Sem líder, sem carro-som, sem pauta definida. Contra o governo, contra os partidos, contra a mídia e até contra o aumento do preço da farinha e do açaí. Como ocorreu em todo Brasil, as manifestações realizadas em Belém na última semana deram um nó na cabeça dos analistas e muitas teorias começaram a surgir.
O que mais chama a atenção é o que está sendo classificado como “caráter horizontal” do movimento. Nenhum grupo, partido ou organização não governamental aceita falar como liderança dos protestos. Os horários e locais das manifestações são anunciados em grupos criados no Facebook. Cada um prepara sua faixa ou cartaz e segue a multidão.
O principal grupo a organizar os protestos na capital paraense é o “Movimento Belém Livre”, que na tarde da última sexta-feira já contava com mais de 25 mil membros. O “Dia do Basta: contra a PEC 37” foi o responsável pelos protestos deste sábado contra a proposta de Emenda Constitucional que propõe reduzir o poder de investigação do Ministério Público.
Na tarde de sexta, já tinha mais de dez mil pessoas confirmadas no evento. Procurados pelo DIÁRIO, os administradores dos dois grupos se esquivaram. “Não temos lideranças. As informações estão no Facebook”, disse Ricardo Silva, um dos administradores do Manifesto Belém, que na sexta exibia como capa a frase: “somos todos Belém Livre. Estamos todos na organização”.
Para organizar a primeira caminhada houve uma reunião aberta no domingo, 18, na Praça da República. Participaram profissionais liberais, donas de casas, estudantes. No dia seguinte, à tarde, o trajeto -de São Brás ao Entroncamento- transcorreu sem incidentes. Mas se houve quem elogiasse o clima pacífico da primeira manifestação, houve quem criticasse o que considerava subserviência do grupo à polícia e às autoridades do Estado.
A segunda manifestação foi definida em nova reunião na última quarta-feira. E nela, já era possível ver o racha entre os manifestantes. Houve discussões acaloradas até em torno do trajeto que foi definido da Praça Santuário em Nazaré até o Palácio Antônio Lemos, sede do poder municipal. Ao longo do trajeto, na quinta-feira, foram muitos os embates. O principal deles era entre os que defendiam a exibição de bandeiras dos partidos na marcha e os que são contrários.
Logo na frente da caminhada, um grupo defensor da presença dos partidos exibia uma imensa faixa onde acusava o outro lado de fascismo: “Apartidarismo, nacionalismo, moralismo, espontaneísmo é igual a fascismo”. “Quando a gente fala sem partido não é porque somos contra os partidos. Eles são importantes, mas não queremos que eles controlem o movimento. Nossa intenção era que o ato fosse apartidário”, explica o advogado Fernando Gurjão Sampaio, que até a quinta-feira era uma espécie de porta-voz dos protestos, mas sob críticas, anunciou que deixaria o movimento.
Na tarde da quinta, a caminhada estava claramente dividida. Havia os jovens filiados a partidos, representantes do Movimento dos Sem-Terra, movimento estudantil, idosos e muitos jovens que ouviram falar dos protestos no Facebook e estavam alheios à disputa que se acirrava entre os grupos antagônicos pelo controle do movimento. “Se o País é nosso, a gente pode protestar”, dizia a estudante Isabela Nunes, 17 anos, peruca colorida em verde e amarelo.
A divisão entre os manifestantes atingiu o ápice em frente ao Palácio Antônio Lemos. Havia dúvidas se era possível formar uma comissão para conversar com o prefeito Zenaldo Coutinho. Sem lideranças, não houve consenso sobre quem formaria a comissão e a ideia foi trazer Zenaldo para o público em geral.
O DIÁRIO apurou que o prefeito fora avisado dos riscos. Mesmo assim decidiu aparecer aos manifestantes, alimentando especulações de que queria se aproveitar politicamente do ato. Um grupo começou a gritar “populista” e outros termos impublicáveis. Vieram as pedras e a ação da polícia que terminou em feridos. A gari Cleonice Vieira de Moraes teve uma parada cardíaca e morreu em circunstâncias que ainda estão sendo investigadas.
O desfecho aumentou ainda mais as dúvidas sobre o que querem e como pensam os jovens que estão nas ruas em Belém seguindo a um chamado que se espalha por todo País.
No dia seguinte às cenas de violência no centro de Belém, organizadores trocavam acusações no Facebook. De um lado, há os que acusam os partidos de quererem “controlar o povo”; de outro, os que acusam o movimento de ameaçar a democracia ao querer excluir as legendas. No meio do tiroteio verbal, outros jovens indagam: quando será o próximo protesto?
Das redes sociais às ruas, a negação de lideranças
Os protestos que chegaram a Belém na segunda-feira, 19, começaram em São Paulo e se espalharam por todo País atingindo seu ápice na última quinta-feira, 20, quando cenas de vandalismo foram vistas de Norte a Sul. No início era apenas uma passeata contra o aumento de 20 centavos na passagem de ônibus na maior cidade do País. A ação violenta da polícia causou revolta e fez nascer um sentimento de solidariedade que resultou em passeatas em mais de 100 cidades. Da passagem de ônibus, a pauta dos manifestantes cresceu. Eles reivindicam melhorias na saúde e educação; pedem auditoria nos gastos da Copa e até a reforma da Constituição. “Temos demandas imediatas, de médio e longo prazo”, diz um rapaz que se identifica apenas como Hugo, “para não sofrer represália”, e nega ser líder dos protestos.
"Agora as ruas nos colocaram frente a uma nova forma de manifestação pública. Houve uma descentralização das funções convencionais. A insatisfação foi para as ruas difusa, as causas também. O manifesto ficou maior que qualquer bandeira, a necessidade era estar visível. O comando e a dinâmica de convocação também mudaram. São horizontais, se propagam como nas redes, Daí a ausência de lideranças visíveis. Todos se sentem iguais. Não precisam de carro som, coordenações. As passeatas acabam sendo um aglomerado sem início ou fim”, explica a professora de comunicação Ivana Oliveira, que estuda o uso das redes.
Apesar dos apelos para que as manifestações ocorram “sem violência”, na maioria das cidades, os protestos terminam com cenas de vandalismo. Uma das mais fortes foi a tentativa de destruição do prédio do Itamaraty em Brasília.
O uso das redes sociais, a rejeição às instituições e, agora, o tom violento dos protestos, pararam o País, que há uma semana não fala de outra coisa, e aguarda perplexo, os próximos passos ou a próxima convocação no Facebook.
(Diário do Pará)
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