Considerada pelos historiadores uma revolução social que teve início em Belém do Pará e se espalhou por quase todo o Estado, resultando em milhares de mortes, o movimento que ficou conhecido como a Cabanagem completou 180 anos na última semana. De acordo com dados dos estudiosos, a Cabanagem eclodiu no dia 7 de janeiro de 1835, na Província do Grão-Pará. Na capital, a revolta dos cabanos durou pouco mais de um ano. Contudo, em 1840, surgiram as últimas notícias de conflitos no interior do Estado.
Ainda hoje, não há uma afirmação definitiva do que foi e de quem participou da Cabanagem. O que se sabe é que houve participação da população pobre, imigrantes, negros, mestiços, índios e até mesmo parte da elite da Amazônia que era contra o governo imperial.
“Durante muito tempo, não se falava no dia 7 de janeiro. Até o fim do século 19 só se falava em 13 de maio de 1836, no fim da revolta. A visão era de que a Cabanagem se tratava de um fato negativo”, explica o professor Túlio Chaves, mestre ligado à Faculdade de História da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).
De acordo com o historiador, a ideia de que a Cabanagem foi um fato negativo começou a ser desmistificada em meados do século 20. “Muitos documentos do século 19 tratavam a Cabanagem como ‘o tempo da malvadeza’ e até mesmo a população pobre começou a ser vista como algo ruim. A elite passava essa imagem, pois tinha medo do retorno da Cabanagem. Essa ideia começou a mudar 100 anos depois, quando surgiram pesquisadores como Jorge Hurley e Vicente Salles, que a chamaram de revolta ou revolução e começaram a dar novas interpretações. Mas não há uma interpretação definitiva, mesmo nos dias atuais”, garante.
PARA A HISTÓRIA
O historiador conta que, na época da Cabanagem, ainda não existia uma ideia clara de que o Pará pertencia ao Brasil. “Os cabanos se consideravam patriotas, mas isso não estava associado à nacionalidade, pois era algo que ainda estava sendo definido. Foi um movimento popular de vários grupos sociais, menos portugueses, porque foi contra a elite portuguesa. Foi um processo de formação de identidade do Estado do Pará e parte do que se lutou durante a revolução, por mais direitos sociais e menos exploração do trabalho, continua em pauta ainda hoje”, assegura.
Para ele, muitos problemas sociais colocados em evidência durante o movimento popular ainda são vividos nos tempos atuais. “A interpretação sobre a Cabanagem é uma história ainda em construção para tentar entender o que de fato foi e de que maneira ela ainda está presente, pois faz relação com o presente. Grande parte das questões da Cabanagem ainda não foi resolvida. A ideia positiva da Cabanagem ainda é muito recente. Até hoje o 7 de janeiro não ganhou um grande destaque”, ressalta.
ESQUECIDO MEMORIAL
A pedido do então governador do Pará, Jader Barbalho, em 1985, o arquiteto Oscar Niemeyer projetou o Memorial à Cabanagem, monumento erguido na entrada da capital paraense, no complexo do Entroncamento, para então lembrar os 150 anos da revolução cabana, movimento em que o povo havia conseguido chegar ao poder. “Jader Barbalho veio como o primeiro governador eleito após anos de ditadura militar. O monumento retratou a redemocratização, a chegada do povo ao poder. Foi por isso que ele mandou construir o monumento da Cabanagem”, lembra Chaves.
Com o passar dos anos, o monumento foi esquecido e deixou de ser um ponto atrativo da cidade. Muitos paraenses desconhecem a relação da obra com o fato histórico. A reportagem do DIÁRIO fez uma enquete com algumas pessoas e descobriu que a maioria já ouviu falar na Cabanagem, mas não sabe ao certo do que se trata. “Não sei o que significa. Já ouvi falar na revolta [Cabanagem], mas também não sei o que foi nem que o monumento lembra esse fato. Falta cuidado na cidade, principalmente com uma obra como essa”, avalia a aposentada Raimunda Corrêa, 69.
“Só sei que é moradia dos usuários de drogas. Já ouvi falar dessa revolta, mas não sei o que é”, confessa o vendedor ambulante Miguel Ribeiro, 50. Já o paraibano que mora há 52 anos no Pará João Bosco Guimarães, 74, destacou o abandono do monumento que faz parte da história do Estado e da Amazônia.
“O monumento foi construído por causa da revolução dos cabanos. É importante para a história do Pará, mas é verdade que falta informação sobre o que realmente foi. O abandono desse espaço é uma perda irreparável. Foi totalmente esquecido”, lamenta Guimarães.
(Diário do Pará)
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