenvolvido uma resposta imunológica contra o parasito, esperaremos que esta resposta seja capaz de protegê-lo contra infecções subsequentes e, obviamente, contra o desenvolvimento da doença", explica Evander Batista.
Se os testes funcionarem, o passo seguinte será usar as células modificadas (vacina) em seres humanos. "Se você entra em contato com o parasito na forma atenuada, seu organismo produzirá uma resposta imunológica. Se um dia, você consumir água contaminada, já estará com a imunidade garantida e não desenvolverá a doença. Essa é a nossa hipótese", afirma o pesquisador. Além da UFPA, do Institute Weizmann de Israel e do Centro Nacional de Primatas (CENP), a pesquisa conta com a colaboração do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).(Ascom Ufpa)
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