Há 43 anos, Pedro Pereira de Oliveira Pardal se formou em Medicina. Mas ele pouco trabalhou diretamente na saúde dos seres humanos. Três anos depois de ter conquistado o diploma, sua obsessão se tornou os animais peçonhentos. Sim, os mesmos bichos que provocam medo na maioria das pessoas, são os que fascinam este senhor de 70 anos, pesquisador do Laboratório de Entomologia Médica e Animais Peçonhentos (Lemap) do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará (UFPA/NMT) e responsável pelo Centro de Informações Toxicológicas do Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), em Belém. Ele também é doutor em Medicina Tropical.
Veja o vídeo:
Nesta entrevista ao DIÁRIO, Pardal demonstra uma preocupação: as chuvas. Afinal, é nesse período que os animais saem das suas tocas e abrigos e se aproximam perigosamente das pessoas, pois detestam a umidade e locais alagados. O “inverno amazônico” é o período que mais contribui para as ocorrências de ataques. Por causa disso, o Pará é Estado que apresenta o maior número de notificações no País. São cerca de 5 mil ocorrências por ano, sendo 70% causadas por picadas de cobras. Para diminuir esses casos, o professor ensina como se prevenir e orienta qual ajuda buscar nos ataques, que ameaçam a saúde perigosamente.
P: O que são animais peçonhentos?
R: Animais peçonhentos são aqueles que apresentam veneno e estruturas de inoculação, representadas por presas inoculadoras ou ferrões, nos quais se incluem as serpentes, como jararaca, surucucu, cascavel e coral. Além das cobras, temos os escorpiões, as aranhas, as arraias, as abelhas e outros.
P: Por que o Pará tem tantas ocorrências de picadas desses animais?
R: Pela biodiversidade e áreas de florestas. E nós invadimos os seus habitats naturais. E nessa época do ano, a maioria dos acidentes ocorre envolvendo serpentes, por causa do excesso de chuva. É o nosso período de inverno. As cobras não gostam de locais alagados, mas sim de zonas mais secas. Elas então emergem. E com isso aproximam-se dos homens. A casa do ribeirinho, por exemplo, normalmente é em local seco. Mas, com a chuva, o nível do rio sobe, fazendo com que os animais cheguem às residências.
P: Quais são os animais que mais atacam?
R: É muito comum acidente com o gênero Bothrops, que é o das jararacas. Em segundo lugar, vêm os escorpiões, que também não gostam muito de ambientes molhados, e as aranhas. São os 3 mais comuns. Em Belém, os ataques ocorrem, principalmente, nas zonas periféricas. Onde houver mais mato, é mais propício desses animais estarem habitando ou caçando. Há bastante casos nos distritos de Mosqueiro,
Outeiro e Cotijuba.
P: O que fazer para evitar esses bichos?
R: A principal recomendação é a limpeza. Assim como na prevenção do Aedes aegypti, é preciso manter os ambientes sempre limpos, evitar acúmulo de entulhos, lixo e restos de alimentos. Isso atrai roedores, como os ratos. E no caso das serpentes, os roedores são o principal alimento delas. É necessário ainda tomar cuidados com a entrada da casa. Deve-se telar as janelas e manter as portas fechadas. Nos casos de aranhas e escorpiões, a limpeza também é o fundamental, porque esses animais adoram comer baratas. Acumulou sujeira e deu barata,
eles se aproximam.
P: A população tem noção desse perigo?
R: Não. As pessoas ainda não se acostumaram a se precaver. É importante, inclusive, falar sobre isso para criar um alerta. É bom lembrar que nenhum animal ataca, agride ou procura ninguém. É o homem que invade o habitat desses animais. Se ele invade o meio ambiente, o animal
procura se defender.
P: Algumas dessas agressões podem ser fatais?
R: As que envolvem serpentes são mais graves. Mas as outras espécies também merecem muita atenção. A gravidade dos acidentes depende sempre da quantidade de veneno introduzido no homem. Uma quantidade maior de veneno pode, sim, ser fatal. Em termos de aranhas e escorpiões, os casos mais sérios estão muitos ligados à faixa etária. Em crianças menores de 15 anos, a tendência é que seja mais grave. Já as serpentes possuem um veneno agressivo para qualquer idade, mas novamente depende quantidade de veneno inoculado.
P: Esses ataques também podem deixar sequelas?
R: Com certeza. Tomemos por exemplo as cobras jararaca e surucucu. No caso da jararaca, ocorre necrose do local picado. Dependendo da extensão e da destruição muscular, pode haver dificuldade de locomoção e movimento nos braços e pernas, além de amputações em casos graves. Hemorragias merecem cuidados.
P: O que fazer no momento da picada?
R: Em caso de picadas, a primeira coisa a fazer é lavar o local com água e sabão. Nunca deve-se amarrar o membro, para impedir o veneno. Uma vez introduzido, este vai direto para a corrente sanguínea, como uma seringa usada para aplicar um remédio. Nunca tente chupar o veneno, pois isso introduz bactérias. E o paciente não deve beber nada além de muita água, para manter-se hidratado. E tem de buscar um posto de saúde que tenha o soro específico para cada animal. A circulação do veneno é muito rápida, tal qual um medicamento injetável. Então é preciso neutralizar o mais rápido possível.
P: Como identificar o animal para o médico saber que soro utilizar?
R: Claro que o ideal seria capturar o animal e levar, mas isso é muito difícil de ocorrer. Por outro lado, o médico é capaz de identificar pelos sintomas e pela condição da parte do corpo como ocorreu a picada. Aqui nós temos o Centro de Informações Toxicológicas, que orienta nesses casos. Quando nos ligam, a gente pede os sintomas e o local onde ocorreu o acidente. Com essas informações, a gente sabe dizer o tipo de cobra.
(Carolina Menezes/Diário do Pará)
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