Quando a mulher tinha muito menos oportunidades no mercado de trabalho do que têm hoje, a paraense Odéle Fernandes bateu o pé e provou que o céu era o limite. Literalmente. Aos 90 anos, ela foi a primeira mulher em todo o Pará a ter um brevê, ainda em 1953, e ter trilhado uma carreira curta, porém, crucial para a história da aviação no Estado. Essa trajetória é, inclusive, tema de um livro que deve ser lançado em março próximo.
Com muita empolgação, Odéle lembra que tirou a licença para voar em segredo. A família só soube quando os jornais da época publicaram. E garante que ninguém achou ruim. Provavelmente não se espantaram, dado o histórico da jovem, que não tinha medo algum de correr riscos. “Onde tinha uma cachoeira, uma ponte, eu me jogava. Já teve de descer batalhão de homens da polícia fazendo corda humana para me resgatar uma vez. Sempre tive atração pelo perigo”, justifica. Há poucos anos, por causa de uma queda sofrida em Vigia, no interior do Estado, ela não consegue lembrar mais de alguns detalhes de sua vida. Mas, compensa os “buracos” na memória, ao falar com uma emoção indisfarçável de momentos inesquecíveis.
Sensação
“Não existe nenhuma sensação como a de voar. Voar é como ser um pássaro. E nunca tive medo”, afirma ela, que lembra de apuros passados para pousar na fazenda de propriedade de seu pai, no município de Marapanim, e dos divertidos rasantes que dava ao pousar, só para colocar medo em quem estivesse por perto. Com 4 anos de vôos nas costas, ganhou um emprego fixo como aviadora em Macapá (AP), conseguiu junto uma bolsa de estudos para estudar no Rio de Janeiro e ainda a chance de fazer um curso de paraquedismo. Mas encerraria a carreira, a pedido do seu marido, um bancário com tanto apego ao solo quanto Odéle tem ao ar. “Eu via que ele ficava angustiado, não falava, mas ficava. Foi quando resolvi parar”, explica ela, que pilotou em Belém aviões tipo Piper na versão monomotor.
Embora fossem os anos 50, ela não se recorda de sofrer qualquer tipo de preconceito. Pelo contrário. Espaço predominantemente masculino, ela afirma ter criado um ambiente de maior respeito a partir de sua chegada. “Eles adoravam falar piadas imorais e eu nunca gostei. Me afastava quando tinha esse tipo de conversa. Então eles perceberam e, quando eu estava perto, eles não falavam”, relembra.
Pionerismo de Odéle estará em livro
O museólogo e escritor Antônio Eutálio Corrêa é quem se dedica a contar, em livro, a vida de Odéle, com “A Primeira Aviadora Paraense – Um Piper entre as Nuvens”, que fará um apanhado da história da aviação no Estado e do Aeroclube do Pará, fundado em 1939, contextualizando a história da mulher pioneira nessa profissão. “Tanto pela contribuição para a aviação, como para as próprias mulheres, ela tem uma história que merece ser contada”, conta.
Reconhecimento
Em dezembro do ano passado, Odéle Fernandes ganhou da Assembleia Legislativa o título honorífico de Honra ao Mérito pelos relevantes serviços prestados ao Estado do Pará.
Pouco antes havia recebido, da Câmara Municipal de Belém (CMB), o título de Cidadã de Belém. Em outubro passado, a aviadora recebeu o reconhecimento da Força Aérea Brasileira pelo pioneirismo histórico e contribuição para o setor da aviação, por ser a primeira mulher a concluir o curso e ter o brevê de piloto do Estado do Pará.
(Carolina Menezes/Diário do Pará)
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